19/03/12

SANTOS VARÕES - 19 de MARÇO NA LUSITÂNIA

Catedral de Braga, primaz das Hespanhas (capela mor)
a) Na Primacial Igreja de Braga, a comemoração dos Santos Bispos e Confessores Leôncio e Apolónio; aquele patrício de Constantinopla e este de Grécia, porém ambos conaturalizados em Portugal. Um, que desperdiçou os verdores da mocidade na Filosofia Estóica mas, abraçado com os inflamados raios de Sol divino, correu de continente sequioso às fontes da Evangélica verdade. O outro, dos mais tenros anos se recreou com a doçura da sua doutrina e suavidade da seu leite. Ilustrados ambos de sagradas letras, vagando aquela Metropolitana cadeira (por comum voto do Clero, e povo Bracarense) mereceram um após outro gozar de tão superior dignidade. Ocupado pois Leónico no governo pastoral, ventilando-se em Hespanha aquela célebre Questão "Virum esset manus Sacramentum, Baptismus, an Confirmatio?", consultada a Sé Apostólica lhe escreveu o Papa S. Melchiades definindo que o Sacramento do Baptismo é meio necessário para a salvação e que sem o da Confirmação se podem salvar as almas, com outros pontos substanciais e Teológicos. Vendo-se Leôncio favorecido pelo Pontífice foi a Roma, [mas este] achando-o já morto, assistiu no Concílio que em acção de graças congregou S. Silvestre, em 324, depois de regenerado no sagrado lavácro o grande Imperador Constantino de quem se ordenaram saudáveis decretos em favor da Cristandade e bom governo das Igrejas e se condenaram as heresias de Hipólito, Calistro e Victurino.

No seguinte ano se achou no sagrado Concílio Nisseano, entre 318. Padres, que ali se congregaram, onde também foram condenadas as [heresias] de Arrio, Fotino e Hebio, aprovada a igualdade do Verbo eterno, segunda pessoa da Santíssima Trindade, com o Padre, ordenando o Símbolo, que se canta nas Missas e restituída a paz à Igreja, que tantos anos havia, que andava escondida pelas cavernas da terra, por causa dos perseguições. 

Fechado o Concílio, voltou Leôncio para Hespanha [Península Ibérica], com saudades de ver já na sua Igreja promulgados os decretos apostólicos. Mas a divina providência ordenou, que em Guimarães, sem chegar a ela, exalasse os últimos alentos dos vitais espíritos nas mãos do Criador. Notória sua morte em Braga onde o esperava com festas, [mas] foi celebrada com lágrimas, as quais se enxugaram com acertada eleição que se fez de seu novo sucessor e amigo Apolónio, que deu [os decretos apostólicos] logo à execução por toda aquela estendida diocese. Neste corre-nos convocado em Toledo Concílio, em que se dividiram os Bispados, restituindo a cada um o que lhes andava sonegado, não foi de pouco préstimo nele o nosso S. Apolónio como Metropolitano que era de Galiza, onde isto havia de ter maiores repulsas e assim os estabeleceu depois, padecendo muito na promulgação, em cujos trabalhos embaraçado fechou o circulo da vida, subindo sua alma a gozar da tranquilidade eterna. Os sagrados penhores destes dois ínclitos Prelados e Confessores, tem ocultados o Omnipotente, até que ele mesmo permita manifestá-los para maior glória sua e da S. Igreja Bracarense.

b) Em Moura, vila célebre do Alentejo, a morte de Pedro Rodriguez de Moura, Senhor de Azambuja e de outras vilas e lugares de nome neste Reino, o qual ajudou a recuperar, em companhia do Condestável D. Nuno Alvarez Pereira, achando-se sempre a seu lado com grande esforço e valor nas mais apertados conflitos das batalhas, como se viu nas de Aljubarrota e Valverde; e não fazendo Pero Rodrigues caso do que lhe pudera granjear honras e favores do Rei da terra para mais agradar ao do Céu. Vendo-se impossibilitado por parte do matrimónio de seguir as pegadas do santo Condestável na religião, se retirou da Corte com sua casa e família a viver na dita vila de Azambuja (solar de seus antepassados). E quando vinha a ela, ordinariamente pousava no mosteiro de S. Domingos de Lisboa, porque como tivesse aprendido do seu capitão, não menos as regras da militância que as da virtude, já toda a sua conversão era com gente religiosa e timorata, com quem conferia os negócios de sua consciência, excedendo nos procedimentos, e costumes a todos os nobres do Reino, na piedade e oração aos retirados anacoretas, mostrando-se em todas as suas acções verdadeiro espelho de perfeição.

Convento de S. Domingos
Aconteceu pois, que havendo grande divisão naquele convento sobre a eleição de Prior, entre F. Vicente e F. Lopo, ambos Mestres em S. Teologia, favorecendo Pero Rodriguez de Moura a parte de F. Vicente por ser religioso de mui reformada vida e maduro conselho, estando certo dia em conversação com ele, chegou um frade de inferior autoridade e, com estranho atrevimento, se descompôs de palavras contra aquele santo Padre, do que encolerizado Pero Rodriguez, não sendo senhor de suas acções, levantou a mão e lhe deu um ou dois pescoções, de que se não lembrou mais para via da censura que incorrera. 

Fr. Vicente, andando o tempo, teve gravíssimos na Ordem e fora dela, que o obrigaram ir a Capítulo geral e faleceu na jornada santamente. Lembrado elRei D. João I dos muitos serviços, que este seu Apostólico Pregador e Conselheiro leal lhe fizera, mandou buscar sua ossada à cidade de Udena em Itália por Pero Rodriguez (seu grande amigo) acompanhado de dois frades da mesma Ordem: e em sua casa esteve depositada, até que foi levada com grande pompa ao observante convento de Bem-fica, em que se lhe deu honorífica sepultura, segundo seus merecimentos. Retirado então Pedro Rodriguez a Moura, sobre-veio grande peste; ferido dela, vendo-se naquele estado, para o qual se encaminham todos os progressos da vida, fez-se levar à igreja do convento de N. Senhora do Carmo (de quem era particular devoto) onde sem querer ver mulher, nem filhos, donde de mão a temporalidades, meditando somente nos celestiais bens da glória, chorando amargamente seus pecados, admoestado aos circunstantes com devotas palavras, tendo por martírio (com outro S. Bernardo) o jejuar forçado da fraqueza, recebidos os Eclesiásticos Sacramentos, feita a profissão de Fé com muitas lágrimas e contrição, se lhe extinguiu a vida evidentes mostras de predestinado sempre à caridade neste santo Prelado, de sorte, que se fez notavelmente amado dos pobres, pois tudo quanto adquiria achava pouco para repartir com eles, sendo ele tanto em si, que era uma admiração. Sucedeu certo dia, servindo de Provedor da Irmandade da Misericórdia (que ele ali instituiu) queixando-se os companheiros, que não havia dinheiro apra acudir a algumas urgentes necessidades. D. Francisco dom grande Fé, confiado na Liberdade divina, que nunca falta em semelhantes apertos, disse: Levantai o pano da mesa e achareis mais do que haveis mister, apra que não pereçam os pobres de Cristo. Caso maravilhoso! levantando o pano, se achou quantidade de moedas de ouro com que os circunstantes ficaram admirados e edificados. Publica a fama, que os animais lhe obedeciam, pois a mula em que andava (por sua muita velhice) apeando-se à porta da Igreja, mandava que se fosse para casa, e ela no mesmo ponto se ia e tornava a horas certas, sem ninguém a encaminhar. Administrava a suas ovelhas todas os Sacramentos, como cuidadoso Pároco. Pregava frequente e fervorosamente na sua Catedral e assistia devoto no choro com grande atenção a todas as horas canónicas, Havendo pois pastoreado este rebanho por muitos anos, com o pasto quotidiano dos antídotos sagrados, pagou o tributo, que contraiu nascendo, e seu corpo se conserva até ao presente, não só incorrupto, mas com suave cheiro, selo pendente de sua esclarecida virtude.

Antigo Convento dos Agostinhos em Vila Viçosa - 1º panteão dos Duques de Bragança. Aqui funciona o seminário menor da Arquidiocese de Évora.
c) Na barra da Mina, a paixão de Fr. Gaspar e Fr. Atanásio; o primeiro é filho de Lisboa e do convento de N. Senhora da Graça da própria cidade; o segundo de Arronches e do convento de Vila Viçosa, ambos da Ermítica família Augustiniana, os quais sendo mandados pela Obediência (tanto que se descobriu) para cultivarem aquela notável Cristandade, e propagarem em tão remotas partes sua sagrada Religião. Na boca da barra, indo eles bem descuidados lhes saiu ao encontro uma nau de força de hereges Rocheleses e, como se pelejasse porsiadamente de parte a parte, rendidos os nossos deram liberdade a todos os passageiros, exceptuando aos dois religiosos que depois de os açoitarem cruelmente, em ódio à Igreja Romana, foram precipitados no mar donde seus vitoriosos espíritos, laureados com ilustres coroas de martírio, aportaram na segura pátria da Bemaventurança.

(...)

(Fonte: Agiológio Lusitano, II volume)

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