22/02/13

AGIOLÓGIO LUSITANO - 22 de Fevereiro

"Em Lisboa, no real convento de S. Vicente de fora, de Cónegos Regrantes, o felicíssimo trânsito de D. Gonçalo Mendes, varão de inculpável vida que, vivendo da puerícia no dito convento debaixo da canonical regra de Sto. Agostinho, com grande exemplo de humildade, e angélica pureza, (sem o pretender) foi eleito prior dele; cargo em que, por quarenta anos, resplandeceu em todo o género de virtude, crescendo a mui subidos quilates de perfeição, pelo que conceberam os homens em geral, e em particular os Reis e Infantes de Portugal, tão de seu raro talento e virtude que nenhuma empresa de importância empreendiam sem seu conselho. Os enfermos recorriam a ele para por seu meio alcançarem de Deus saúde, e os marinheiros para impetrarem feliz sucesso em suas navegações. Era tão liberal [desapegado no dar] e caritativo em despender com necessitados e pobres o trigo do celeiro que o céu se dava por obrigado a, milagrosamente, muitas vezes, o acrescentar; e faltando que lhes dar (porque sua caridade não ficasse frustrada) acudia o Senhor àquela falta por meios sobre-humanos. Entre as grandes prerrogativas deste santo varão, não há a menor dúvida haver tido ao glorioso Sto. António por súbdito, o qual quando se queria afervorar nos rigores da penitência e familiar trato com Deus, este perfeito Prelado era o exemplar que imitava, pois nem a muita idade nem várias enfermidades o obrigaram nunca remitir seus primitivos rigores de jejum, disciplinas e cilícios, andando sempre enlevado nos bens da glória, banhado em lágrimas e cumulada de méritos, cercada de raios e esplendores gloriosos foi pelas mãos dos santos Anjos levada ao prémio eterno. E neta forma a viu S. Fr. Gil estando dizendo Missa no seu convento de Santarém, sendo subitamente rebatado em extasis. Tornando dele [daquele estado], não podendo seu espírito soprar a grandeza da alegria que recebera, soltou (contra seu costume e severidade) grandes risadas. Acabada a Missa, chamado pelo Prelado lhe mandou, em virtude de obediência, que declarasse a causa de tão intempestivo riso. S. Fr. Gil então, com grande singeleza, referiu tudo o que vira. Notada a hora, se achou que fora a mesma em que D. Gonçalo (varão amado de Deus e dos homens) passara da vida presente, por cuja intercessão obrou depois o céu nos moradores de Lisboa singulares favores e maravilhas.

b. No Bom jesus de Barcelos, casa de Capuchinhos da Piedade, a memória de Vicente, o pobre, e Catarina Afonso, sua mulher, os quais, sendo moradores da cidade do Porto e ricos de bens da fortuna, desejosos de sua salvação, seguindo o conselho do Profeta Jeremias, augiram do meio da mundana Babilónia para este solitário lugar, onde edificaram uma pequena ermida com casinhas térreas; e dando primeiro a câmbio toda a sua fazenda a pobres para a receberem no céu com inestimáveis ganhos, se recolheram nelas, livres do cuidado de as guardarem em pregar [nelas] todo no serviço a Deus, satisfazendo à justiça divina com rigor de áspera penitência das suas passadas culpas com que em breve se fizeram ricos de virtude: pelo que piamente cremos conseguiram o eterno prémio na celestial Jerusalém.

c. Em Lisboa, no colégio de S. Antão da Companhia, o vital fim do P. Afonso Barreto, que da sua primeira vocação, com tal fervor de espírito, seguiu o caminho da virtude e perfeição que, pedindo (com grande instância) ser admitido nela o Pe. M. Simão Rodrigues, o primeiro que fundou esta sagrada religião neste Reino, lhe pôs uma assaz gravosa condição: que para conseguir o que pretendia havia que estar primeiro à vergonha, nu da cintura para cima, no Pelourinho da cidade de Coimbra; o que ele com grande alegria e vontade aceitou, e com efeito cumpriu, estando muitas horas fazendo de si ao mundo tão custoso espectáculo sendo assaz conhecido por suas muitas letras e nobreza com que, triunfando gloriosamente dos mundanos espeitos e aplaudida sua humildade e resignação, foi recebido na Companhia. na qual a poucos meses de noviciado, vestido em desprezível chiote, mandado da obediência a Lisboa  para estar a soldada com certo eclesiástico grave de estragados costumes e procedimentos, a tudo obedeceu prontamente, podendo tanto com ele seu exemplo e virtude que o reduziu a reformada vida. Poucos foram os anos que este espelho de obediência viveu na religião mas nesses deu sempre tão singulares mostras de religiosas virtudes que na opinião de todos era conhecido por Santo e com a mesma (cumulado de méritos) partiu gloriosamente do século presente."

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