05/05/14

FÁTIMA - ESCLARECIMENTOS ...

Fátima!? Escuto dizer agora "era uma princesa moura, que apareceu...", "é uma divindade etc...etc...".

Castelo de Ourém
Nunca se espalhou tão rapidamente o erro, como hoje... Por isso, a propósito do nome "Fátima", e referindo-me à localidade, em Portugal, vou transcrever algumas linhas de um livro publicado antes de qualquer suspeita. O livro é o "Anno Historico, Diario Portuguez, Noticia Abreviada de pessoas grandes, e cousas notaveis de Portugal ... oferecido a elRey D. João V ..." (Tomo II, LISBOA, 1744):

XI
(do dia 24 de junho)

"Gonçalo Hermiges, ilustre Cavaleiro Português, de tempo do nosso primeiro Rei, foi não menos entendido, que ilustre, e não menos esforçado, que entendido. Fazia os versos com mais elegância, e cultura, do que se podia esperar da rudeza daquela idade, e por eles era na Côrte estimado. e aplaudido com vantagens aos da sua esfera. Em valor igualava na campanha aos mais destemidos. Tinha contra os Mouros uma tão ardente aversão, que em os vendo, mas que fossem, ou embaixadores, ou cativos, lhe pulava o coração no peito de tal sorte, que se lhe divisavam no resto os sinais da ira. O seu mais frequente exercício era andar em contínuas invasões sobre as terras dos bárbaros, fazendo-lhe todo o género de hostilidades, sem perdoar a coisa viva, e foram tantos os mortos aos golpes da sua espada, que lhe chamavam vulgarmente o Traga Mouros. Entre outros, caso sucedeu o que agora diremos. Achou-se antes da madrigada deste dia, no ano de 1170, junto de Almada, vila fronteira a Lisboa, sabia que ao romper da manhã haviam de sair os mouros da mesma vila a lograr frescura, e amenidade dos campos, e a celebrar, por seu modo, aquele santo, a quem rendem venerações, e tributam aplausos até os mesmos infiéis. No ponto em que sairam , foram improvisamente assaltados dos portugueses, e metidos em grande número, uns à espada, outros ao grilhão, recobrados, porém, os que restavam, vendo a pouca gente, que os investia, formaram-se num corpo em nossa ofensa, e se travou um duríssimo combate.

Santuário de Fátima
Pelejavam os Mouros, vendo, e ouvindo as lágrimas, e gemidos das suas famílias, e posto que estas vozes da natureza, e do amor, lhe infundiam alentos, como estavam cortados do primeiro temor, cederam enfim à impressão furiosa das nossas armas. Recolheram-se os portugueses aos bateis carregados de riquíssimos despojos, dos quais o generoso, e namorado Hermiges, não quis outro para si, mais que uma formosíssima Moura chamada Fátima, que ele cativara por sua mão, e de quem logo ficara cativo. Tratou-a com honestas atenções, muito diferentes das que costuma a licença militar. Conseguiu com estremado gosto seu, que se fizesse cristã, e recebeu o baptismo, e nele mudou o nome de Fátima, em Oriana. Logo lhe deu a mão de esposo, e começaram ambos a ser exemplo de amor conjugal a todo o Reino; e Hermiges esquecido já de tudo o que não era a sua Oriana, só a ela dedicava as elegâncias do seu engenho, e os afectos do seu coração; mas arrebatando-lha a morte dentro em poucos dias, esteve em pontos de perder o juízo, até que caindo em si, e entrando no verdadeiro conhecimento das vaidades desta vida, tomou o habito de Cister no Mosteiro de Alcobaça, empregando todos os seus bens, que eram muitos, na erecção do Mosteiro de Tomarais junto à vila de Ourem, onde faleceu santamente. Já não aparece este convento; porque se aplicaram as suas rendas ao Colégio de S. Bernardo de Coimbra."

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