02/02/13

CAPELA DO ES. SANTO E S. JOÃO BATISTA - MUITO MAIS DO QUE OS OLHOS PODEM VER (I)

D. João V
D. João V escolheu os melhores dos melhores para a construção da capela do Espírito Santo e S. João Baptista, da igreja de S. Roque (Lisboa). Sendo a mais cara capela de que há conhecimento, preconceituosamente atrai hoje sobre si criticas superficiais - fenómeno que só podemos entender no contexto ideológico do séc. XX e seguintes. Pecam uns por acharem que o melhor não deve ser dado a Deus, ou só o que não é material lhe deveríamos dar, e outros há, materialistas, que julgam tudo uma questão de dinheiro e, por fim, há aqueles que, por não entenderem as grandezas sobrenaturais, apenas acham que elas não são mais que um pretextos para as vicissitudes humanas. Esta capela, é talvez o maior testemunho do seu género que nos restou, e encerra uma realidade muito mas rica, para lá da matéria.

Quando foi encomendado a Luigi Vanvitelli um primeiro esboço da capela segundo alguns requisitos régios, o ilustríssimo arquitecto estava longe de conceber que projectar uma capela real, portuguesa, estaria para lá das suas alta e reconhecida experiência e conhecimentos.

Quando os primeiros desenhos de Vanvitelli chegaram à Corte de D. João V a reprovação não tardou. O Arquitecto Real, J.F. Ludovice, escreveu a Vanvitelli fazendo várias correcções ao projecto, tanto a nível arquitectónico como, sobretudo, a nível religioso.

J. F. Ludovice
Primeiramente, Ludovice recorda a Vanvitelli que aquela não é uma capela qualquer, mas sim uma capela real, e, como tal, não pode ter erros, tais como deixar a cimalha incompleta: "fica a dita Capela defraudada dele, do que procedeu, além de outras desordens, não se lhe pode fazer retábulo com frontespício de forma airosa e completo com todas as partes principais da cimalha real, que são: cornija arquitrave e friso, por lhe faltar este." Vale a pena mostrar-vos a lição que na nossa Corte deu a este respeito a Vanvitelli nas palavras de Ludovice: "Ainda que há exemplos de se fazerem e haverem feito cornijas arquitravadas sem friso, não podem ter lugar, nem se praticam na parte principal de dodo o edifício, mas sim em arcadas de pórtucos, corredores, escadas e lugares subtarrâneos, onde não há altura, ou se trata de limitar a despeza, ou quando se quer dar esta parte às outras, não sendo na parte principal do edifício, como é esta Capela, que deve ser considerada edifício real e todo sobre si, como o exemplo das célebres Capelas de Cibo al Popolo, e de S. Carlino alle quatro fontane, que tem colunas, arquitrave, friso e cornija inteiramente: ainda que no retábulo não faça frotespício, e, comente sirva a cimalha de imposta, para sobre ela voltar o arquivolto, e o claro, que fica em toda a sua largura e altura, serve para um grande painel com sua moldura ao redor."

Vanvitelli
Veja-se outra crítica interessante e que ilustra bem o sentido católico implicado: "O retábulo (...) se não tiver o altar diante [encostado], não se lhe poderia chamar retábulo, nem tal lembraria, vendo-se uma abertura no fim com ar livre, e seria muito impróprio; usando de tão grande número de colunas, disformar aquela parte, que deve representar toda a substância e compostura da obra (...)".

Vanvitelli tinha desenhado uma capela onde apostava nas formas ovaladas. No centro do retábulo, o painel de mosaicos foi desenhado em oval, também. Eis a crítica da Corte lusitana a este respeito: ";e ainda que haja exemplos de paineis de retábulos ovados, não os há em edifícios grandes e sérios, mas em Capelinhas como S. Izidoro e S. lourenço em Lucina, etc."

Caro leitor, não lhe chama a atenção que a Corte tenha conhecimento do que há ou não há em todos os edifícios grandes e sérios e se digne até saber o que há nas capelinhas de menor referência!? Pois bem, fique atento para se admirar ainda mais, não tarda nada.

Ludovice continua a explicar o que se deve e o que não deve e, no parágrafo seguinte, transmite que "mas sem frontespício, bastando-lhe a sua cimalha mais limitada na altura para acrescentar a parte que se lhe limita na altura do painel como se vê ala Madona de Victoria na Capela de Santa Tereza, a qual também serve para exemplo do acima referido... (...) com suas ferragens e argolas de bom gosto de bronze dourado, como há uma porta móvel na Capela de Montione ala Madona de Monte Santo". De onde vieram tantas informações a respeito de outras e longínquas igrejas e capelas!?...

Brasão no emboco da capela
Era costume colocar armas reais no piso das capelas reais na Europa, isso não constituiria de facto um problema. Contudo, isso não é para nós, as armas reais de Portugal não podem estar no chão. Eis a explicação dada a Vanvitelli "As armas reais no pavimento são muito indecentes, porque nas cinco quinas delas se significam as cinco Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo; O lugar decente e próprio é ao meio do arco do emboco [arco onde é colocada toda a capela], com advertência que não se use do manto real, e que em lugar dos génios estejam anjos acompanhando as ditas armas reais, assim para ficar mais airoso, como para ocupar menos lugar do vão da janela que está imediatamente sobre o arco, a qual é muito necessária para dar luz à igreja e capelas defronte, e no pavimento, em lugar das ditas armas, se porá uma esfera [esfera armilar], etc." Aproveito a ocasião para fazer uma interrupção oportuna: veja-se a frequência com que as frases terminam em "etc.", é que muitos andam hoje a dizer, sobretudo no estrangeiro, o quão estranho lhes parece o texto da Irm. Lúcia, aquele que relata a última visão, por terminar terminar num "etc.".

A "esfera", no chão da capela, acabou por ser o único ovalado!
(continuação, aqui)

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