22/11/13

DA UNIDADE DA VERDADEIRA RELIGIÃO (IV)

(continuação da III parte)

22. O sétimo carácter da Divindade é a morte cruel com a qual os Apóstolos falaram a sua pregação. Que testemunhas, que homens se mandaram degolar por sustentarem seus testemunhos! Quantos são verdadeiros! Não morrem voluntariamente por imposturas, que eles mesmos fabricam. Sim se viram, é verdade, morrer alguns fanáticos por algumas opiniões, com que estavam loucamente entusiasmados. Mas os Apóstolos sustentavam factos, que diziam haverem visto: nenhum sustenta um facto por opinião, ou por imaginação; ninguém atesta com o perigo da sua vida, que o que não viu, sem que caia em  demência.
De mais é necessário distinguir o ambaidor da pessoa enganada. Um homem enganado por um erro acreditado, pode morrer na sua defesa. A consciência lhe serve de verdade, e de luz, ainda que seja errónea: o temor de Deus, que ordena que tudo se sacrifique à Religião; e se se renuncia, dá isto nova força. Mas a situação do enganador é bem diferente. Tudo o que pode assegurar uma pessoa seduzida, se torna contra ela; é necessário que resista à verdade conhecida, à sua consciência, e ao mesmo Deus, é necessário que combata tudo o que segura os outros. Tudo se opõe a uma morte voluntária.

23. O oitavo carácter da Divindade é o estado actual da Nação Judaica, deste povo milagroso. Todo o Oriente, e o Ocidente tem mudado de fase: todos os povos se confundiram: ele só veio a ser o objecto do desprezo de todas as nações, há mais de desastre séculos; sobreviveu a todos, e remonta a sua origem até ao tronco de Abraão. Vencido, e subjugado pelos Romanos, não segui as superstições; derramado por toda a parte, sempre se tem conservado com aferro às suas leis. Suas infidelidades nos mostram a verdade das profecias, pois elas haviam sido prognosticadas; sua conservação nos declara uma atenção particular da providência, para que a Religião Cristã tivesse um testemunho sempre vivo da sua verdade; porque as mesmas profecias, que declararam a reprovação dos judeus, prognosticaram a vocação dos gentios. Este povo se conservou até ao presente, para ser, como o diz Santo Agostinho, uma testemunha incontestável da verdade das Escrituras em todas as partes do mundo, donde Deus havia de recolher o que compõe a sua Igreja. Sim, esta nação espalhada, fala por toda a parte a favor da Religião Cristã: mostrando aos povos, que se Jesus Cristo é contemplado há tantos séculos como o fundamento das nossas esperanças para a vida eterna, não é a obra da autoridade, nem da impostura humana, mas como uma verdade fundada em profecias escritas, e há muito tempo publicadas antes do sucesso, e conservada tão religiosamente até ao nosso tempo pelos judeus. Quanto esta Religião é a respeitável, cujas provas estão tão cuidadosamente guardadas nos mesmos arquivos dos seus maiores inimigos! A porfiada resistência dos judeus, que dura ainda nos seus descendentes, e a sua conservação no meio das nações, formam uma das grandes provas da verdade da nossa Fé. Se eles todos tivessem sido convertidos, nós teríamos testemunhas suspeitosas; e se o Deus vingador os tivesse exterminado da terra, nada nos restaria; esta é a reflexão de M Pascal.

24. O nono carácter da Divindade, é o sangue dos Mártires de toda a idade, de todo o sexo, e de toda a condição, que melhor amaram morrer pela Religião Cristã, do que deixá-la depois de a haverem reconhecido. Finalmente a sua constância foi o efeito da persuasão produzida pela força das suas provas.
Debalde se contradiz, dizendo que esta persuasão era o efeito dos prejuízos da educação. Não são somente Cristãos de nascimento, mas ainda uma multidão de pessoas, que de pagãos se tornaram cristãos, tendo prejuízos todos contrários ao Cristianismo, que com efeito quiseram morrer por esta Religião depois de a haver conhecido.
Inutilmente ainda para enfraquecer esta prova, se responderia que os Mártires saíram do comum do povo, é desconhecer os costumes populares, que propor uma igual objecção. O povo pelo contrário costuma seguir a este respeito a prosperidade, a pompa, a autoridade, e aborrecer a verdade despida de todos os socorros. De mais não somente homens tirados da escória do povo, que se deixam de golas; mas ainda doutos, e sábios, como os Inácios, os Policarpos, os Clementes, os Justinos, os Ireneos, os Ciprianos.... Homens superiores a prejuízos. Era preciso que estivessem bem persuadidos da verdade de Religião, para lhes sacrificarem a sua vida. Que crime haverá, disse Tertuliano, de que senão glorifique o culpado, e se deseje ser acusado; para achar a sua felicidade no mesmo suplício! Tal era aos olhos dos Santos Mártires a profissão do Cristianismo!


25. O décimo carácter da Divindade da Religião Cristã é a sua conexão com as necessidades do homem. Eu não encontro em mim mais do que contradições, eu respeito a virtude, e eu sigo o pior. É extrema a minha especialidade: o mesmo que se me proíbe, eu o amo; ao mesmo tempo que se me permite, eu logo me desgosto. Eu amo, e aborreço o mesmo objecto, no mesmo tempo: eu quero e não quero: muitas vezes aquele homem que era à noite, ou não sou de manhã; eu sou a mesma inconstância. Eu tenho aferrada nos meus membros uma lei contrária à do meu espírito; e eu na minha dor grito; quem me livra deste corpo de morte? Vãos esforços faz o meu espírito para se elevar à Divindade; um infeliz peso, infelix pondus, o proponde, para a terra. Nascido de uma mulher, vivo por pouco tempo; estou cheio de misérias; vim ao mundo como uma flor aberta, que se piza aos pés; eu como a sombra desapareço, e nunca estou no mesmo estado. Eu considero, por uma triste experiência, que um jugo prezado sujeita o homem desde o dia do seu nascimento, até à morte. Eu seria obrigado a dizer com um antigo, que o primeiro bem para o homem era o não ter nascido, e o segundo morrer logo. Eu mesmo busco o remédio dos meus males, mas debalde. Abro os livros dos filósofos a que querem ser os Doutores do género humano; leio, torno a ler, e em lugar de achar as luzes que buscava, eu não encontro senão trevas. Volto-me para os cristãos; eles me mostram livros, a que chamam Sagrados, e que estão assinalados com os caracteres da Divindade. Abro-os,corro-os, e logo descubro no pecado do meu primeiro pai, a história, e a origem das minhas misérias: observo depois em um Soberano Médico, anunciado pouco depois que o universo saiu do nada; declarado em diferentes idades por homens inspirados, que apareceram, e que na sua Religião dão luzes às minhas trevas, socorros à minha fraqueza, remédios aos meus males. Poderei eu com tantas ideias duvidar por um pouco que esta Religião, que satisfaz as minhas precisões, seja verdadeira?

26. O undécimo carácter da Divindade, é a proporção da Religião Cristã com todos os espíritos. O paganismo agrada ao povo, que só se governa pelos sentidos; os sábios se em público se conformam em particular; estes não podem fazer com que o vulgo apeteça as suas especulações; porque delas não se tiram senão aparências da verdade, que deve ser clara para todos. O Maometismo pode ser igualmente do gosto do povo grosseiro, e carnal; mas ele desinquieta o povo, que pensa, e discorre. O silêncio político ordenado pelo seu legislador, era necessário para a conservação de uma Religião abusada, e que temeria a sua ruína de qualquer disputa séria. O Cristianismo só tem a gloriosa vantagem de unir os sábios, e os ignorantes. Mais sublime que a filosofia dos sábios; ela é capaz da compreensão dos mais grosseiros: sublime sem especulação, e simples sem baixeza, faz com que os espíritos apoucados creiam as coisas grandes, e os espíritos atilados pratiquem as pequenas. Donde pode proceder esta vantagem da Religião Cristã sobre as outras, que não devendo a sua existência nem às luzes dos Sábios, nem à ignorância dos povos, mas só à vontade de Deus, senão que ela tem analogia divina com o coração do homem?

(continuação, V parte)

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