31/03/14

SERMÃO SOBRE O ESPÍRITO DA SEITA DOMINANTE NO Séc. XIX (VI)

(continuação da V parte)

Mas se estas coisas são verdadeiras, dirá algum de vós, como verdadeiras se mostraram pelos factos, não poderá, nem poderá jamais haver no Mundo diversidade de génios, ou diversidade de opiniões, e pareceres. Respondo, que pode haver opiniões, e pareceres diversos, mas sem espírito de partido, dizer o contrário seria privar a razão humana, e o entendimento humano de sua honesta, e devida liberdade. O Apóstolo não só permitiu a cada um poder sentir nas coisas, e negócios humanos que acontecem, como razoavelmente lhe parecer, mas abundar alguma coisa em seu mesmo sentido, e opinião "Unusquisque suo sensu abundet" só proibiu abundar com aquele calor, pertinácia, e emulação, que apagam, ou que minoram o espírito da caridade "Charitas non aemulatur, non inflatur, non agit perperam". Deus criou o Mundo, como ele protesta no Eclesiástico, o pôs nas mãos dos homens, deixando-o a seus estudos, e a suas disputas. E por isso poder-se-á dizer que ele introduzira no Mundo o espírito de partido? A Igreja permite adversidade de opinar nas coisas não essenciais, e todavia indecisas, de Religião, e porventura semeou ela entre seus filhos a semente da discórdia? O Senhor concedeu, e aprovou a divisão das possessões, a divisão dos domínios, e por isso é Deus acaso o autor das contendas, e dos litígios? As guerras, e os litígios, as animosidades, as fraudes que os acompanham, não vem de Deus, mas das nossas paixões. Unde vela, et lites in vobis? Non ne hic ex concupiscentiis vestris? E verdadeira guerra é aquela que se faz com o espírito de partido, e guerra não qual a faziam os Monarcas Católicos, mas qual a faz o monstro que quer tiranizar o Mundo, na qual toda a perfídia lhe parece honesta, com tanto que contribua ao fim de suas escandalosas usurpações, usando indistintamente da mentira, e da verdade, da ciências militar, e da traição, e servindo-se de todas as maldades como de coisas indiferentes.

Oh caridade! Oh Evangelho! Oh entranhas de Jesus Cristo, patentes até àqueles mesmos, que se declaram seus infensíssimos inimigos! E podereis vós esperar (perdoai-me este desafogo, esse transporte da minha dor) e podereis vós esperar, que se devesse prégar o perdão, e a paz a quem não foi ultrajado, e ofendido, mas que só a si mesmo se ofendeu, e se ultrajou, ofendendo, e ultrajando sua razão, constrangendo-a a dobrar o pescoço ao jugo férreo das leis, e da tirania de um partido, que o precipita em mil erros, que o contamina com mil culpas? Mas de outra parte são tão fortes as razões contrárias, que vos tenho declarado, e tão medonho, e abominável se mostra por todos os lados o brutal aspecto do espírito de partido, que se à sua vista vós me dissésseis que o não quereis abandonar para sempre, eu o não acreditaria; e tenho por causa firmíssima, que ajudando-vos Deus, que é um Deus da verdade, e da paz, o expulsareis do vosso coração, se nele lhe tendes dado entrada, ou que lhe fechareis para sempre as portas, e vos não deixareis contaminar de seus hábitos pestíferos.

(continuação, VII parte)

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