01/03/14

APONTAMENTOS A RESPEITO DO PATRIARCADO E PATRIARCAL DE LISBOA

D. Tomás de Almeida,
I Cardeal Patriarca de Lisboa
Depois de uns dias de desaparecimento, volto de novo.

Como me acabam de pedir informação histórica sobre o Patriarcado de Lisboa, e do Patriarca, ao que respondi que não lembro nenhum livro que trate do assunto (embora haja), comecei a procurar alguma coisa aqui nos meus arquivos... Encontrei unas páginas curiosas que, embora não sejam bem o que procurava, achei merecerem dá-las a vós leitores.

"No I de março do referido ano [1710]erigiu por constituição do pontífice Clemente XI a sua Real Capela em insigne Colegiada, com o título de S. Tomé Apóstolo, e condecorada com grandes prerrogativas, instituindo-lhe 6 Dignidades, 18 Cónegos, 12 Beneficiados, além de outros ministros subordinados ao Capelão mor, como seu próprio Ordinário, e lhes estabeleceu para côngrua e sustentação 12:550$560 réis, de forma que ao Deão competia 400$000 réis, a cada uma das Dignidades 300$000 réis, a cada um dos 18 Cónegos 300$000 réis, a cada um dos doze Beneficiados 150$000 réis e a cada um dos Mansionários 80$000 réis; assim tomaram posse a 16 de Maio de 1710." (Fr. Cláudio da Conceição: Gabinete Histórico, vol. X. pag. 137)

"Construida a insigne Colegiada de S. Tomé, passou ElRei a condecorar os seus Ministros com um habito coral distinto do antigo, ordenando que os Cónegos pudessem trazer sobre o roquete capa magna roxa com capelo forrado de peles brancas de arminho em tempo de inverno, isto é - desde véspera de Todos os Santos até Sábado de Aleluia; e no verão usariam das mesmas capas forradas de seda encarnada: e os Beneficiados trariam também capa roxa com capelo forrado de peles cinzentas, no tempo do inverno, e no verão andariam com a mesma capa, e capelo forrado de seda roxa, acrescentando mais a cada Cónego 100$000 réis, e a cada um dos Beneficiados 50$000 réis."

"Toda esta abundância de graças e honras, com que o magnânimo Rei D. João V engrandeceu a sua Real Capela, ainda se não proporcionava com o dilatado do seu pio e régio coração, e assim obtendo da Santidade de Clemente XI a Bulla Aurea [bula de ouro], que começa: In supremo Apostolatus solio, expedida em 7 de novembro de 1716, fez exaltar a sua insigne Colegiada em Catedral Metropolitana e Patriarcal com a invocação de Nossa Senhora da Assumpção, dividindo para este efeito esta cidade e seu Arcebispado em duas partes [Lisboa Ocidental, e Lisboa Oriental], estabelecendo na parte ocidental um Patriarca, a quem uniu a dignidade de Capelão mor com distinta jurisdição da metropolitana, o qual como Patriarca ficou superior a todos os Arcebispos, e Bispos do Reino, e ainda ao de Braga [Arcebispo Primaz das Espanhas]. (... ao Patriarca de Lisboa cabia andar vestido assim:) em habito purpúreo à maneira de Arcebispo salisburgense, Primaz da Alemanha, e outros tantos privilégios e proeminências, unindo-lhe também as honras e tratamento de Cardeal, que lhe mandou dar por decreto de 17 de fevereiro de 1717. (...) o Papa Clemente XII não só o elevasse àquela dignidade [de Cardeal], como elevou por bula de 27 de dezembro de 1737, que começa Inter praecipuas Apostolici ministerii; mas pela mesma estabeleceu para sempre que a pessoa que fosse preconizada Patriarca de Lisboa, fosse logo criada Cardeal no consistório imediatamente seguinte. Para tal fim conseguiu do património Real e do rendimento das quintas das Minas-Geais para sustentação magnífica do Patriarca e seus sucessores, em perpétua doação, todos os anos 220 marcos de ouro, e o grande rendimento da Lezíria da Foz de Almonda, para que sem prejuízo dos pobres, pudesse luzir com esplendor em tão alta dignidade. E prosseguindo na aplicação da nova Catedral, criou nova Dignidade e Cónegos para formarem um respeitoso Cabido, enchendo-os de grandes autoridades e honras, além das que o papa Clemente XI lhes outorgou pela constituição Gregis Dominici, de 3 de janeiro de 1718. Continua a exercitar novas grandezas que já pareciam impossíveis à imaginação, e somente sondáveis e factíveis à dilatada esfera da sua ideia. Tornou a unir as duas cidades [Lisboa Ocidental, Lisboa Oriental] numa só, e por constituição do Papa Bento XIV passada em 13 de dezembro de 1740, e que principia Salvatoris nostri, fez abrogar e extinguir a antiga Sé de Lisboa Oriental, incorporando e estabelecendo uma só Igreja Patriarcal com omnimoda jurisdição metropolitana; e para que as suas dignidades se distinguissem mais especificamente, erigiu um excelentíssimo Colégio de 24 Principais com hábito cardinalício, e 72 Prelados ou Ministros de habito prelatício, divididos em várias hierarquias, a saber - prelados Presbíteros com insígnias episcopais, e exercício de pontifical, Protonotários, Subdiáconos e Acólitos, 20 Cónegos, 12 Beneficiados de 700$000 réis, 32 Beneficiados, 32 clérigos Beneficiados e outros mais ministros da Igreja Patriarcal." (Pe. João Baptista de Castro em Mapa de Portugal, vol. III. pag 183. Lisboa 1763)

"O Rei doou ao Patriarca, além das rendas eclesiásticas, outras muitas para a mantença de seu estado com lustre e grandeza. Quando ainda o Patriarca era Bispo do Porto, deu-lhe D. João V 24 criados de sala, que se apelidavam da sua guarda, com vestidos de pano roxo, guarnecidos pelas costuras e agaloados de ricos passamanes de veludo lavrado carmesim, os quais, quando o Patriarca saia do Estado, levavam umas capas compridas do mesmo pano, abandadas e agaloadas de veludo carmesim, cabeleiras grandes, e voltas: tinha mais 24 creiados das cavalariças, que também acompanhavam o Estado, mas sem capas, vestidos do mesmo pano roxo, guarnecido e agaloado, e todos com meias encarnadas: e mais 2 criados chamados da Cruz, que acompanhavam o Cruciferário, um a cada estibo da mula branca, um estribeiro e um viador. Tinha mais ao seu serviço 12 clérigos, que se apelidavam Capelães, e 12 gentis-homens seculares, os quais entravam de serviço às semanas, e vestiam de seda roxa, loba e sotaina de mangas caídas, e ainda havia mais 24 de ambas estas classes supra numerários, os quais só tinham obrigação de esperarem o Patriarca, ou na Patriarcal, ou assistir às funções patriarcais. E além deste pessoal ainda tinha um secretário do expediente, um esmoler, e muitas mais pessoas do seu serviço. Com estes familiares numerosos saia do estado no seu coche riquíssimo de veludo carmesim, agaloado de ouro por dentro, e tendo no tejadilho, na parte interna, o Espírito Santo, fabricado de ouro, à imitação do que usa o Papa. Os cocheiros eram também como os do Papa, vestidos com calções largos cobertos de ouro, vestias encarnadas todas tecidas de ouro, e por cima destas outras de mangas perdidas, com vários cachos de ouro pelos ombros, volta bordada, cabeleiras grandes, botas encarnadas, e as joelheiras cacheadas com umas rendas finíssimas; montados em selas encarnadas, e os arreios da mesma cor e tecidos de ouro. Seguia-se a liteira do Estado, também muito rica, e depois quatro coches conduzindo os seus familiares, puxados cada um deles por seis cavalos russos bem ajeazados, levados pela rédea por outros tantos criados. E num coche iam sempre nestas ocasiões quatro Desembargadores da Relação Patriarcal." (Ribeiro Guimarães, Summario)

"E para que não só as obras, mas as vozes chegassem ao céu com pura e suave harmonia, sem mistura de sinfonias profanas, mandou vir de várias províncias da Itália os melhores músicos com grosso estipêndios, de que formou um coro especial e grave dos mais selectos cantores. Fez também guarnecer a torre da igreja de muitos e harmoniosos sinos. Constava ela de dois andares de sineiras: o primeiro tinha duas em cada lado, em que havia 8 sinos; no segundo andar havia quatro sineiras; porém o sino grande tomava todo o vão do meio, de sorte que se via por todas as quatro partes, e se sustinha em madeiras, que não tocavam nas paredes da torre. O primeiro sino pesa 800 arrobas, e toca nas festas de I classe e nas exéquias das Pessoas Reais, Patriarcais, Cardeais e Principais: o segundo pesa 152 arrobas; toca nas de II classe e dobra aos Fidalgos titulares, Monsenhores e Cónegos; o terceiro tem 110 arrobas, e toca nas exéquias dos Beneficiados; o quarto, 87 arrobas e toca pelos Capelães; o quinto 77 arrobas e toca pelos Sacristas; o sexto, 35 arrobas; o sétimo, 29 arrobas; o oitavo, 25 arrobas; o nono, 22 arrobas; a garrida, 2 arrobas. Havia outra torre chamada do Relógio, separada da Igreja Patriarcal, cujos sinos tocavam nos seguintes dias: Dia de Reis, S. Vicente [padroeiro de Lisboa], Sábado e Domingo do Espírito Santo, Corpo de Deus, (só à procissão), Conceição e Natal. Era ténue para este monarca toda a profusão que se empregava no culto da Igreja, para cujo ornato mandou também fazer e conduzir de todas as partes do mundo os adornos, adereços e alfaias mais preciosas. Entre elas são dignos de especial memória os nove riquíssimos castiçais, e maravilhosa cruz de exequista e nova invenção, que mandou fabricar a Roma e a Florença, no ano de 1732, pelo desenho e artifício do famoso António Arrighi Romano, cuja primorosa e incomparável arquitetura excedeu a importância de 300 mil cruzados. Toda a máquina de prata excelentemente dourada, que formava a grande cruz se levantava na altura de 17 palmos desde a planta do pé, de figura quadrangular, que tinha três palmos e meios de diâmetro. Viam-se distribuídos com admirável simetria pelas bases e balaústres, assim da cruz como dos castiçais, muitos símbolos, hieroglíficos e génios, querubins e estátuas, umas de vulto, outras de meio relevo, com diferentes acções, que aludiam com propriedade aos mistérios de Cristo e de Maria SS., outros caracterizavam a magnificência da Santa Igreja Patriarcal, outros o Império da Majestade Portuguesa no Reino e suas conquistas; porém tudo guarnecido com muitos e polidos festões da mesma prata dourada, com muitas tarjas e quartelas de perfeitíssimo laizs lazuli, com muitos engraçados esmaltes e embutidos de epigrafes e diamantes preciosíssimos. (Pe. João Baptista de Castro em Mapa de Portugal)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES