23/02/12

O SACRILÉGIO EM SANTA ENGRÁCIA (LISBOA - 1630)

"Ainda estava bem viva a memória deste desacato [ver aqui], quando de 15 a 16 de Janeiro de 1630 se comete novo sacrilégio, no Mosteiro de Santa Engrácia.

Nessa noite,parece que os elementos se tinham conjurado contra a cidade, fazendo desabar sobre ela medonho temporal (*) que ajudou a cometer o crime, abrindo ao criminoso as portas da modesta igreja, sede da nova freguesia que Pio V fundara em 30 de Agosto, a pedido da Infanta D. Maria, que tinha ali perto, no Campo de Santa Clara, o seu palácio.

Ao centro aquela que depois foi a igreja de Santa Engrácia hoje transformada em Panteão Nacional, por ironia profanado.

Na manhã do dia 16, viu-se que tinha sido arrombada a porta do Sacrário e que foram roubados um cofre com 10 Partículas e uma Hóstia, um Vaso de prata dourada contendo também 25 Partículas e outra Hóstia, e uma cruz que servia de remate ao último cibório.

A notícia deste desacato espalhou-se rapidamente na Capital onde causou a maior dor.

Como penitência e desagravo, esteve na Sé o Lausperene, durante oito dias, por ordem do Arcebispo D. Afonso Furtado Mendonça. A igreja estava ornamentada de panos reais da tomada de Tunes e celebravam-se Missas e ofícios e pregava-se. Terminando este oitavário num domingo, fez-se nesse mesmo dia uma solene procissão a que concorreram clero, e nobreza e povo, sendo tanta a gente, que principiando a sair da Sé ao meio-dia, só à noite chegou a Santa Engrácia, depois de ter percorrido muitas ruas (**).

Na igreja de Santa Engrácia, conservou-se o Lausperene outros oito dias. A despesa da festa de cada dia foi custeada pelos diferentes fidalgos. A igreja ficou depois interdita, passando a sede da freguesia para a ermida de Nosso Senhora do Paraíso.

Instituiu-se então uma grande confraria de fidalgos, intitulada Escravos do Santíssimo Sacramento, cujos estatutos foram assinados no dia 19 de Maio do mesmo ano. O seu presidente era o Rei e os Irmãos eram apenas 100 fidalgos.

Nos dias 16, 17, e 18 de Janeiro de cada ano, a Irmandade fazia uma festa ao Santíssimo Sacramento, a que assistia El-Rei, o Patriarca e o Cabido. As despesas do primeiro dia ficavam a cargo da Família Real e as dos outros dias eram pagas pela Irmandade. A festa deste tríduo terminava com procissão, em que as pessoas reais se incorporavam. Durante as festas do desagravo, os Irmãos traziam ao pescoço pendente de fita escarlate, uma medalha de cobre dourado representando o Sacrário arrombado e a custódia com o Santíssimo Sacramento e vários anjos. No verso, lia-se esta jaculatória: BENDITO E LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO.

Ainda como acto de reparação, surgiu também uma procissão, a chamada Procissão dos Ferrolhos, que se fazia todos os anos na noite de 15 para 16 de Janeiro à meia-noite do Convento do Desagravo - Clarissas do Desagravo - então fundado, para a igreja da Penha de França."


(*) - Corografia Portuguesa, pelo Padre Carvalho da Costa, vol. III, pág. 256.

(**) - Portugal-Dicionário, por Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, pal. Santa Engrácia.

1 comentário:

anónimo disse...

O texto pode induzir em erro, pois maior parte do que o texto descreve passou-se vários reinados depois do sacrilégio relatado. Basta ver que em 1630 ainda não havia Patriarca

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