19/11/13

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - Que Queriam com a Entrada da Esquadra Francesa (IV c)

(continuação da parte b)

Eu fiz esta digressão, para a qual apenas chega o papel, e menos chegará a paciência dos meus leitores, e ainda a não concluí. Há pouco mais de um ano, que moro neste conselho, e daí a poucos rezes concebi os desejos, de que ele se unisse ao Julgado, e Comarca de Penafiel, não só porque esta cidade inspira aos seus rústicos os mais sólidos sentimentos de realeza, senão porque o concelho lhe está mais próximo, do que para ele está a cidade do Porto na distância de quatro lagoas, evitando-se assim o frequente trato destes povos com a ralé daquela cidade, para onde tem de caminhar diariamente em razão das suas pendências, e acções judiciárias, e por isso mesmo fazerem ali o seu comércio, que com mais vantagem civil, e moral poderiam fazer em Penafiel. Se este pensamento fosse levado à presença do augusto Rei, que nos rege, Ele o aprovaria, em conhecendo a sua utilidade, porque este bom rei nenhuma coisa deseja tanto como a felicidade dos seus vassalos. Pensar-se-há que a canalha, de que acabo de falar, não merecia tão longa digressão; mas eu pelo contrário entendo que a Polícia não devia perder de vista estes desprezíveis instrumentos do maçonismo, porque por eles se colhe o que ele premedita, e forja; pois que estes rústicos não sabem levantar de sua cabeça estas notícias, e elas têm algum fim. Dir-se-me-há que em Lisboa se sabe tudo; mas eu digo que nem tudo a tempo: a ralé mais infame da Côrte sabe as notícias malhadas, antes que a polícia, que as poderia saber ao mesmo tempo, se lançasse mão dos meios, que despreza, e são de desprezar menos nesta parte. Lá há um bom número de casas da prostituição, onde entram pela meia-noite, pouco mais, ou menos os prosélitos do maçonismo, que andam à caça de novidades; aí as publicações, aí as festejam, e daí as espalham: lá se leem as folhas inglesas, francesas, lá se vêm, e cantam os hinos constitucionais novamente compostos na Ilha Terceira, lá se traslade a correspondência, e mais papelada do ex-Conde de Vila Flor, lá se soube, antes que o Governo o soubesse, do infeliz sucesso das tropas reais no ano de 1829; lá finalmente entram pedreiros de alto lote, e de altos títulos. Já que essas casas se toleram para perdição da mocidade, e apodrecimento da senitude, saiba tirar-se delas ao menos o partido de saber, o que tramam os pedreiros; que a canalha rústica pode tornar-se útil, dando-lhe que fazer; aí estão essas estradas públicas, que é uma vergonha, e uma ruína; e como eles dizem que o senhor D. Pedro trouxe do Brasil milhões, e milhões, com que vem enriquecer os povos de Portugal, vão-lhe aplainando as estradas, por onde ele há-de fazer a sua entrada, e trabalhem até que ele venha, que assim trabalham toda a sua vida, não estarão ociosos, não falarão tanto, e não inquietarão os povos. eis como na mesma digressão, sem querer, formei um ponto de Defeza de Portugal: dar que fazer a esta cáfila de rotos constitucionais, salteadores de estrada, roubadores de igrejas, e amotinadores do povo, que são os principais instrumentos, de que nos povos tem lançado mão para desmoralizar tudo, e para arruinar tudo essa vil seita de Pedreiros Livres.

Rebordosa, de onde o autor escreveu estas linhas que lemos
Havia eu meditado, como disse, muitas vezes, com que enganos poderiam os portugueses ser novamente arrastados a uma revolução, e jamais podia atinar o como. Regresso d'ElRei? Nós temos Rei, não carecemos de outro, nem queremos outro. Cortes? As baixas, as comunas, as das Necessidades, as de 1820, essas deixaram-nos sem ter que comer, porque o pouco, que antes delas havia, foi pouco para eles. Câmaras? Como foram de alto, e baixo, à maneira de volvo, cheiram mal, enjoam, e até nos fazem secar a pele pelas peles, que umas trouxeram, e pelas que as outras esfolaram. Comércio? É coisa que não há em parte alguma, senão de petas, de traficâncias, de maldades, e de roubos. Liberdade? Nós vivemos como queremos, estamos contentes, e nunca fomos tão livres como agora, que temos um Rei à nossa vontade, que nos governa suavemente pelas Leis, com que viveram nossos pais e avós. Senhora Dona Maria da Glória? É muito menina; pode ser enganada, mas não enganar-nos: Nós nunca fomos governados por crianças, nem por mulheres quando temos varão: ela carece de tutor, e nós temos Rei de maior idade, Nosso Tutor, Pai, e Amigo. Regência? Quantas tivemos em nome de mulher, ainda que fosse de maior idade, sempre nos fizeram desejar Rei: por outra parte, regência de mariólas, quer dizer, desses brejeiros, que estão na Ilha Terceira, e doutros que tais que desejam lá estar, e sem os que podíamos bem passar, só serve para governar pretos forros; e nós nunca fomos escravos. Eu não podia pois, de qualquer lado que me virasse, saber a maneira, porque os portugueses podem ser novamente enganados; pois que isso de guerra da parte dos franceses, guerra da parte dos ingleses, ataque dos da Ilha Terceira, (que tudo isto, e mais dizem, e não cessam de dizer os tolos) pareceu-me sempre história da carochinha, porque os portugueses nunca foram conquistados à força, senão por traição. Digo que não podia saber a maneira, porque os portugueses podem ser novamente enganados, se o senhor D. Pedro não acabasse de chegar do Brasil, e os pedreiros se não aproveitassem deste sucesso e desta notícia para tentar outra revolução em Portugal. Direi pois o partido, que estes malvados pretendem tirar da chegada do senhor D. Pedro à Europa, porque a isso me abriu caminho a resposta do farrapão destas aldeias dizendo que os milicianos iam ao Porto para dar vivas ao senhor D. Pedro; mas não pense alguém que eu fale com menos delicadeza, e modéstia do augusto Imperador do Brasil: é um Soberano; ainda que não é português, é irmão do Nosso Rei, filho de um rei que teve as honras de Imperador do Brasil, e isto basta, e sobeja para que eu não deva, nem possa, nem queira faltar-lhe ao respeito: a causa dos Pedreiros Livres não é a do senhor D. Pedro, porque se o fosse não o arrojariam do Brasil: mas como os pedreiros se servem deste nome para revolucionar Portugal, o que não podem conseguir senão enganando os portugueses, eu vou no seguinte número desfazer-lhes esta moeda, pôr-lhe a calva ao sol, e deitar-lhes por terra esse edifício de embustes, e de trapaças, que andam fabricando, para acabar de perder a Portugal.

Rebordosa 21 de Agosto de 1831

Alvito Buela Pereira de Miranda

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