09/04/19

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 32 (I)

O PUNHAL DOS CORCUNDAS

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N.º 32
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Ostendam gentibus nuditatem tuam


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HISTÓRIA DO MAÇO FÉRREO ANTI-MAÇÓNICO


Creio que haverá muita gente persuadida de que o Maço Férreo, este desperdiçado dos Mações, só teve por assunto desmascarar esses infames, que tão infelizmente nos regiam. Apesar de que o erro não é substancial, pois tanto vale dizer deu-te na cabeça, como na cabeça te deu, convém que estas coisas apareçam agora no seu verdadeiro ponto de vista.

Quando o sistema começou a bambalear pela inépcia e maldade dos que o traçaram e dirigiam, acudiu o Patrão da Larcha, deitou a mão ao leme, ofício que lhe era natural, e tratando de escapar ao naufrágio, meteu-se a Periodiqueiro, e de parelhas com outros Natuas Argelinos e Mouros fez sair o Independente, nome mil vezes bem posto, que segundo mostrou a experiência tudo o que saía de tais penas era independente de noções de Lógica, de princípios religiosos, e muito acima de todas as leis repressivas de liberdade da imprensa, que se fizeram só para a vil canalha dos Cristãos e dos Realistas. Ora os tais novos Redactores bem quiseram cobrir com ramalhos esta como peça de artilheria, para que os malditos Corcundas nem soubessem donde lhes vinha o mal, nem presumissem que os tracalhazes ou postilhonas da Majestade se aviltavam a ponto de exercerem as humildes funções de Periodiquistas; porém como os ramalhos eram delgaditos, e a sua folhagem não dava para cobrir peças de quarenta e oito, rompe-se logo o tal segredo, e já desde o N.º 2º eu sabia quem eram os Redactores. Prosseguia a obra mui felizmente, quase tomava a dianteira ao Diário do Governo, e trazia bocadinhos de ouro sobre alguns assuntos Cristãos, e nomeadamente sobre a tolerância. Caso estupendo! Maravilha peregrina! Sem lhe valer a égide dos mais claros nomes da História Constitucional houve Padresinho tão audaz, que os moeu sobre o artigo tolerância, e o fazia com tal arte, sagacidade, e força de raciocínio, que julguei escusado sair nessa ocasião com o meu fato à rua. Chegou-se ao N.º 45, sem que eu me resolvesse ainda a encetar a peleja; mas tanto que li no Suplemento ao dito N.º as palavras seguintes:
"Qual será a razão por que se não lança mão das rendas de tantos Conventos inúteis, e até prejudiciais à regeneração que Portugal tem empreendido, e à nossa felicidade geral? Qual será a razão por que a Comissão de reforma eclesiástica não apresenta um plano de reunião (ao menos quando não seja de extinção total) desses inimigos declarados da Nação Portuguesa? Qual há de ser a razão por que os Frades Bernardos hão de conservar trinta, ou quarenta, ou mais Conventos de ambos os sexos com rendas exorbitantíssimas para sustentar viciosos inimigos do bem público? Porque não se hão de fazer sair daqueles clubs os homens que quiserem vir para o século, reunir todos os mais em uma ou duas casas, onde exercitem o seu instinto como monges, e não como perseguidores da humanidade? E porque se não há de praticar este plano como todas as religiões monacais, tendo todas o mesmo interesse em transtornar o nosso actual sistema, e empregar as rendas das casas suprimidas em favor dos juros da dívida pública? Qual há de ser a razão por que as ordens militares não hão de ficar reduzidas a simples honorífico, e aplicar tudo o que é útil e rendoso a bem dos juros da dívida pública? Por ventura esses bens e essas rendas não são da Nação Portuguesa? Acaso pode considerar-se nelas algum privilégio maior que o interesse público? Acaso pode considerar-se nelas algum privilégio maior que o interesse público? Não posso, confesso ingenuamente, acomodar-me a que se não adopte este plano: quem deixará de emprestar os seus cabedais a uma Nação tão decidida pelo sistema constitucional, e que tem em si tais recursos, e tão sólidas garantias?...…. Demais, ara que se conservam ainda tantas prebendas e conezias nas catedrais de Portugal? Pois para que o culto divino se pratique será necessário que haja centos de Cónegos, e que estes tenham três, quatro, e seis mil cruzados de renda para ir cantar, entretanto que um empregado público percebe um ordenado que lhe não chega para três meses do ano? Não bastariam seis ou oito beneficiados, a quem se dessem duzentos ou trezentos mil réis, e não mais? Para que servirá que tantos Prelados diocesanos tenham quarenta, sessenta, e cem mil cruzados de renda? Não bastaria dar a cada um doze ou quinze mil cruzados? Não bastaria dar a cada um doze ou quinze mil cruzados, e aplicar toda a mais rendas aos juros da dívida pública, e desse empréstimo! Que aplicação mais útil, e mais santa? A mim parece-me, e não me engano certamente, que tudo isto se fazia em meia folha de papel; e que em resultado teríamos não só o indispensável empréstimo dos capitalistas e Portugueses, mas até dos estrangeiros; porque realmente nenhuns os podem empregar com mais segurança, nem com tanta vantagem; e a Nação Portuguesa estabelecia o seu crédito, e teria logo dinheiro para fazer face às suas indispensáveis despesas, e diminuía o número de seus inimigos. Quais serão os perigos que se receiam de lançar mão deste plano e destas rendas, que presentemente estão gozando as ordens religiosas e corporações eclesiásticas? Porventura não são rendas nacionais? Porventura haverá entre nós alguma coisa que não seja da Nação Portuguesa? Não têm eles gozado até agora com detrimento, e o maior prejuízo da mesma Nação? Que bens vêm à Nação Portuguesa da conservação de tais estabelecimentos, trono a repetir? Dar-se-há caso que ainda se julgue necessário, para se adoptar este plano, recorrer à Cúria Romana? Não se acha já determinado que a Nação Portuguesa é livre e independente, e que não pode ser património de alguma casa ou família? Como o há de ser então da Cúria Romana? É preciso acabar um dia com estas imposturas, e reconhecer por uma vez que as nossas Côrtes estão autorizadas para todo o género de reformas, e que esta é a mais interessante a bem da causa pública, e que sem ela chegar a efeito, todas as mais operações são secundárias. É preciso reconhecer a nossa independência, e tomar um caracter firme e decidido pelo bem geral; caia embora o raio onde cair; esta é a tábua da nossa salvação, que não depende do arbítrio ou vontade estrangeira, depende unicamente do convencimento destas verdades, até agora ocultas nas trevas da ignorância, mantida pelo fanatismo político, que se apoderou com arte dos governos para escravizar a humanidade: essa época porém passou, graças à mão virtuosa e liberal, que soube aproveitar o momento para nos salvar do naufrágio, a que um governo perverso e despótico nos havia conduzido. - Ass. um verdadeiro Constitucional."
Senti reverdecerem todas as minhas feridas, vi tão claramente enunciado o projecto da destruição do Catolicismo neste Reino, que peguei logo da pena, e mui determinado a expatriar-me se fosse necessário arrostei com o Mestre dos Naufrágios, e mandei apra a Gazeta Universal o que se publicou em o N.º 67, e é, sem mais nem menos, o que se segue:
"Senhor Redactor da Gazeta Universal - Que bulas terá o Redactor do Independente para nos empurrar à carga cerrada artigos impolíticos, desbocados, e em manifesta oposição às Bases da Constituição? - Mandam-lhos inserir, e o pobre figura só de Moço de Feitos. - Seja assim muito embora, mas enquanto o Soberano Congresso não decidir que o tal Independente é órgão da verdade, o zenith do bom gosto, o Sete-Estrelo da erudição, e o non plus ultra da sabedoria, hei de lhe ir à mala com quanta pólvora houver no meu armazém. Assentemos uma peça de calibre três: é quanto basta; que o mais chama-se gastar cera com ruim defunto… Fogo à espoleta… Aí sabe-o."

1.º Monitório ao Constitucional enxertado no Suplemento ao N.º 45 do Independente.

Não serei temerário, Senhor Constitucional enxertado, se enxergar em V. m. um irmão gémeo do tolerantismo. Epiménides, que está arrebentando por ver em Lisboa Sinagogas, Mesquitas, Pagodes, e Procissões de Trolhas, como verdadeiras fontes da riqueza e prosperidade nacional… Ora V. m. feito eco dos Garats, dos Barnaves, e dos Robespierres, assentando lá para si que em falando desde o alto da sua trípode ninguém mais há de abrir boca!.. Não há de ser assim. Eu tenho língua para falar, mãos desembaraçadas para escrever, e armas de sobejo para combater os seus delírios. Ninguém o pode livrar das minhas mãos. Ainda que eu visse o cutelo já pendente sobre minha cabeça, ou quase lavrado o decreto da minha expatriação, nem assim mesmo poderia calar-me. Sou necessitado a desviar e repelir o injusto agressor, que tendo porventura gozado nos Mosteiros deste Rino todas as distinções e benefícios da mais carinhosa hospitalidade, se converte agora em um raivoso tigre disposto a atassalhar o crédito de quem nunca o ofendeu, e a usurpar os bens que nem lhe pertencem, nem jamais deveria pertencer-lhe… Ah! liberdade, liberdade! (exclamava a infeliz Madama Roland, pouco antes de entregar a cabeça ao ferro da guilhotina) quantos crimes se fazem  mais declarada guerra ao Catolicismo, e para levarem ao cabo os demandos fins dessa hidrópica sede de ouro que os atormenta! Falemos claro.

A opulência de certos Mosteiros é o seu maior crime, assim como a influência dos Jesuítas nos Gabinetes dos Príncipes foi o seu mais grave delito, que assim o afirma o Patriarca de Ferney, talvez para V. m. texto irrefragável.. Foi jurada (eu o sei) nas hediondas e lobregas cavernas do Maçonismo a extinção das ordens religiosas, que oferecem um abundante pasto à insaciável cobiça dos Veneráveis e Rosa-Cruzes. - Este Senhores (que infelicidade para o género humano!) carecem ainda dos meios necessários para consolidarem a facção dos Trolhas nas quatro partes do mundo. Quisesse V. m., Senhor Constitucional sans culote, dizer a verdade, que por certo conviria comigo. Ora V. m. bem mostra haver folheado o Amigo do Povo (é o de lá, que saiu da forja de Marat) e outras emanações impuras da cáfila de Ateus, que desmoralizou, inundou de sangue, e cobriu de cadávers a desditosa França… Ter V. m. o descaramento de chamar aos Frades inimigos do bem público, e anunciar a lembrança de reduzir Ordens inteiras a um só Convento… Meu amigo vamos a contas: quanto deu ou dá V. m. para o Erário nacional? Quem sabe se V. m. chegando lá quereria meter-lhe os braços até ao cotovelo!.. Veio já tarde com esses pérfidos conselhos, que depois de turbarem o socego de muitas famílias respeitáveis acabariam por atear neste Reino as vorazes chamas da discórdia e da guerra civil.

Não é incompactível a existência dos Frades com a felicidade dos Povos; e se lhe concedêssemos que a extinção, por que V. m. tanto suspira, chegasse a aliviar momentaneamente o Povo, não tardaria dez anos que o Povo não gritasse contra quem os iludira, e os expusera a terem de passar por encargos mil vezes maiores e mais pesados que os antigos. Os Mosteiros são uns como fiadores nacionais, que acodem à pátria quando ela se vê ameaçada de inimigos. Quebrando estes fiadores quem há de receber e hospedar as tropas? O Povo. Quem há de pagar novos e exorbitantes Povo. Quem há de pagar dez e vinte vezes mais do que pagava no tempo em que havia dízimos e Frades? Quem há de morrer de fome, estancados todos os mananciais de beneficência ordinários nos claustros? O Povo. Quem há de suprir a falta desses úteis cidadãos, que pela judiciosa e económica administração de suas rendas contribuíam eficacissimamente para o bem comum, a que eles atentavam mais que ao seu particular? Ninguém. - Ah! Povo, Povo, o mais leal e o mais heroico do universo, guarda-te destes perversos conselheiros, que trazem por fora a capa de ovelhas mansas, que parece não viverem nem respirarem senão para te constituírem rico e venturoso em suas promessas; mas lá por dentro são uns lobos esfaimados, que depois de tragarem os bens dos Mosteiros, se conseguissem os seus desejos, haviam de empolgar os teus, e reduzir-te aos últimos apertos da indigência e da miséria…

Que terá V. m. que dizer a isto? Já sei…. Fora Corcunda, Servil, agente dos Mandões! - Bravo que Dialectica! Faria inveja a Descartes, se este sábio tivesse o gosto de o ouvir. - Ou há de gritar: fora fanático, supersticioso, intolerante. - Bravo, que eloquência! Se o grande Cícero a tivesse aprendido deste calibre por certo que se livraria das unhas do Triumviro Marco António. Fora graças, concluo eu, antes quero todos esses nomes, depois que um grande Mestre me ensinou os seus verdadeiros e exactos sinónimos, do que os hábitos de Avis, Torre e Espada, Garroteia, Tosão de Ouro, e da saudosa Coroa de Ferro…

De V. m. Etc.
O Maço Férreo Anti-Maçónico

Margens do Mondego
2 de Março de 1822

(continuação, II parte)

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