10/08/13

S. PEDRO DE RATES E A VILA DE RATES

S. Pedro de Rates
"A uma légua de Barcelos para o Sul, e sete de Ponte de Lima, tem seu assento a Vila de Rates, povoação antiga mui principal, ainda que agora pequena. Foi destruída várias vezes pelos galegos em guerras connosco. Afirmam alguns que ali chegassem do mar, naqueles tempos, as embarcações das frotas Offirinas, ao menos as pequenas, que navegavam por um esteiro, de que se vêm vestígios vindo da Pulha, e que este nome tomou dois navios, que isso quer dizer em latim Rates. O que a fez nomeada [afamada] no mundo, foi o martírio de S. Pedro de Rates, primeiro Arcebispo de Braga e o primeiro que tiveram as Espanhas, e por isso são os [Arcebispos] desta Sé Primazes de todas. É certo que aqui houve logo muitos cristãos com Templo na primitiva Igreja, e assim como nós chamamos aos hereges Albigenses do nome da terra em que seu erro teve princípio, chamaram os gentios Ratinhos aos católicos desta província pela morte que em Rates se deu a S. Pedro Patriarca, ou Apóstolo desta cristandade. Outros afirmam que se derivasse [este nome] dos segundos partos das mulheres desta província, de quem se tem em tão breves anos povoado aqui todas as mais províncias do Reino, e muitos lugares em África, Angola, Sofala, e ouros na Ásia, Índia, e América.

Governa-se por Juiz ordinário, que também o é dos órfãos, dos Vereadores e Procuradores do Concelho, feito por pelouro, eleição trienal do povo a que preside o Ouvidor de Barcelos, de quem está sujeita. Vem escrever-lhe um Escrivão de Barcelos por distribuição, serve em tudo como na Almotaçaria.

Não é terra rica, dá muito pão porque até os montes o dão bom, pouco vinho, muitos gados e bestas de criação, mel, caça miúda, veações de raposas e outros bichos pequenos.

Tem uma paróquia de invocação de S. Pedro que já era igreja paroquial quando este santo vivia, porque nela o mataram os tiranos e sobre ele a arrasaram. Tornaram logo a levantá-la os devotos, e depositando nela o sagrado corpo foi mui [ali] venerado dos católicos. Passou a Mosteiro de Monges bentos, crê-se ser o primeiro que em Espanha tiveram, e do qual era Abade Stº. Estêvão, que no ano de 590 reinando Requeredo, se achou no grande Concílio nacional (que dizem ser o terceiro), e no ano de 676 era Abade dele um Monge chamado Pedro. Devia [ter-se] arruinado com a invasão dos Mouros, pois o Conde D. Henrique e a Rainha D. Teresa levantaram-no dos fundamentos por estar destruído havia muitos tempos, e dele fizeram doação em Coimbra, no mês de Março do ano de 1100, ao Prior do mosteiro de Santa Maria de Caride de Monges Cluniacenses na Província de Aquitânia, não longe da Cidade de Altisiodoro, hoje Auxerre; outros afirmam [que] vieram de lá religiosos para ele. Mas a mim me parece que comeriam a renda, e lhe apresentavam Cura; porque no ano de 1113 Gonçalo Annes, que devia ser Visitador Geral pelo Metropolitano, deixou uma verba na visita, em que mandava a Jorge da Póvoa, Cura do Mosteiro, que enterrasse uma caixinha de relíquias, porque abrindo-a desconfiou de que o eram.


A Crónica dos Cónegos Regrantes conta que no ano de 1152 a Rainha D. Mafalda mandasse levantar da terra e meter em túmulo na parede o corpo de S. Pedro, e lhe pôs Cónegos Regrantes com Prior, que trouxe de Santa Cruz de Coimbra, e lhe fez aquele Couto. Tudo poderia ser, e com o tempo se extinguiria, se bem não querem [sustentam] muitos que tais Cónegos o ocupassem nunca. O que é certo, e consta do Arquivo da Sé de Braga, é que em 13 de Agosto de 1315 tinha religiosos com Prior, os quais negavam a obediência, e não queriam ser visitados pelo Primaz D. João Martins de Soalhens, fundados em alguns privilégios Apostólicos: mas fazendo o Arcebispo queixa a ElRey D. Diniz, e achando que os Arcebispos tinham esta posse, o mandou conservar nela, e que suas jutiças o favorecessem contra os frades. Num nicho ocultado está a Rainha D. Teresa com cetro na mão, e não a Rainha D. Mafalda como alguns cuidam. Depois se fez Priorado secular, entendemos do Padroado Real, que teve João de Sousa, filho de Pedro de Sousa de Ceabra, e de sua mulher Maria Linheiro, que de Clemência Rodrigues teve a Tomé de Sousa, primeiro Governador do Brasil, (que até ali se governava por Capitanias) e Veador DelRey D. Sebastião e primeiro Comendador desta igreja, que entrou a ser Comenda da Ordem de Cristo em tempo DelRey D. Manuel por Bula do Papa Leão X, solicitada pelo Cardeal D. Jorge da Costa. Foi mais filha deste prior D. Helena de Távora, mulher do licenciado Henrique Pereira, e ambos pais do Doutor Pedro de Sousa, Comendatário de Paderne, de que há nobre descendência na ribeira do Minho, e em outras parte. Conserva-se em Comenda com Reitor do Ordinário sem ordenado: leva por ele Sanjoaneira, ao todo render-lhe-há cento e quarenta mil reis e para o Comendador trezentos e cinquenta mil reis. Em memória do Priorado, que foi, conserva um benefício simples, que rende cinquenta mil reis, servindo-o, data do Arcebispo. Tem à roda do adro muitas sepulturas antigas, deviam ser de pessoas grandes, que nelas se sepultavam; porque não vinha de perto a pedra para elas. Na mesma igreja estão os santos ermitas Feliz e seu sobrinho, e esteve S. Pedro de Rates, até que o mudou para Braga o Arcebispo D. Fr. Baltasar Limpo; só ficaram relíquias suas, que são um dente, parte de ossos, e de um dedo em uma custódia de prata com vidraça, e outro relicário com mais: são procuradas pormuitos devotos, em que obram infinitos milagres quotidianamente em mulheres devotas de parto. Tem cento e cinquenta visinhos, que são os que há na vila."

(Cap. IV do Tomo I da Corografia Portugueza, e Descripçam Topografica do Famoso Reyno de Portugal - 1706

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