20/03/14

SERMÃO SOBRE O ESPÍRITO DA SEITA DOMINANTE NO Séc. XIX (I)

SERMÃO

SOBRE O ESPÍRITO DA SEITA DOMINANTE NO SÉCULO XIX

Igreja de Sta. Justa

Pregado na Igreja de Santa Justa, Na Primeira Dominga de Quaresma
de 1811


 (Pelo Rev. Pe. José Agostinho de Macedo)

"Non reccipit stuotus verba prudentiae, nisi ea dixeris quae versantur in corde ejus."
(Prov. Cap. 18)

Nós reconhecemos, e nós sentimos em nós mesmos, dada pela Natureza, uma irresistível tendência, para indagarmos, e sabermos as causas, e as razões daqueles efeitos que se apresentam, e oferecem de contínuo a nossos olhos; desta natural curiosidade nasceu essa a que chamamos Filosofia, que ainda que em rigor não signifique mais que o amor da sabedoria, por este amor da sabedoria entendemos o conhecimento das causas de tudo quanto descobrimos, e admiramos em casto seio da natureza; mas eu, não contente de me constituir no centro deste círculo imenso dos seres físicos, e sensíveis, me ocupo muito mais do conhecimento das causas dos efeitos espantosos morais, e políticos, que de toda a parte se me oferecem à contemplação neste turbulento, e desgraçado século em que existimos. Nunca este grande teatro, que se chama mundo social, ofereceu aos olhos do homem sensível, do homem pensador, do sábio do Cristianismo, um espetáculo mais extraordinário, mas horrível mas abominável. Qual faria na terra o choque de outro Planeta arrancado de sua órbita, e caindo sobre ela; tal o estrago que tem feito na ordem social o delírio político, o delírio filosófico, que se tem apossado dos homens desde que (e  talvez que desde época mais remota) começou a levantar do caos a medonha frente, o monstro que se chama a Revolução. Abrangei com o entendimento desde as geladas margens do Volga, e do solitário Obis até às extremas praias do Mediterrâneo, desde as ribeiras do Tejo até às aprazíveis barreiras do Bósforo, vós não vereis mais que Impérios ou aviltados, ou aniquilados. Reinos levantados, ou aniquilados pelas mãos bárbaras de usurpação, e cimentados em sangue, depois absorvidos na insondável voragem da impudente ambição. Constituições mudadas, Repúblicas [entenda-se "ordem pública"]extintas, os homens alheios aos homens, sentimentos impróprios da humana espécie; guerras, incêndios, mortes, ruínas, assolações, misérias, sustos, invasões, e pertinaz rapina. Vós não vereis mais que montões de estragos sobre os campos, sobre as montanhas da Europa, e entre milhões de cadáveres sentado como em trono ou luto atroz, a quem não abastam lágrimas, a quem não farta o sangue, a quem não contenta ainda a miseranda catástrofe de Tronos derrubados, de nações quase extintas, de miseráveis Reinos, cuja liberdade se converteu em cadeias, e cuja opulência se transformou em fome, e entre os quais até os mesmos suspiros são delitos. Este é o quadro que temos ante os olhos, e tão próximo a nós, que dista poucas léguas desta Capital. Um exército bárbaro a rodeia, e ainda que em meus ouvidos pareça troarem as mesmas vozes, que disse o Profeta ao Rei de Samaria: Não passará por cima destes muros uma só seta inimiga, nós temos este espetáculo antes os olhos.

E que coisa mais própria do homem pensador, quando se conduz em seu discurso ao carão da tocha da Religião, que perguntar-se a si mesmo o motivo, a causa que produz no Mundo, e produz também em Portugal tão espantosos, tão detestáveis efeitos? Eu mo perguntei a mim mesmo; e depois da mais aturada, e profunda meditação,é preciso romper hoje o silêncio, expor a causa, e assinalar a fronte de um mal, a que eu desde já chamarei o contágio da nossa idade, manancial pouco observado, mas muito certo das desgraças que sente o Mundo, e nos sentimos.Eu me persuado que nenhum de vós terá deixado de escutar ou nos discursos familiares, ou nos ajuntamentos públicos, onde ler nesses papeis chamados periódicos, e que formam o teimoso emprego de tantos, e tantos prejudiciais ociosos, esta palavra Espírito de partido. Esta palavra volve tão frequentemente em nossa maternal linguagem, que pelo seu uso pertinazíssimo tem adquirido entre nós o direito de propriedade. A significação óbvia desta palavra é tão comum nestes desgraçados tempos, que é preciso que eu vos diga, que dela nascem, e tem nascido até agora todos os nosso males. Origem empestada de tantas calamidades, agente universal das desventuras todas, e de que se doem a Justiça, a Razão, a Religião, e a mesma natureza, ofendidas em todas as suas leis. Deste espírito de partido nasceram os estragos todos nas ciências, nas artes, mas é muito principalmente fatal à Política, à Sociedade, ao Cristianismo. Eu o contemplarei não só pelo que diz respeito à Política, porque então faria um discurso puramente filosófico, mas também pelo que pertence á Religião, e aos costumes, única esfera em que se devem conter os Discursos Evangélicos; e os prantos da Religião, e da piedade Cristã não permitem que este assunto permaneça por mais tempos separado destas cadeiras da verdade, onde não sei porque funesto abuso se tem introduzido longas, e tediosas relações de sítios de batalhas, de sortidos, e planos militares, com a circunstanciada lista de nomes de Generais, como se a Gazeta fôra a Bíblia, e os Santos Padres os Periódicos. O meu coração se tem profundamente magoado com este abuso, e vejo que não se busca a instrução do povo, repetindo-lhe o detestável nome de nossos bárbaros inimigos. Vós quereis ser instruídos nas verdades da moral Cristã, e é preciso mostrar-vos os vícios do século, apontar-vos as causas originais das nossas desgraças, para que alumiados com luz do Espírito Santo, lhes possais dar aqueles remédios que tantas; e tão eminentes desgraças exigem. Eu degolarei esta Hydra, cujas pestíferas cabeças se reproduzem tanto; ensoparei a espada da Religião, e da Eloquência nas lívidas gargantas. Em primeiro lugar vos farei conhecer a índole, a natureza do espírito de partido; em segundo lugar seus péssimos efeitos, sem me separar dos limites de uma instrução Evangélica. Vós conhecereis o que produz o espírito de partido pelo que pertence ao Entendimento; o que produz o espírito de partido pelo que pertence à Vontade. Tão grave, e tão importante matéria deve prender as atenções dos verdadeiros fiéis, lembrando-vos que se existe muito perto da cura, quando se conhece a próxima, e verdadeira causa do mal.

E vós, Senhor, que mandastes ao Profeta que levantasse a voz como o pavoroso com de uma trombeta, que assustasse o povo, e repreendesse seus crimes, sustentai a minha voz com a força da vossa graça, e ensinais-me vós mesmo a combater monstros, que tanto vos ultrajam, e nos arruínam.

(continuação, II parte)

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