Nos fuimus fortes; et modo; et nos aliquando erimus.
Mal podia eu pensar, que depois de me haverem fiado a minha residência numa pobre aldeia cercada de bravos pinheiros, de rudes carvalhos, e de amargosas giestas pudesse haver alguma notícia do que passa no malfadado mundo, não tendo eu a penosa curiosidade de ler esses papeis, que chamam Gazetas, Correios, e outras nomeadas semelhantes, com que seus autores os baptizam, contentando-me somente com saber, duas vezes na semana, que o meu Rei, e Senhor D. Miguel vive, que é todo o alívio da minha saudade, e toda a consolação dos meus cuidados pela Pátria, que me sustenta, pois que Mão de Deus está com Ele para o salvar, e salvar a Portugal; senão quando um dos muitos almocrecves, que há por estas aldeias, almocreves da sardinha salgada, e também das petas malhadas, que um, e outra coisa trazem eles do Porto, cidade clássica pelas baixezas, e pelas mentiras da ralé do seu povo, me diz "que Portugal estava atacado pelos franceses! Não pode ser, ó tolo! lhe repliquei eu: Portugal traja à francesa, come, e bebe à francesa, lê, e escreve à francesa, fala, e pratica à francesa, e já hoje todos parecemos franceses, ou ao menos queremos parecer-nos com eles; eles pois não podem deixar de ser nossos amigos, porque até as feras amam os seus semelhantes. Muitas mais causas lhe disse, para o despersuadir daquela notícia, ou ao menos para que a não divulgasse; porém o que o almocreve ouve na estalagem, entre copos de vinho aguado, ou na Loja de um bacalhoeiro, e de um caixeiro de fazendas chamadas do norte, é para ele uma Evangelho; assim viverão uns, e outros almocreves, feitos contínuos desta notícias, como vinham as suas jumentas continuadas pela conjunção corda, que era a que devia prender os pescoços de tantos, que inventam semelhantes notícias, e dos muitos mais, que folgam com elas. Eu não pude resolver-me a acreditar estas novelas; porque depois que conheci a ralé do Porto, tive por princípio certo, que a voz dos almocreves do Porto era a voz do mesmo Diabo, tão mentirosa como quando eles diziam que vendem vinho maduro, e ele é um mão vinagre; ou sardinha fresca, e ela é podre de três ou quatro anos. Porém eis que esta notícia se fez a voz do povo; e como esta costuma ser a voz da verdade, quando ele não fala pela boca do Diabo, digo, dos Pedreiros Livres, tratarei de saber a certeza por Lisboa, povo na sua totalidade fiel, leal, nobre, e virtuoso, e soube então que umas embarcações francesas efectivamente infestaram aquele porto. Dormi, e durmo, todavia tranquilo, porque entendo que isto não é guerra, é um estratagema pedreiral, ou diabólico, para o fim que direi, e o tempo dirá comigo. Guerra! E os ingleses consentirão que os nossos portos, as nossas cidades, e o seu comércio, sejam infestados, nem mesmo constitucionalmente pelos franceses? Nesse caso, digo eu, ou os ingleses deram o último adeus à sua existência comercial, e política, ou eles já são impotentes contra França: nenhuma das duas coisas é aceitável; logo nem a guerra temível. Porém suponho o pior; que a Inglaterra não pode, ou que ela muito voluntariamente consente na sua ruína: ainda assim mesmo não temo a guerra, porque soa aos meus ouvidos aquela música, que antigamente cantavam os espartanos nas sua públicas solenidades: de três coros era ela composta, e no primeiro cantavam os anciãos "Nos fuimus fortes" (nós fomos valorosos), no segundo cantavam os moços "Et nos modo sumus" (e nós o somos agora), no terceiro catavam os meninos "Et nos erimus aliquando" (e nós o seremos no nosso tempo). Assim ouço cantar a estes aldeões, que tendo quando lhes é bastante para a sua frugal suspeitação, tem seus braços tão prontos para dirigir o arado, como para manejar a espingarda: pão, calçado, e armas querem tão somente os Portugueses para defenderem seu Rei, e pai; e do dinheiro não fazem outra estima, que para comprarem as pólvora, que lhes for necessária.
Ei-lo em que consiste a defesa de Portugal, digo, do Portugal velho, daqueles portugueses, que partem para o campo depois de terem invocado o auxílio de Deus de seus pais, e avós, e que apelidando a voz d'ElRei põe de parte as suas discórdias, fraternizam-se, e marcham em massa cerrada a prostrar por terra os inimigos do seu soberano, e da sua pátria. Porém como não posso acabar de resolver-me a acreditar que tenhamos inimigos, que nos acometerão; pois que a nenhum pais temos provocado a guerra; e por outra parte estou certo que as aparatosas exterioridades, que nos ameaçam, são meros ardis, e estratagemas do Maçonismo, com que pretende dividir-nos,enfraquecer-nos, e revoltar-nos entre nós mesmos, tenho decidido, ao menos em quanto o governo de Sua Majestade se não explicar sobre este enigma francês, a desenganar os meus patrícios, de que não podemos jamais ser vencidos, nem pelo ferro, nem por outra alguma força,"....... non viribus ullis, vincere, nec duro poteris convellere ferro." (Virgil. Aeneid. L. 6 .... 147 148) em quanto formos portugueses. Vou portanto mostrar ao povo, e especialmente aos almocreves das petas, quero dizer, a esses, que inventam notícias aterradoras, ou que as pintam com agigantadas cores, ou que folgam com os males da pátria, que nós nada temos a temer das agressões estrangeiras; Temos sim tudo a temer de nós mesmos, dos inimigos domésticos, dos pedreiros livres, das suas doutrinas, máximas, e ideias espalhadas entre nós, e por muitos de nós adoptadas; mostrarei que estes princípios falsos, funestos, e erróneos são seguidos por muitos dos que se chamam portugueses, e que de portugueses nada têm senão o local, em que nasceram, ou o sangue, que herdaram, mas não as virtudes paternas, às quais renunciaram. Assim, defendendo a Portugal, combaterei os princípios da revolução, mostrarei os meios de se livrar deste pernicioso flagelo, e ensinarei os caminhos da paz, da união, da virtude, e da força, para por nós mesmos nos sacudirmos dos inimigos internos, e externos. Tarde parece, que levanto a minha débil voz; mas vivo em uma aldeia, onde tarde chegam as notícias dos nossos males políticos; assim, não falo aos cidadãos mais adiantados em conhecimentos, e em malícia; falo somente aos aldeões que abundam em ignorância, mas também em simplicidade; a massa rude do povo carece de outras lições, de outro método, e de outros mestres; tem-se-lhes falado agora em franceses, em brasís, em guerra, e em outras coisas desta natureza, que principiam a inquietá-los; eles não conhecem outra linguagem que a de pão, e pau: pão deu-lho Deus, e pau o manejam eles habilmente: resta somente que ElRei mande, e veremos estes povos levar a pau os seus inimigos, ou sejam franceses, ou cavouqueiros, ou diabos, ou pedreiros. Deus, e Miguel, dizem eles; e com eles digo eu que os revolucionários não querem Deus, nem Miguel; não querem Deus, porque está com Miguel; não querem Miguel, porque está por Deus. Os Portugueses são grandes em tudo, o que é bom, e só os tem feito pequenos o maçonismo: cortemos a cabeça a este gigante, que tão profundas raízes tem lançado em toda a terra, e nós veremos que os portugueses voltam a ser a admiração do mundo em todas as suas quatro partes. Este é o único fim deste semanário político na defesa de Portugal. - Portugal defendido por Deus, e por ElRei. Quanto ele seja necessário aos povos, os povos mesmos o dirão com o fruto, que tirarem da sua lição. Não vou pois aumentar o número dos escritores, nem este lugar me pertence entre os sábios; vou sim reunir-me à força moral, que combate em defesa do seu Deus, e do seu Rei: este lugar alguém não pode disputar-mo; porque jamais de uma vez o ocupei entre os bons portugueses, é a dizer, entre os que amam a Deus, e ao Rei.
(continuação, parte b)
Arcanjo S. Miguel, Custódio de Portugal |
(continuação, parte b)
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