(continuação da parte c)
A Senhora D. Maria da Glória não pode ser Rainha de Portugal. Esta proposição é fácil de despender, tendo-se demonstrado que seu pai, herdeiro da Coroa portuguesa, perdeu todo o direito, que o seu nascimento, e primogenitura lhe dera a ser Rei de Portugal, por ter sucedido em Coroa estrangeira, e a ter preferido à Coroa portuguesa, sendo ainda vivo seu pai, o Rei de Portugal. Porém eis que, ao tempo de traçar estas linhas em demonstração, de que a Senhora D. Maria da Glória não pode ser Rainha de Portugal, ainda mesmo que seu pai tivesse alguns direitos à Coroa portuguesa, entra um almocreve pelas portas da casa, na qual habito, e me diz:
- "Fuja, homem de Deus, porque o regimento IV de infantaria levantou o grito em Lisboa, e aclamou D. Pedro".
- "Oh! homem dos diabos, ou almocreve das petas", lhe disse eu, "não tem outra coisa em que negociar senão em estas notícias, que trazem este Povo inquieto e alvoroçado?".
- "Assim o acabo de ouvir numa estalagem no Porto".
- "Fuja, homem de Deus, porque o regimento IV de infantaria levantou o grito em Lisboa, e aclamou D. Pedro".
- "Oh! homem dos diabos, ou almocreve das petas", lhe disse eu, "não tem outra coisa em que negociar senão em estas notícias, que trazem este Povo inquieto e alvoroçado?".
- "Assim o acabo de ouvir numa estalagem no Porto".
- "Pois as notícias do Senhor D. Pedro são notícias de estalagem?"
- "Os soldados, sargentos, e vários oficiais da infantaria IV, quando estiveram no Porto, entravam frequentemente nestas casas, comiam, e bebiam até se embriagarem, e tinham sempre dinheiro para isso, e para outras coisas mais, que bem se entendem."
- "O regimento IV aclamou, jurou, e reconheceu livre, e espontaneamente o nosso adoradíssimo Rei, o Senhor D. Miguel I."
- "Havia nas suas fileiras oficiais malhados [maçons], e malhadíssimos."
- "O regimento IV aclamou, jurou, e reconheceu livre, e espontaneamente o nosso adoradíssimo Rei, o Senhor D. Miguel I."
- "Havia nas suas fileiras oficiais malhados [maçons], e malhadíssimos."
- "Mas também havia muitos oficiais de carácter."
- "Descuidaram-se e o regimento fez o levante de noite: matou alguns desses oficiais honrados, e deu os vivas ao Senhor D. Pedro".
- "Foi obra do vinho! E o nosso Rei vive?"
- "O regimento foi esfrangalhado pelos outros regimentos, e dizem que temos muitas mortes, porque aos soldados mortos, feridos, e presos se lhes acharam várias moedas, e depois dizem que não há dinheiro."
- "Pois aí tem vossa mercê um vintém para um quartilho, pela esperança que me dá de que agora se hão de descobrir os que têm, e dão dinheiro para embebedar o soldado, e para o revoltar, e mais coisas se virão a saber, que são necessárias que cheguem ao conhecimento do nosso Rei, se o dinheiro, ou a maldade lhas não ocultar, porque é tempo de esperar dos seus cargos, e empregos a alguns, de quem não há muita confiança, porque nunca a mereceram: já há muito que se rosnava mal de alguns indivíduos do dito regimento, rosna-se ainda de alguns de outros regimentos, e também se rosna, e muito de muitos empregados civís de toda a classe".
- "Descuidaram-se e o regimento fez o levante de noite: matou alguns desses oficiais honrados, e deu os vivas ao Senhor D. Pedro".
- "Foi obra do vinho! E o nosso Rei vive?"
- "O regimento foi esfrangalhado pelos outros regimentos, e dizem que temos muitas mortes, porque aos soldados mortos, feridos, e presos se lhes acharam várias moedas, e depois dizem que não há dinheiro."
- "Pois aí tem vossa mercê um vintém para um quartilho, pela esperança que me dá de que agora se hão de descobrir os que têm, e dão dinheiro para embebedar o soldado, e para o revoltar, e mais coisas se virão a saber, que são necessárias que cheguem ao conhecimento do nosso Rei, se o dinheiro, ou a maldade lhas não ocultar, porque é tempo de esperar dos seus cargos, e empregos a alguns, de quem não há muita confiança, porque nunca a mereceram: já há muito que se rosnava mal de alguns indivíduos do dito regimento, rosna-se ainda de alguns de outros regimentos, e também se rosna, e muito de muitos empregados civís de toda a classe".
Com efeito, eu não sei que tem o muito vinho, que logo dá para cantar o hino costitucional, e para berrar, ou pelo Senhor D. Pedro, ou pela Senhora D. Maria da Glória; e tenho observado que só se canta de noite, e só se berra de noite. Eis para onde se encaminham as fúrias de Baco! Todo o português, ou soldado, ou paisano, ou secular, ou eclesiástico, ou nobre, ou plebeu, ou da classe maior, ou da menor, que tem uma vida sóbria, e bem morigerada, que evita os excessos em tudo, que foge da devassidão, e do crime, que ama a paz, e a honra, não se lembra uma só vez do Senhor D. Pedro e da Senhora D. Maria da Glória, senão como de uns Príncipes por quem a razão de serem parentes dos nosso Reis faz derramar lágrimas sobre as desgraças a que os reduziram os pedreiros, e ove os desejos de os ver muito felizes lá nessa Coroa, e Império, que o pai adoptou para si, para seus filhos, e para os filhos de seus filhos. Mas lembrar-se um só instante de que esses mesmos Príncipes venham a reinar num país, que rejeitaram, que desmembraram, e que separaram de si para nunca poder ser acumulado um com outro, esta lembrança não entra jamais na cabeça de um português, que preza o nome de português, e de Portugal sério, sóbrio, sensato, honrado, constante, comedido, e bem educado.
Imagem de S. Miguel Arcanjo, como Custódio de Portugal (aparições de Fátima) |
O Terço ("Rezai o terço todos os dias" pede Nossa Senhora em Fátima) |
Tenho observado que aos soldados depois de terem rezado o Terço, presididos pelos oficiais inferiores, e algumas vezes pelos superiores, naturalmente se lhes move a língua para se encomendarem ao Anjo da sua Guarda, e ao gloriosíssimo Arcanjo S. Miguel, Chefe dos Exércitos de Deus, defensor da Santa igreja, amparo, e protector de Portugal: assim ele no fim da sua reza, feita com pausa, e com devoção, dizem com uma voz firme, e forte, que nasce do coração, e de um coração cristão, e português "viva o nosso Rei o Senhor D. Miguel I". Depois desta voz, como se fosse a voz do descanso, da paz, e da alegria, se recolhem mui contentes, satisfeitos, e alegres como umas Páscoa. Por outra parte tenho observado que aos outros soldados, maus cristãos, relaxados, e de uma vida perdida, e estragada, de quem seus oficiais fazem alcoviteiros da suas mancebas, ou moços de recado para lhes trazerem o vinho, ou o licor, embriagados uma, e mais vezes à custa do que furiam, ou do que se lhes dá, se lhes move a língua balbuciante, e tumulenta para cantarem o hino constitucional, e para dizerem em arrotos furiosos, nojentos, e provocativos "viva o Senhor D. Pedro, ou a Senhora D. Maria". Vejam os meus leitores para onde dá a devassidão, a embriaguês, e a maldade, para berrarem pela constituição e pelo Senhor D. Pedro, de maneira que a embriaguês, e a constituição estão identificadas, ou amassadas, e acumulada uma com outra. Não haja no Exército um soldado bêbado por ofício, nem um oficial debochado por sistema, e não haverá mais no Exército um, que alevante as cristas pela constituição, ou pelo Senhor D. Pedro. Cristianizar as tropas, e o Povo, eis um ponto forte da Defeza de Portugal. Bela ocasião era esta para descobrir, o que os pedreiros pretendem fazer de Portugal com o pretexto da chegada do Senhor D. Pedro à Europa: não pense alguém que eles o queriam fazer Rei de Portugal; não: eles, um ano passado, o poriam fora da última linha do actual território português, assim como o arrojaram os de lá da última linha do território brasileiro. mas eu, e o tempo descobriremos esta nova pretensão pedreiral. Maldito almocreve que com a sua notícia da rebelião, ou da embriaguês dos soldados do regimento IV me obrigou a largar da mão o fio da Senhora D. Maria da Glória: mas eu o tomo no imediato número, e vou apertar pouco, porque é muito pobre o fio dos seus direitos, depois que lhos torceu seu pai lá no Brasil.
Rebordosa 1º de Setembro de 1831
Rebordosa 1º de Setembro de 1831
Alvito Buela Pereira de Miranda
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