13/02/13

ABDICAÇÃO OU RESIGNAÇÃO? EIS A QUESTÃO!


Um leitor informou-me que não é certo dizer que o tenha "RESIGNADO", mas sim seria correto dizer "ABDICADO". Seguidamente veio o podido para que eu apagasse o artigo onde era levantada a possibilidade de Bento XVI ter "resignado ilegitimamente". Enquanto isto, estava eu a despachar uma outra conversa com outro leitor, e dizia-me que a "resignação era legítima". Este segundo leitor achou que entre RESIGNAÇÃO e ABDICAÇÃO não havia talvez diferenças, contudo, servia-se de textos para dizer que a "resignação de Bento XVI" foi legítima, sem que em algum desses textos viesse a palavra "abdicação".

Agradeço ao primeiro leitor pelo contributo, e agradeço ao segundo leitor pelo incómodo a que se deu. Devido ao primeiro, e depois de reconsiderar, apaguei o anterior artigo, onde eu tinha levantado a possibilidade de Bento XVI continuar a ser Papa depois do dia 28. Esta possibilidade parece-me agora não existir: embora o motivo dado por Bento XVI seja preocupante para o futuro, e até escandaloso, o Papa pode mesmo assim negar-se ao Papado abdicando, com ou sem desagrado de Deus.

Etimologicamente a "resignação" implica um acto de submissão, ao contrário de "abdicação". Por este mesmo motivo sempre se diz que o Rei abdicou e nunca que resignou! Os vários usos de "resignar" estão sempre associados a um submetimento da vontade.

Procurei o meu fiel amigo dicionário de 10 volumes "Vocabulário Portuguez e Latino..." (Coimbra, 1712) para ilustrar esta questão:

RESIGNAÇÃO na vontade de Deus: (...) (Assim S. Francisco com a verdadeira Resignação, e desapego dos bens da terra...) (Também há Resignação nos despachos...)
RESIGNAR a sua vontade na vontade de Deus, (...) (Que nos humilhemos Resignados na vontade Divina...) (A David, porque se tinha Resignado nas suas mãos, livrou Deus das de Saúl...) (Resignam os homens de uma Monarquia as suas vontades todas nas de um só homem, para que os governe....)
RESIGNAR UM BENEFÍCIO: Vid. Renunciar (No ano que seguiu Resignou o Bispado...) (Deve resignar o Benefício em mãos do Bispo...)
RESIGNATÁRIO: (Termo do Direito Canónico). Aquele, em que se resignando, ou renunciando um Benefício. (...)

Já agora:

RENUNCIÁVEL: Coisa que se pode renunciar em alguém.

Dou eu o caso de um Bispo que PEDE a resignação, que pode ou não ser conferida por poder maior. O Bispo não pode abdicar, porque o que tem não é seu e lhe foi delegado territorialmente. Cabe a um Papa a que o Bispo resigne. Há na resignação uma submissão e isso está bem patente em tudo o que transcrevi do dicionário.

Vamos em frente...

ABDICAÇÃO: Voluntária renúncia da própria dignidade, quando v.g. um Rei, um Prelado etc. larga o seu reino, ou prelazia pura, e simplesmente sem a renunciar para uma terceira pessoa.[caso contrário seria "resignar"]. Abdicatio, onis. Fem. Tit. Liv. Abdicação da Ditadura, do Império,do Reino, etc.

ABDICAR: Temo do Direito Romano; vale o mesmo que deixar, largar, renunciar de sua própria vontade, e sem nomear sucessor, ao seu cargo, magistrado, dignidade... (...) Não abdicou a majestade porque não deixou de ser Rainha...

Repare-se que na "abdicação" se referiu o Prelado mas apenas de "prelazia pura", enquanto que no caso da "resignação" se fala de Bispados. Salienta-se o carácter não submisso, próprio, da "abdicação" face à submissão da "resignação".

Mas, isto não está tão claro quanto gostaria. A Enciclopédia Luso-Brasileira diz:

"ABDICAÇÃO - DIR. Acto pelo qual uma pessoa renuncia a função pública em que foi investida, antes de expirar o prazo por que foi nomeada. Aplica-se em relação ao supremo poder do Estado. Habitualmente, só se emprega para a renúncia à realeza, usando-se o termo "resignação" ou "renúncia" para os outros chefes de Estado. Em Itália, a A. tornou-se eficaz pela simples comunicação ao ministro, que, por sua vez, a transmitia ao Parlamento. Na Inglaterra, o trono não pode legalmente ser abdicado sem o consentimento das duas Casas do Parlamento. D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal abdicou da coroa portuguesa (1831) em sua filha D. Maria II [impossível tentativa] e da brasileira em seu filho D. Pedro II; Eduardo II de Inglaterra deu, em vida, o trono a seu filho Eduardo III; Ricardo II abdicou quando Henrique de Lancaster foi aclamado e aceite como rei pelo Parlamento. Há resignações involuntárias denominadas "abdicações": v. g. D. Miguel I, em Évora Monte, e Napoleão, em Fontainebleau. Outras abdicações; Jaime II, Inglaterra (1688); Filipe V, Espanha (1724); Victor Amadeu II, Sardenha (1730); Vítor Manuel I, Sardenha (1821). Algumas abdicações neste século: Pu-yi, China (12.2.1912); Nicolau II, Rússia (15.3.1917); Constantino, Grécia (1917), Frederico I, Bulgária (3.11.1918); Frederico Augusto III, Saxónia (9.11.1918);Carlos I, Áustria-Hungria (12.11.1918); Luís III, Baviera (13.11.1918); Frederico II, Baden (22.11.1918); Jorge II, Grécia (18.12.1923); Afonso XIII, Espanha (1931); Eduardo VIII, Inglaterra (1936). M. HOMEM DE MELO
DIR. CAN. Osclérigos podem perder os ofícios e benefícios eclesiásticos por determinação do legítimo superior, pelo decurso do lapso de tempo por que os possuem e por A. que, em Dir. Can., tem o nome técnico de "renúncia" ou "resignação". A., no sentido canónico de renúncia, é o acto pelo qual um clérigo, voluntariamente, perde o ofício ou benefício que possui. Para surtir efeito tem de ser aceite pelo legítimo superior, excepto sendo feita pela Papa e Vigário Capitular. M. GIGANTE"

Tanto no caso eclesiástico (Dir. Can.), o Papa abdicou, a não ser que se julgue que não se inscreve nem no caso canónico nem no caso monárquico mas sim como um outro qualquer chefe de estado. Embora esta ideia de que o Papa é um comum chefe de estado seja agradável aos ouvidos de hoje, não creio que ela seja minimamente realista.

Esperam-se agora as opiniões discordantes...

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES