10/12/13

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - Que Queriam com a Entrada da Esquadra Francesa (V parte c)

(continuação da parte b)

D. Maria da Glória
Argumento pois a todos os liberais do mundo, e os desafio a que respondam a estas perguntas: Quem é o herdeiro da Coroa portuguesa? Respondem eles "é o Senhor D. Pedro". Conceda-se-lhes, para assentar em princípios. Qual é a Coroa portuguesa? "É o Reino de Portugal, e Algarve", dizem todos os gabinetes. Bem: e o Brasil é Coroa portuguesa? "Não, é Cora brasileira, e uma não é a outra", dizem a maior parte dos gabinetes. Seja assim, já que assim se reconheceu este princípio destrutor de Portugal, e do Brasil. E o herdeiro da Coroa portuguesa é herdeiro da Coroa brasileira? "Não", respondem todos. Como pois o Senhor D. Pedro chegou a suceder na Coroa brasileira? "Por adopção, que dele fez a nação brasileira", confessam os gabinetes, e diz o mesmo Senhor D. Pedro. Eu não expondo agora factos particulares, nem quero retorquir argumentos, razões, motivos, e princípios: desenvolvo somente princípios diplomáticos do séc. XIX: bons ou maus eles assim passam nos gabinetes actuais. São compossiveis, ou podem acumular-se a Coroa brasileira com a Coroa portuguesa? "Não", respondem também a maior parte dos gabinetes. Enquanto o herdeiro de uma Coroa sucede em outra, não por herança, mas por adopção, em que ele consente, preferindo a Coroa adoptada à herdada, por não poder acumular-se uma com outra, tem, ou conserva algum direito à Coroa, de que é herdeiro? Queiram, ou não queiram os liberais, hão de responder, mesmo emudecendo: "não, porque não pode acumular uma com outra, porque preferiu qual quis, e porque "optando a estrangeira, diz o citado artigo 144, e estrangeira é a Coroa brasileira na diplomacia adoptada, se entenderá que renuncia à portuguesa."" Esta disposição fizeram os liberais visivelmente para excluir o Senhor D. Pedro da Coroa portuguesa; pois já a esse tempo, quando ela se decretou, que foi em Setembro de 1822, estalara a independência brasileira: eles acrescentaram o artigo com estas palavras "Esta disposição se entende também com o Rei, que suceder em Coroa estrangeira" para excluírem o Senhor D. João VI do Trono de Portugal,se o Brasil o adoptasse, e ele o preferisse a viver neste reino coroado de insultos, de aflições, e de impropérios. Mas eu volto ao argumento, e note-se que falo do Senhor D. Pedro não como Rei de Portugal, que não era quando sucedeu na Coroa brasileira, mas como herdeiro, que era da Coroa portuguesa quando sucedeu no Brasil por adopção, em que ele consentiu, preferindo qual quis, com a obrigação de não acumular uma a com outra. Logo por todos os princípios liberais, e pelos princípios diplomáticos, o Senhor D. Pedro renunciou à Coroa portuguesa no momento, em que sucedeu na Coroa Brasileira, e desde esse momento perdeu todo o direito, que havia como herdeiro da Coroa Poretuguesa: digo que perdeu todo o direito à Coroa de Portugal, porque não pode uma Coroa acumular-se com outra, e porque preferiu por sua livre vontade o Brasil a Portugal. Estes princípios são comuns, são recebidos por todos, são finalmente diplomáticos, porque as nações reconheceram o Senhor D. Pedro Imperador do Brasil, e não o reconheceram por herança, senão por adopção; foi pois reconhecido sucessor na Coroa brasileira; foi reconhecida a preferência, que ele lhe deu; foi conseguintemente reconhecido que o Senhor D. Pedro renunciou a Coroa portuguesa no acto de suceder na Coroa brasileira. Estes não são princípios do direito público de Prtugal: são princípios do direito público europeu, estabelecidos, adoptados, e sancionados pela diplomacia do século: a mesma diplomacia pois deve reconhecer, estando pelos seus princípios, que o Senhor D. Pedro não pode ser Rei de Portugal, porque quando era herdeiro da Coroa Portuguesa sucedeu em outra Coroa estrangeira, que aceitou porque quis, preferindo esta à herdada, e não podendo acumular-se uma com outra. É pois português o Senhor D. Pedro, porque nasceu em Portugal: foi herdeiro presumptivo da Coroa portuguesa, porque ficou sendo o primogénito de Reis portugueses por morte doutro irmão mais velho; não seja pois estrangeiro, como querem os liberais; seja primogénito, porque é o varão mais velho que sobreviveu a seu pai: mas não pode ser Rei de Portugal, porque ao tempo, em que faleceu seu pai, já sucedera em Coroa estrangeira, que nunca pode acumular-se com a Coroa de Portugal; e escolhendo, e optando aquela por sua livre vontade, a preferiu a reinar em Portugal, e fazendo esta preferência renunciou a Coroa Portuguesa, ou em termos mais claros perdeu todo o direito, que tinha como herdeiro da Coroa de Portugal, é a dizer, como português, e como primogénito de reis portugueses. Eu creio que os pedreiros nada tenham a replicar a esta consequência clara, e imediatamente deduzida dos princípios por eles mesmos estabelecidos, e adoptados na diplomacia: assim o quiseram, assim o tenham. Mas eu lhes ouço ainda dizer que o Senhor D. Pedro não acumulou uma monarquia com outra, porque ele abdicou a Coroa portuguesa em sua filha a Senhora D. Maria da Glória, e por isso a Senhora D. Maria da Glória há-de ser: "O que?", perguntava-lhes eu. Futura Rainha de Portugal, ou Rainha Reinante. Ora não pode haver expressão mais grosseira que a de Rainha Reinante, nem ela se pode entender, sem que os pedreiros a expliquem nos dois encontrados "vivas", um ao Senhor D. Pedro IV, Reis não reinante, outro à Senhora D. Maria, Rainha Reinante. Por isso em Portugal esta canalha de estúpidos, e malvados formaram batalhões de voluntários d'ElRei D. Pedro, e voluntários da Rainha D. Maria, porque ainda não sabiam os pedreiros se seria rei D. Pedro, se rainha D. Maria, enquanto as leis, alvarás, provisões, cartas, moedas, títulos, embaixadores, conselheiros, empregados, tudo, tudo se despachava em nome d'ElRei D. Pedro, e nada, nada era feito em nome da Rainha D. Maria, e Rainha Reinante, até que o Senhor D. Pedro pôs a menina nas mãos destes abjectos homens, por que desde então principiaram eles a despachar, ou a exterminar tudo em nome da Rainha Reinante, fazendo a sua Côrte, e a Metrópole de Portugal na cidade de Angra, estando a menina em terras não portuguesas. Advirto de passagem que, quando falo de batalhões de voluntários de D. Pedro, e de D. Maria, não se persuadam os estrangeiros que estes batalhões tinham a força de 100, ou de 200 soldados: dez oficiais, cinco sargentos, e não tinham emprego algum; um era tanoeiro, e não podia viver da tanoagem; outro era estalajadeiro, e não tinha que, nem a quem dar de comer; outro era caieiro, e não havia que vender na loja; outro era alfaiate, outro sapateiro, outro era ensamblador, e já haviam vendido as tesouras, as agulhas, as sovelas, as ferramentas, e todos os mais aproches da sua alta dignidade: lá havia entre eles algum boticário mais esfomeado que todos eles, porque não pagava ao droguista as muitas arrobas de açougue que vendera fiado a essa cohorte de lazarentos. Pois todos esses numerosíssimos batalhões devoravam mais pão, e carne que Heliogabalo; arrombavam as igrejas, e roubavam as casas; uns em nome do Rei não reinante, outros em nome da Rainha reinante. Esta é uma verdade, mas não há tempo que chegue para dizer todas as verdades: bom será que o haja para descobrir as mais principais, e fazer ver ao Povo português que os constitucionais são o símbolo da maldade, da ignorância, e da estupidez. Vou pois a examinar os direitos da Rainha Reinante pelos mesmos princípios constitucionais, que são os únicos admitidos por esses fabricantes de Reis pequeninos, pois Grande, ou Reinante não querem eles algum.

(a continuar)

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