CHRONICA
DOS
EREMITAS
DOS
EREMITAS
DA SERRA DE OSSA
No Reyno de Portugal e dos que floreceram em todos os mais Ermos da Christiandade; dos quaes nos seguintes seculos se formou a Congregação dos Pobre de Jesu Christo; e muitos depois a Sagrada de S. Paulo primeiro Eremita, chamada dos Eremitas da Serra de Ossa.
LISBOA, M.DCCXLV
(CONTINUAÇÃO DO CAPÍTULO XVII)
"156. Temeridade grande seria a da nossa pena se quisesse impugnar tão glorioso e justo Principado estabelecido pela Igreja e pelas mais preciosas e firmes colunas que sustentam e defendem; e por isso só nos seja lícito repetir aqui em crédito e abono do mesmo Principado e satisfação, e reporta a tão grande argumento, as seguintes palavras do ilustre Autor do nosso Agiológio Lusitano: "É suposto que a Igreja Católica chame a S. Paulo primeiro Eremita, florescendo pelos anos 300 com tudo parece que o faz seguindo a mais universal notícia, que o faz seguindo a mais universal notícia, que há dos que viveram na Thebaida, Egipto e outros Provinciais Orientais, e não como definição Eclesiástica precisa, de que não houvesse outro nenhum antes em alguma parte do Mundo". Esta tão douta, como verdadeira resposta, que dá Cardoso em defesa da primazia do Eremita S. Felix a respeito da de S. Paulo, devemos nós - veja o Leitor prudente se ainda com maior fundamento - repetir por justificação da primazia dos nossos santos Anacoretas da Serra de Ossa a respeito da dos dois nomeados, e mais conhecidos Príncipes e Mestres da solidão. Visto nos constar por autoridades, tradições, e documentos sólidos, que precederam a S. Félix nove, ou dez anos, ou ainda mais [anos], e a S. Paulo Tebeu mais de dois séculos: e assim como o Doutor Máximo da Igreja, a quem pela suma distância que medeia entre os desertos da Síria em que floresceu e os nossos da Lusitânia, não teve notícias algumas, dos Eremitas da Serra de Ossa, e só pelas vizinhanças, em que esteve dos de Tebásida, as teve de S. Paulo dadas pelos discípulos de seu grande discípulo S. Antão, as quais o moveram a dar-lhe o Principado do deserto; assim nós pelas que temos dos nossos cartórios, e por lermos as mesmas em Autores graves já acima citados neste Capítulo, dos quais expressamente consta serem os nossos Anacoretas da Serra de Ossa fruto espiritual da primeira pregação de S. Manços no ano 36 do Senhor; e também na segunda deste mesmo Santo Apóstolo da Lusitânia no ano de 92 temos sólido fundamento para os enobrecer com o glorioso título de primeiros Eremitas da Cristandade: para o que nos favorece muito a sublime pena, e doutrina do mesmo Doutor Máximo; o qual sem embargo de ter dado primeiro o principado do deserto ao grande Profeta Elias, e a seu Discípulo Eliseu ("Noster Principes Elias, noster Eliseus") o repete depois a S. Paulo Tebeu, e não duvidou extendê-lo também aos Antónios, aos Hiláriões, e aos Macarios, que lhe sucederam na glóriosa imitação da sua vida: "Nos autem (diz S. jerónimo) habemus propositi nostri Principes Paulos, Antónios, Hilariones, macarios", e nós seguindo o impulso de escritura, e pena tão outra e tão santa sem querer a nossa usurpar a Paulo e justa posse do seu Principado, o desejamos estabelecer também nos nossos Eremitas da Serra de Ossa que mais de 200 anos lhe precederam no tempo, posto que não nas virtudes.
159. Se os nossos veneráveis solitários da Serra de Ossa, sepultados nas grutas dela mais de dois séculos antes de S. paulo habitar as da Tebaida, viveram em notável distância naqueles desertos uns dos outros? Se prescreveram neles por toda a vida? E se estiveram sempre retirados do trato das gentes, sem que jamais houvesse ocasião que os necessitasse a comunicá-las, e a tornarem a ver os povoados? É matéria esta, cujos pontos nos não animamos afirmar, nem também negar; porque nem dos nossos cartórios, nem dos Autores achamos memória de tão perfeito modo de vida; porque ainda que o intentassem, como adiante veremos, não sabemos com certeza, nem probabilidade da sua pontual observância. Temos com tudo algumas conjecturas, de que o tiveram; porque começaram a viver como rigorosos, e verdadeiros Anacoretas, repartidos pelas covas, grutas, e cavernas daquela vasta montanha, muitas das quais ainda hoje conservam os nomes dos seus santos moradores, os quais, ou pelo habito perpétuo da sua altíssima contemplação, ou pelo natural temor das perseguições, e crueldades dos Idolatras, e Gentios, é muito crível, que nelas fariam perpétua morada em todo o decurso das suas vidas; e que por causa deste temor dos tiranos, e do excessivo amor, e trato familiar de Deus, nunca mais voltarão às Cidades, das quais não necessitavam para o seu sustento; porque não lhes faltava naquela solidão com grande abundância de aguas, ervas, e várias frutas silvestres, com o qual podiam conservar as vidas; porque de todas estas iguarias tão especiais para o gosto, e mortificação dos professores do Ermo, são certíssimos todos os seus montes, e vales; à vista de cujas razões temos por muito verosímil, que assim viveram, e serviram ao Senhor nos primeiros séculos de Anacoretas até passarem deste estado para o de Cenobitas, como irá mostrando esta nossa História. E porque temos satisfeito (ao que nos parece9 às gravíssimas dificuldades por parte dos primeiros Cristãos solitários da Alexandria, de S. Félix no Ermo de Rates, e do grande Paulo Tebeu no da sua Tebaida; fica à vista delas ainda mais gloriosa a primazia dos nossos santos Anacoretas da Serra de Ossa neste presente estado da lei Evangélica.
(terá continuação)
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