29/03/14

CONTRIBUTOS PARA O ENTENDIMENTO... (I)

Há assuntos mais importantes, mas  este texto é um auxiliar interessante, que pode travar certos erros recentes na interpretação da nossa monarquia , e desafia o leitor: Tentar adivinhar em que século decorre o relato: 
 

O Camareiro-mor (...), vestia, e despia ordinariamente o Duque; e a ordem, e cerimónias, eram estas.

Quando chegava de sua casa, se o Duque não tinha ainda chamado, esperava na Guarda-roupa, que era sempre na Antecâmara, até que chamava, e nesta primeira entrada, entravam com ele o moço da Guarda-roupa, e o das chaves abria a janela, e se a cama estaca descomposta, ou a colcha caída, lha concretavam, e se era no inverno mandavam ao Porteiro da Câmara, que mandasse aos Reposteiros, que fossem fazer o fogo, e um varredeiro a varrer a casa, e em quanto os Reposteiros faziam o fogo, estava o Porteiro da Câmara à porta da parte de dentro, e feito se saiam os Reposteiros, e Porteiro, o Camareiro pedia a camisa, e o moço das chaves ia à Guarda-roupa por ela.

A qual trazia numa toalha dobrada, posta numa salva, e a dava ao Camareiro, e se saiam o moço da Guarda-roupa, e o das chaves para fora; e o Camareiro a beijava, e a dava ao Duque de joelhos, e se a levantava, e fazia uma mesura, e lhe corria a cortina, e como o Duque a vestia, e chamava, tornava o Camareiro, e lhe dava o roupão; e logo entrava o moço da Guarda-roupa com as calças, e o das chaves com ele, e alguns, que por particular mercê tinham a este tempo entrada.

Desafio: de que século data
o texto?
O Duque se senta na cadeira, que tinha sobre a alcatifa da ilharga da cama, donde o Camareiro de joelhos calçava as calças, e o moço da Guarda-roupa da mesma maneira de joelhos, as ajudava a subir; e depois de calçadas, ao vestir de jubão, tinha o moço da Guarda-roupa o roupão, em quanto o Camareiro vestia uma, e outra manga, e quando o jubão ia por atacar, o moço da Guarda-roupa o atacava ["atacar" deu "atacadores", e significa apertar e atar], e das Chaves o ajudava. Vestido o jubão, entrava um dos moços, que dormiam na Guarda-roupa, com as botas, ou sapatos, e posto de joelhos as dava ao Camareiro, e o moço da Guarda-roupa as ajudava a calçar, o moço das chaves se saia à Guarda-roupa, e repartia as peças do vestido, e as dava aos moços da Câmara.

Entrava a este tempo o Porteiro da Câmara da parte de dentro da porta, e fazia o moço da Câmara, que levava água às mãos, o Camareiro deitava a toalha ao ombro, e o moço da Câmara tomava a salva, e dava o prato, e jarro ao Camareiro, que de joelhos a dava ao Duque,  e o moço da Câmara estava de joelhos fora de alcatifa enquanto o Duque se lavava, e ao entrar da água as mãos, entravam juntamente os fidalgos, moços fidalgos, e os que dormiam na Guarda-roupa, e moços da Câmara escusos, e saído o moço da Câmara com o prato da água às mãos, entrava outro com o azafate, ou prato com o penteador, uma toalha, e dois pentes, e se punha de joelhos fora da Alcatifa; o Camareiro punha a toalha ao ombro, e o penteador ao Duque, e o penteava, e lhe dava pente para pentear a barba. Ao tempo, que entrava o Penteador, entravam os moços da Câmara com as peças do vestuário; a saber, Pelote, Capa, espada, e numa salva a Gorra, luvas, e lenço; e com eles entravam os que queriam achar-se ao vestir; e quando o Camareiro vestia o pelote, tomava o roupão o moço da Guarda-roupa, e o dava a um dos moços da Câmara, que dormiam na Guarda-roupa, ou a outro moço da Câmara, que o levava à Guarda-roupa.

Depois entrava um moço da Câmara, com o prato do penteador da maneira acima declarada, e de mais uma coisa, ou gravim, que depois de penteado lhe punha o Camareiro em presença de todos, e logo se saía toda a gente, ficando sós com ele o Camareiro, Guarda-roupa, moço da Guarda-roupa, e o das Chaves, e um dos que dormiam na Guarda-roupa, que tinha entrada a este tempo do vestir, e despir, trazia uns Pantufos, e de joelhos tomava as calças, e as levava à Guarda-roupa, porque o moço da Guarda-roupa, tinha mão no roupão, enquanto o Camareiro despia o Gibão.

Estas eram as cerimonias do vestir, e despir.

O Camareiro mor depois de vestir o Duque o acompanhava detrás quando ia à Missa, que era a primeira coisa, que fazia; e vindo da Missa, se o Duque tinha de despachar, ele punha a mesa, e campainha, e chegava a cadeira, e mandava despejar [despachar?], ficando com o Duque até que vinham os oficiais com que havia de despachar, e como começava o despacho, se saia, mandando chamar o Pajem da Campainha para acudir ao Duque; e se o Camareiro-mor estava presente, e queria ele acudir, não acudia o pajem, e se alguma pessoa queria falar ao Duque, não estava, senão por sua ordem. Sempre acompanhava detrás ao Duque ao Paço, a Casa de ElRei, e da Rainha, e Infantes, e onde era necessário ir aquela pessoa, [caãs], e autoridade.

Tinha tão particular cuidado de guardar o decoro, e fazer a cortesia devida, que nunca em secreto, deixava de fazer a mesura, beijar a peça, tomar a salva, pôr o joelho no chão, e falar com grande acatamento, como o fazia em público, por dar exemplo a todos; era muito conhecido de ElRei, o Duque lhe tinha grande respeito, e os Infantes lhe faziam muita honra, e toda a Corte o estimava muito.

E tudo o que tenho dito, é o mesmo, em que Vasco Fernandes Caminha servia ao Duque; porque como tinha tantas qualidades, e virtudes, como Aio o aconselhava em todas as coisas, que se ofereciam de honra, primor, e Cavalaria, e governo de seu estado; e nenhuma destas o Duque fazia sem o parecer dele, e em acabando de comer se ia para o Duque; nas doenças assistia sempre, e o Duque o mandava sentar numa cadeira rasa, e tomava os votos dos Médicos, para o que se tinha de fazer ao Duque.

Guarda-roupa

O Guarda-roupa em ausência do Camareiro-mor, fazia o ofício de Camareiro inteiramente, e se estava presente, quando o Camareiro vestia, ou despia, não tocava em coisa alguma.

Tinha cargo de recâmara do Duque, e lhe era carregada em receita.

(continuação, II parte)

2 comentários:

Unknown disse...

Séc. XV, XVI?

anónimo disse...

Caro Telmo ...

acho que XV ... Mas como pode, se isto são coisas que os enganados pelos liberais atribuem a reis "absolutistas"!? Afinal, antes dos liberais inventarem o nome "absolutista" (para atacar o monarca tradicional, que lhes recusava entregar parte do poder régio), já existiam ordinariamente, tradicinalmente, o absolutismo?

Agora pode vir alguém que diga: "pois... mas estes comportamentos não definem o absolutismo".... Mas o que é o "absolutismo" afinal?! ... A mais recente: "é o ministério despótico do rei". Mas a isso sempre chamámos DESPOTISMO. Será o "absolutismo" o ministério absoluto do rei?! ... Mas não ... porque me dizem que o rei é absolutos, mas não absolutista. Outros diziam: "é aquele rei que não convoca cortes porque assim quer"... mas antes do "absolutismo" vários reis não reuniram Côrtes, e no tempo nunca foram molestados por ninguém a esse respeito!

Todas essas confusões nada mais são que consequências por não querer largar uma palavra inventada pelos liberais, e usada para difamar a monarquia tradicional. É verdade que em certos Reinos havia certos costumes mais "democráticos", os quais não faziam mossa, mas já mais recentemente esses casos são mutilados e aproveitados pelos novos liberais-tradicionalistas, republicanos, e outros tantos, para promoçã de certas causas.

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