15/04/14

Sto. Afonso de Ligório - SERMÃO DO DOMINGO DE RAMOS (I)

SERMÃO XX

2º DOMINGO DA PAIXÃO
DOMINGO DE RAMOS
(por Sto. Afonso Maria de Ligório)

[Tema]:
O HÁBITO DO PECADO

"Ide à aldeia que está defronte de vós, e logo encontrareis presa uma jumenta e o seu jumentinho com ela" (Mateus 21, 2)

Nosso Senhor determinado neste dia a entrar em Jerusalém, afim de ser reconhecido e proclamado como o Messias prometido e enviado por Deus para a salvação do mundo, mandou os seus ir para um castelo, onde haveria uma jumenta presa (logo encontrareis presa uma jumenta) que desatariam e levariam para Ele. S. Boaventura explica este trecho: Jumenta presa, designa o pecador; segundo o que diz o sábio, o ímpio é preso e encadeado pelo seu pecado mesmo: "O ímpio é presa das suas próprias iniquidades e é ligado com as cadeias dos seus pecados" (Prov. 5, 22). Ora como Jesus Cristo não podia sentar-se sobre a Jumenta enquanto ela estava presa, da mesma maneira não pode Ele demorar numa alma encadeada nos seus pecados. Se portanto, meus caros auditores, encontra-se dentro de vós uma alma encadeada pelo hábito do pecado; que ouça esta palavra do Senhor que lhe é dirigida hoje: "Desprendei-a e trazei-ma." (Mateus 21, 2). "Desata as cadeias do teu pescoço, cativa, filha de Sião." (Isaías 52.2). Desprende-te, minha filha, desta corrente do pecado que te torna escrava do demónio, e fá-lo depressa antes que o hábito do mal se apodere de ti e te impeça de te emendares e te conduza à tua perda eterna. Neste desígnio, vou demonstrar os maus efeitos do hábito do pecado; divido em três pontos o que vou explicar: 1.º O hábito cega o espírito, 2.º endurece o coração, 3.º enfraquece as forças.

I
O Hábito de Pecar Cega o Espírito

1. Sto. Agostinho fala assim do pecado habitual: O costume não permite ver o mal que os pecadores fazem. O costume de pecar cega os pecadores e impede-os de reparar, quer o mal que fazem, que a ruína que provocam; vivem então como se nem Deus, nem o Inferno, nem o Céu, nem a eternidade existissem. Os pecados mais horríveis quando são habituais, parecem pequenos ou nulos. Como então a alma poderá evitá-los, quando já não sente a gravidade deles e o mal que eles provocam?

2. S. Jerónimo diz que os pecadores de costume perderam toda a vergonha; uma certa vergonha acompanha naturalmente o pecado, mas perde-se pelo costume. S. Pedro compara o pecador de costume a um porco que se volta no seu estrume: Voltou o cão ao seu vómito e a porca lavada tornou a revolver-se no lamaçal (II Pedro 2. 22). A lama cobre logo os olhos e daí que aqueles que vivem assim, em vez de entristecer-se, e ruborizar das suas máculas, regozijam-se e gabam-se disso: "É um divertimento para o louco fazer o mal." (Prov. 10, 23). "Alegram-se por terem feito o mal e se regozijam na perversidade." (Prov. 2, 14). Assim os santos rogam a Deus sem cessar para os iluminar, sabendo que sem esta luz todo o homem se pode tornar o mais culpável do mundo. E como tantos cristãos, assegurados pela Fé, que há um inferno e um Deus justo, que não pode deixar de castigar o mal, continuam a viver no pecado até à morte, e condenam-se? Porque a malícia os cegou (Sabed. 2, 21) e por isso se danam.

3. Lemos em Job que o pecador costuma encher-se de vícios: Os seus ossos estavam cheios das suas iniquidades ocultas (Job. 20, 11). Todo o pecado leva consigo um degrau de cegueira no espírito e quando os pecados se multiplicam por hábitos, a cegueira cresce com eles. Um frasco [vidro] sujo de terra não pode receber o sol; assim também a luz de Deus não pode penetrar no coração cheio de vícios, e fazer conhecer o princípio para onde vai cair. O pecador habitual, desprovido da luz, vai de falta em falta, sem pensar emendar-se: "Os ímpios ao redor passeiam." (Salmo 11, 9). O desgraçado caído na fossa obscura do costume de pecar, apenas pensa no pecado, preocupa-se só com fazer algo pecaminoso e já não o considera como um mal. Torna-se afinal como os animais, desprovidos de razão, que nada conhecem senão os apetites dos sentidos. De facto o homem não permanecerá em opulência: "É semelhante às alimárias que perecem." (Salmo 48, 13). São João Crisóstomo aplica esta passagem ao pecador hábil, que, encerrado nesta fossa obscura, desenha as pregações, os avisos de Deus, as correcções, as censuras e o Inferno e até o próprio Deus: que torna a ser semelhante a abutres vorazes, azafamados sobre um cadáver, que devoram, prefere deixar-se matar pelo caçador do que largar a presa.

4. Tremamos, meus irmãos, como David quando dizia: "Não me afogem as ondas das águas, nem me absorva o abismo, nem a boca do poço de tantas misérias." (Salmo 68, 16). Se alguém cai no poço, enquanto a boca do poço fica aberta, ele tem a possibilidade de se salvar, mas se a boca do poço chega a ser tapada, está perdido. Também o pecador, caído no costume do pecado, vê os seus pecados repetidos fecharem-lhe continuamente a boca do abismo, que, uma vez completamente fechada, o separa de Deus, de que será então abandonado. Ó pecador se estás preso deste poço do Inferno, antes que a boca se feche, quero dizer, antes que Deus te retire a sua luz e te abandone, porque motivo este abandono determinará a tua danação!

(continuação, II parte)

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