22/06/11

"Prodigiosa cegueira da Idolatria antes da vinda do Messias"



DISCURSO SOBRE A HISTORIA UNIVERSAL PARA EXPLICAR A CONTINUAÇÃO DA RELIGIÃO

Pelo Senhor
JACOB BENIGNO BOSSUET,
Bispo de Moz

COIMBRA
Na Regia Typogr. Da Univers.

M.DCC.XC

Com Licença da Real Meza da Commissão Geral
Sobre Exame, e Censura dos Livros.



CAPITULO XVI

Prodigiosa cegueira da Idolatria antes da vinda do Messias

"Como com tudo a conversão da gentilidade era uma obra reservada para o Messias, e o próprio carácter da sua vinda; o erro, e a impiedade prevaleciam por toda a parte. As Nações mais perspicazes, e mais sábias, os Caldeus, os Egípcios, os Fenícios, os Gregos, os Romanos eram os mais ignorantes, e cegos na Religião: tanto é certo, que para entrar nela se precisa de uma graça particular, e de uma sabedoria mais que humana. Quem se atreveria a contar as cerimónias dos deuses imortais, e os seus mistérios impuros? Seus amores, suas crueldades, seus zelos, e todos os seus outros excessos eram o assunto das suas festas, dos seus sacrifícios, dos hinos que se lhes cantava, e das pinturas que se lhes consagrava nos seus Templos. Assim o crime era adorado, e reconhecido necessário ao culto dos deuses. O mais grave dos Filósofos proíbe beber com excesso, excepto nas festas de Baco, e em honra deste deus. Outro depois de haver severamente condenado todas as imagens desonestas, exceptua as dos deuses, que queriam ser honrados por estas infâmias. Não se pode ler sem assombro as honras que se devia dar a Vénus, e a prostituição que eram estabelecidas para a adorar. A Grécia toda polida, e sábia como era, havia recebido estes mistérios abomináveis. Nos casos apertados os particulares, e as Repúblicas votavam a Vénus as Cortesãs, e a Grécia não se envergonhava de atribuir a sua salvação ás súplicas que elas faziam á sua deusa. Depois da derrota de Xerxes, e dos seus formidáveis exércitos, pôs-se no templo um quadro em que estavam representados os seus votos, e as suas procissões com esta inscrição de Simónides Poeta famoso: Estas tem rogado á deusa Vénus, a qual por sua intercessão salvado a Grécia.


Se era preciso adorar o amor, devia ser só o amor honesto; mas não era assim. Sólon, quem o poderia crer, e escaparia e escaparia de um tão grande nome uma tão grande infâmia? Sólon, digo eu, estabeleceu-o em Atenas o templo de Vénus a prostituta, ou do amor impudico. Toda a Grécia estava cheia de templos consagrados a este deus, e o amor conjugal não tinha um em todo o país.

Com tudo detestavam o adultério nos homens, e nas mulheres: a sociedade conjugal era sagrada entre eles. Mas quando se aplicavam á religião pareciam como possuídos por um espírito estranho, e a sua luz natural os desamparava.

A gravidade Romana não tem tratado a religião mais seriamente, pois que consagrava á honra dos deuses as impurezas do teatro, e os sanguinolentos espectáculos dos gladiadores; isto é, tudo o que se podia imaginar mais corrupto, e bárbaro.

Mas não sei se as loucuras ridículas que se misturavam na religião eram ainda mais perniciosas, pois que lhe conciliavam tanto desprezo. Podia-se guardar o respeito que é devido ás cousas divinas no meio das impertinências que continham as fábulas, cuja representação, ou lembrança faziam uma tão grande parte do Culto divino? Todo o serviço público não era mais que uma contínua profanação, ou antes uma deri[?]ão do nome de Deus; e era forçoso que apra isto concorresse alguma potência inimiga deste nome Sagrado, que, havendo empreendido envilece-lo, impelisse os homens ao empregarem em coisas tão desprezíveis, e até em dá-lo prodigamente a sujeitos tão indignos.

É verdade que os Filósofos tinham por fim reconhecido que havia outro Deus diferente daquele que o vulgo adorava; mas não se atreviam a confessá-lo. Pelo contrário Sócrates dava por máxima, que cada um seguisse a religião do seu país. Platão seu discípulo, que via a Grécia, e todos os Países do mundo cheios de um culto néscio, e escandaloso, não deixa de pôr como um fundamento da sua República, que nada se deve mudar na religião que se acha que se acaba estabelecida, e que pensar nisso é haver perdido o juízo. Filósofos tão graves, e que disseram tão belas coisas sobre a natureza divina, não se tem atrevido a opor-se ao erro público, e tem perdido a esperança de o poderem vencer. Quando Sócrates foi acusado de negar os deuses que o público adorava, disto se defendeu como de um crime; e Platão falando do deus que havia formado o mundo, diz que é difícil achá-lo, e que é proibido declará-lo ao povo. Protesta jamais não falar dele senão em Enigma, receando expor uma tão grande verdade é zombaria.

Em que abismo estava o género humano, que não podia suportar a menor ideia do Verdadeiro Deus? Atenas a mais formosa, e sábia de todas as Cidades Gregas, tomava por Ateístas os que falavam das coisas intelectuais, e esta é uma das razões que havia feito condenar a Sócrates. Se alguns Filósofos se atreviam a ensinar que as estátuas não eram deuses como entendia o vulgo, viam-se obrigados a desdizer-se: ainda depois disto eram banidos, como ímpios, por sentença do Areópago. Toda a terra estava possuída do mesmo erro : a verdade não se atrevia a aparecer nela. O Deus Criador formou o mundo não tinha Templo nem culto senão em Jerusalém. Quando os Gentios para aí enviavam as suas ofertas, não faziam outra honra ao Deus de Israel, mas que a de o ajuntarem aos deuses. Somente a Judeia conhecia o seu Santo, e severo zelo, e sabia que repartir a Religião entre ele, e os outros deuses, era destruí-la."

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