23/11/12

CONTRA A MITIFICADA "ESCRAVATURA" DA SEITA DOS FILÓSOFOS (II)

(continuação da I parte)
D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (1742 - 1821)
Nascido em Campos (Brasil)

CONCORDÂNCIA DAS LEIS DE PORTUGAL E DAS BULAS PONTIFÍCIAS,
Das quais umas permitem a escravidão dos Pretos de África, e outras proíbem a escravidão dos Índios do Brasil.

§. VI. Os Autores, e primeiros Sacerdotes de uma Filosofia tão bárbara, e tão vacilante poderiam talvez ter a desculpa, de que ou eles não reflectiram nas terríveis consequências dos seus princípios; ou que persuadidos de ser impraticável o seu Plano entre nações, que respeitam o direito da propriedade, só aspiravam à glória pueril de se fazerem célebres em sustentar paradoxos: mas depois que a revolução da França fez a sua explosão, que lançou chamas de um outro Mundo, é necessário que tais Filósofos apareçam já sem máscara à face do Mundo, como chefes de bandos indigentes, fazendo guerra aos ricos Proprietários para lhes roubarem os seus bens, as suas riquezas, e a sua indústria: eu não duvido, que tais Filósofos tenham por sócios, e aprovadores, bandos de bárbaros, e de selvagens sem propriedade, e sem indústria; eu porém sou contente de ter pela minha parte todas as nações civilizadas, onde houver Governo, Religião, Virtude, Honra, e Probidade.

§. VII. Mas como depois de feita a minha Análise se me quis fazer um novo ataque, trazendo-me em oposição as Leis, que permitem o comércio do resgate dos escravos da Costa de África, os Alvarás do 1º de Abril de 1680, e o de 6 de Junho de 1775, que declaram livres todos os Índios do Brasil, proibindo a escravidão a respeito deles; assim como também as Bulas, que os confirmam, para que não se diga, que as ditas leis são entre si antinómicas, ou contraditórias, nem também que a minhas opinião em quanto defende a justiça de umas, é contrária à justiça das outras; eu passo a dar uma breve notícia das diversas circunstâncias, em que se acham os Índios do Brasil, e os Pretos da África no tempo das descobertas dos Portugueses em uma, e outra parte do Mundo; circunstâncias, que deram ocasião às diversas disposições das ditas nossas Leis, e Bulas.

§. VIII. Os Portugueses, que primeiro descobriram a Costa da Guiné, já acharam muitas Nações com algum género de Governo, obediência, e subordinação, comércio, e agricultura; entre as quais já também se achava introduzida a escravidão, ou dos vencidos na guerra, ou dos réus de certos crimes capitais; de tal sorte, que querendo eles comprar aos Portugueses alguns géneros, de que eles necessitavam, ofereceram em troca, e permutação alguns dos seus escravos, que vindo para Portugal foram comprados por aqueles, que de seus serviços precisavam; e ao Senhor infante D. Henrique, como encarregado, e Governador daquelas descobertas, e bons serviços, que ele tinha feito a Portugal, lhe deu o Senhor Rei D. Afonso V a dizima dos interesses do comércio dos escravos, como se vê na sua Carta de 15 de Setembro de 1448 confirmada pelo Senhor Rei D. Manuel por carta de 22 de Fevereiro de 1502. Este comércio foi aprovado por Bula do Papa Nicolau V de 6 de Janeiro de 1454, de Calisto III de 3 de Março de 1455, de Xisto IV de 21 de Junho de 1481, e de Leão X de 3 de Novembro de 1514 por se achar ser este comércio o meio de se introduzir a nossa Santa Religião entre aquelas nações bárbaras, ou ao menos salvar muitas almas, que aliás seriam perdidas no centro do Gentilismo (2)

§. IX. Os Portugueses, que primeiro descobriram as terras do Brasil, não acharam Nações propriamente, acharam sim alguns bandos de homens selvagens, sem algum género de governo, nem de subordinação; eram algumas famílias errantes, e dispersas, que viviam em pobres choupanas, muito ainda no primeiro estado da natureza, talvez desgarradas dos primeiros Habitantes do México, ou do Peru: em toda a grande extensão do Brasil até hoje não se tem descoberto algum vestígio de grande população, nem um só edifício, ou Obra de Arte, que denotasse algum princípio de Civilização. Os montes, as serras, os campos, os bosques totalmente incultos, pareciam estar ainda com a mesma face, com que tinham saído das mãos da Natureza, e que ainda não eram habitados por Entes Racionais. Aqueles bandos de Selvagens errantes apenas usavam da caça, e da pesca, e de alguns frutos silvestres: eles se faziam a guerra como as feras para ou afugentarem os seus inimigos, ou os devorarem: eles ainda não conheciam as Escravidão, nem a subordinação, este primeiro passo para a Civilização das Nações (3).

§. X. Quiseram os Portugueses entrar naquelas terras, os Índios se opuseram; principalmente as guerras, houveram prisioneiros, permitiu-se que os ávidos em justa guerra fossem escravos para cultivarem as terras, que se iam descobrindo, ainda incultas em toda a sua grande extensão: os abusos apareceram a par da justiça; e a experiência foi mostrando, que o Índio, o homem selvagem, ainda no primeiro estado da Natureza, sem agricultura, nem alguma sobordinação, ou era indomável, e um inimigo jurado, sempre disposto a atacar o seu vencedor; ou fugia de uma escravidão, de que ele não tinha alguma ideia; ou finalmente sucumbia debaixo de um trabalho, a que ele não estava acostumado.

(a continuação, AQUI)


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