10/08/13

"MEMÓRIA DO CONVENTO DE N. SENHORA DO SEIXO, JUNTO AO FUNDÃO"

1. O primeiro convento que tivemos na Província da Beira é o de N. Senhora Do seixo, cuja antiga dedicação foi à sua Natividade, e depois se lhe mudou para a da Assumpção, que agora tem. Está situado entre o Lugar do Fundão e a Aldeia de Joane, termo da Vila de Covilhã, distante quase três leguas da Serra da Estrela no Bispado da Guarda. Fazia célebre a este Lugar uma Ermida pequena e antiquíssima chamada N. Senhora do Seixo, que foi ali fundada (diz a comum tradição) por aparecer naquelesítio entre uns seixos brancos uma imagem da Senhora, que por este respeito se chamava do Seixo, nome que ainda hoje conserva a dita imagem e o dá a todo o Convento. Por ser a imagem mui devotada e pelos muitos milagres que ali obrava, de diversas e remotas partes acudia em romagem tão grande concurso de gente que mui poucas vezes se achava sem ela a Ermida; Estiveram sempre ali ermitães providos naquele lugar (tão célebre era) por provisão dos Reis, como se colige de uma Carta de ElRei D. João III que logo referirei, até que nossos religiosos fundaram o Convento.




(imagens das ruínas do convento novo)
2. A ocasião que para isso houve foi que Diogo da Silva, Desembargador do Paço, e depois Fradeda nossa Província, donde o tirou para seu Confessor o sobredito Rei D. João III e pouco depois o promoveu ao Bispado de Ceuta, Inquisidor Geral, e ultimamente ao Arcebispado de Braga, como era natural dessa terra, desejando que uma ermida tão célebre fosse melhor assistida, e a devota imagem mais venerada, alcançou do mesmo Rei, sendo ainda seu Desembargador, uma provisão para que os nossos religiosos pudessem edificar ali convento. Desta sorte se há de entender o ilustríssimo Gonzaga com os nossos Memoriais, que lhe participarama notícia, isto é, que solicitasse Diogo da Silva a edificação do Convento do Seixo ainda quando Desembargador, e não já depois de religioso e Arcebispo de Braga, como eles dizem. Isto se vê claramente em que sendo Diogo da Silva Desembargador de ElRei D. João, como diz o mesmo Gonzaga, sendo o dito Rei jurado por tal a 19 de Dezembro de 1521 e passando a provisão (que logo porei) para podermos edificar o Convento a 23 de Outubro do seguinte ano, não podia haver em Diogo da Silva tanta mudança de estados, que em tão pouco tempo, como são dez meses, poucos dias mais, fosse Desembargador, religioso na Província, Confessor de ElRei, Bispo de Ceuta, e Arcebispo de Braga; podia, quanto muito, ser noviço. E querendo entender esta intervenção, e diligência de Diogo da Silva não dalicença para a fundação do Convento, senão das obras dele, que se começaram no ano de 1526, tem a mesma contradição, porque ainda neste ano não era Arcebispo de  Braga, o que já rastejou Wadingo, duvidando do que Gonzaga escreveu nesta matéria. A provisão do sobredito Rei para edificarmos era uma carta para o Juiz de Fóra da Covilhã do teor seguinte:

3. "Nós, ElRei, fazemos saber a vós Juiz de Fóra por Nós com a alçada na nossa Vila da Covilhã, que a Nós praz, pelo assim sentirmos por serviço de Deus, e nosso, que entregueis aos frades, que vos trouxerem certo recado do Ministro da Providência da Piedade, uma ermida, que se chama Santa Maria do Seixo, que está na Aldeia de Joane, termo dessa vila, com todas as coisas que ela pertencem e são da dita ermida, para a eles acudirem com tudo aquilo que a dita ermida tem para os ditos frades nela estarem. E se alguma pessoa por nossa provisão nela está, a despedireis, por quanto houvermos por mais serviço de Deus, e nosso estarem nela os ditos frades, e não leigos que queremos que dela saiam sem mais nela estarem. Mandamos-vos que assim o cumprais. Feita em Lisboa a 23 de Outubro , António Pais a fez. Ano 1522" REI

4. Suposto que esta licença foi passada no ano de 1522, não se deu princípio à obra do Convento senão no de 1526, sendo Ministro Providencial Fr. João de Albuquerque. A causa de tanta dilação depois da licença não consta de nossos Memoriais: o que eu nesta matéria presumo, é que como pouco antes de passada a licença ordenou o Padre Geral, Fr. Francisco dos Anjos, no Capítulo celebrado em Elvas no dia oitavo de S. Boaventura, como fica dito, que não aceitássemos Convento sem que para ele tivessemos ao menos oito frades, talvez por falta deste número se não desse princípio àquela casa. Confirma-nos neste parecer a dúvida, cuja decisão trouxe o nosso Provincial da Congregação Geral de Assis, a saber, se haviam de entrar no dito número os noviços: donde parece que para as casas que tinham recebido não eram muitos os professos. Nem ajuda pouco esta nossa conjectura dar Fr. João de Albuquerque princípio ao Convento no ano de1526 pouco depois que trouxe a declaração de que também os noviços se compreendiam debaixo do número que o Padre Geral tinha sinalado. Como quer que fosse, deo-se princípio à fundação deste convento do Seixo no mesmo lugar onde estava a ermida, quase no fim do sobredito ano.

5. Para as obras deu uma grande esmola o mesmo Rei, que passou a licença, e o Sereníssimo Principe D. Jaime fez outra não menor. Com estas, e com outras mais, que a gente daquelas aldeias fazia, se acabaram as obras do convento, que não deviam durar muito, por ser a cas muito pequena, toda de pedra e barro; e como as coisas que depressa sobem também depressa baixam, em pouco tempo se veio a danificar de maneira que foi necessário renová-la. Para isso servindo-se os frades dos mesmos materiais, ajuntando outros de novo, sendo Ministro Providencial Fr. Miguel de Estremoz no ano de 1577, mudaram a casa para outro assento ali perto mais acomodado, aproveitando-se da cerca antiga. Fez a capela Miguel Antunes da Costa, e sua mulher D. Maria, pessoas mui principais naquelas terras. Todas as mais obras se fizeram com esmolas, que a gente daquela Comarca oferecia.

6. Ficou o novo convento em um cabeço alto, que fica ao pé de uma serra: é sítio salubre e muito alegre pelos espaçosos campos que dali descobre, povoada muita parte deles de pomares e soutos de que aquela região é fértil e abundante, cuja fresquíssima verdura faz no Verão uma tão agradável vista que está representando outro Paraíso na terra. Muito de tudo isto há na nossa cerca; porque depois do campo, que fica descoberto para a horta, tudo o mais está povoado de diverso e frutífero arvoredo. Junto da ermida, onde está o seixo sobro o qual a Senhora pareceu, nasce uma fonte que por canos de pedra vem por dentro da cerca até à casa nova, onde antes de entrar se reparte para um formoso tanque de que se rega a horta. A outra parte da água vai fazendo seu curso até sair no claustro numa fonte de pedra que está no meio, que lhe não serve pouco de ornato. No lugar onde estava a antiga ermida deixam nossos frades outra novamente feita quando mudaram o convento, ficando ali por memória a mesma imagem da Senhora sobre a pedra; onde segundo tradição havia aparecido. Depois se ampliou mais esta ermida no ano de 1667, sendo Provincial o Irmão Fr. Alexandre de Portel, e Guardião da casa Fr. Bernardino da Pisqueira: a parede da cerca serve de uma parte de parede à ermida, onde tem duas grades por onde os passageiros e os mais que a isso vêm possam ver e fazer oração à Senhora." (cap. XXXVIII da "Chronica da Provincia da Piedade, primeira Capucha de toda a Ordem e Regular Observancia de nosso Serafico Padre S. Francisco" - 1751)

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