01/02/13

PEQUENO CONTRIBUTO EM DEFESA DO BARROCO I

Rapidamente, pretendo oferecer alguns pontos de reflexão sobre a arte em geral, e o barroco em particular. A finalidade desta abordagem é contribuir para a reflexão.

Na música costumamos dividir por etapas musicais coisas que, na verdade, são diferentes. O gregoriano é musical, contudo não é música. O gregoriano e canto.

Quando falamos emitimos sons articulados para a formação de palavras, e de forma idêntica (não igual) fazemos com as frases com as quais podemos construir discursos demorados. Mas, tomando um orador para o efeito, notaremos que o mesmo discurso pode ser proferido com diferente entoação por outros oradores. Podemos notar maior ou menor emotividade em quem discursa. A variação de velocidade, silêncios, timbre, intensidade, ritmos, altura, podem fazer perder ou ganhar ao discurso. Contudo, estas possibilidades são também as que encontramos na música.

Os textos sagrados, por tradição, quando são cantados, são sujeitos ao "reto tono" (tom uniforme) ao qual se acrescentam as variações mínimas necessárias para os sinais de pontuação.

Qual é o motivo desta tradição litúrgica? Respondo: a excelência divina e intemporal da verdade que Deus nestes textos revelou, e a impessoalidade que o humano leitor deve manter perante tão alta função. Há uma sujeição total da musicalidade (se assim podemos dizer) ao texto. Mas este texto é narrativo e é apresentado com essa função, já os textos rezados quando rezados pedem uma aplicação de musicalidade apropriada à sua natureza (o caso dos salmos). Eis então que surge o gregoriano como resposta a um pedido dessa mesma natureza.

Desculpem, mas tenho que atalhar muito. Antes da polifonia, no entanto, obrigo-me a explicar o que é o "modelo gregoriano": é a referência padrão pela qual tem que se medir toda a música sacra. Eis as principais características: ritmo assimétrico, latim, vocal e não instrumental, ... (agora não me lembro de mais algum...).

Na "polifonia sacra" pretende-se adicionar ao gregoriano outra linha sonora paralela. Ou seja, canta-se normalmente acrescentando uma nota bordão ou se dobra em simultâneo a mesma melodia mas numa 5ª superior etc... Estas são as possibilidades mais básicas sobre as quais vai havendo um desenvolvimento. Mas convêm que em tudo isto se mantenha sempre a mesma regra de ouro: o que se acrescenta serve apenas para precisar e não para distrair ou desvirtuar. Na prática o bordão acrescentado ao canto serve como um "ponto fixo" que, espiritualmente talvez, poderíamos considerar o "eterno" em volta do qual gravita o canto. Já a dobragem do canto à sua 5ª, por exemplo, não é mais que o mesmo como se estivessem em dois planos. Este último caso aparentemente choca com o motivo pelo qual não se misturaram as vozes femininas com as masculinas: quebra a unidade tímbrica, além ir contra todo o sentido da tradição que já vinha dos tempos de Nosso Senhor (os cantores sagrados eram homens e formavam coro). O coro hoje está conotado com a polifonia, contudo isso é apenas uma associação que hoje fazemos erradamente.

Atalhando...

Mosteiro de Sta. Maria da Victoria da Batalha (Portugal)
Na música sacra, os problemas mais graves surgiram no séc. XIX. Ao longo dos séculos a música profana, sempre deixada para segundo lugar, nada tinha que ver com o modelo gregoriano. Os músicos cultos, com a decadência do catolicismo, começaram a ter que se governar servindo a burguesia ascendente que mais se interessava pelo profano, etc... A música profana da moda começou a entrar nas igrejas, e isto é MUITO importante entender porque aconteceu tão facilmente:

1 - O aparato sonoro da música profana era agora bom, e o da Igreja apenas começava a ficar-se pela manutenção, parecendo que a qualidade não estava mais dentro da igreja;
2 - Até então a música culta era aquela que tinha durante séculos emanado do modelo gregoriano, parecendo que tudo o que soava excelentemente era coisa sacra. Logo que a excelência técnica passou para o lado profano gradualmente foi-se confundindo o que serve e não serve para o Culto.
3 - Antes não havia "estilos" como hoje os entendemos. No "barroco" toda a música era barroca, e toda a música sacra era culta (tal como o gregoriano o é). Bach saberia distinguir o que musicalmente é próprio para o culto, sendo ele protestante: o modelo gregoriano nesse tempo era civilizacionalmente preservado e seria repugnante entrar com composições contrárias nos templos.

(Continuarei, s.D.q)

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