27/02/18

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº10 (V)

(continuação da IV parte)

1ª Letras humanas


Direi só uma palavra, sendo-me fácil dizer muitas ao caso... O estudo das Línguas orientais no conceito da Europa sábia é de absoluta necessidade para quem capricha de se estremar dos Hotentotes, e Caraíbas. Quem soube, e sabe a fundo neste Reino a Língua Santa, a Língua Hebraica, se não os Frades? Se me vierem à mão com um dos mais egrégios sabedores desta Língua em nossos tempos, que era Cónego Secular do Evangelista, e morreu Bispo do Funchal, respondo que esse mesmo entra facilmente na regra geral que assinei tratando dos filhos de S. Filipe Néri, e S. Vicente de Paulo...

Quem duvida que o conhecimento da Língua Árabe é importantíssimo nesta Monarquia por amor das nossas relações com as Regências Barbacenas, em que vai muito a segurança do nosso Comércio, e o recobrarem a sua liberdade muitos dos nossos Compatriotas, que gemem nos ferros, e masmorras de Argel? Quem são os sabedores desta Língua? Os Frades da Terceira Ordem, e que por sinal as Côrtes Ordinárias tiraram ou furtaram o que lhes pertencia, e eles tinham ganhado à custa de mim trabalhos e perigos; e notarei de passagem que se a Academia Real das Ciências de Lisboa atraiu recentemente os louvores da Petropolitana deve-o aos escritos de um Frade mui perito nesta Língua.

2ª Agricultura

Dá-se uma volta, por todo o Reino, e onde influem, ou dominam Frades, aparece tudo no maior auge de perfeição, e cultura, empregam-se muitos braços, e subsiste muita gente de se aplanarem montanhas escabrosas, e até vive uma infinidade de pedreiros de se construirem grossas paredes, que obstem à fúria das correntes, e das inundações. As próprias terras, que pagam quarto e dízimo,  longe de serem abandonadas recriam os olhos pela sua formosura, e enchem os celeiros do Lavrador pela sua abundância. Comparem-se as quintas dos Jesuítas no seu estado actual ao que já foram algum dia, e ficará o ponto da agricultura resolvido de maneira, que não possa admitir mais objecção ou réplica.

3ª Socorro aos pobres, aos mendigos, aos enfermos, e a toda a casta de infelizes...

Há Ordens Religiosas especialmente destinadas para a redenção dos cativos, e para assistirem aos enfermos, e às Heroínas Cristãs filhas de S. Vicente de Paulo começam de assombrar a Capital do Reino com os prodígios de caridade já vulgares no resto da Europa. Ora neste particular quem será tão cego, e tão ousado, que negue os quotidianos bens físicos que as Ordens Monásticas e Mendicantes fazem de contínuo à pobreza? Haja vista às portarias dos Frades na hora de jantar, e ainda o que se vê, e admira, é o menos.... Haja vista aos remédios que se distribuem gratuitamente das suas boticas para os enfermos necessitados, haja as avultadas porções de alimentos que saem para muitas pessoas honestas e recolhidas; e se pudessem ver-se outras esmolas feitas no espírito do Evangelho, sem a esquerda saber o que faz a direita; esmolas não só das comunidades, mas também dos particulares; esmolas, que tantas vezes arrancam a pobre donzela das garras da indigência e do demónio, e livram a triste viúva de ver expirando à fome os seus queridos filhos... apareceria uma soma de benefícios capaz de impor silêncio aos maldizentes, e aos Pedreiros....

Mosteiro de S. Cruz de Coimbra, eu desafio todas as Casas Seculares, e Episcopais deste Reino para me apresentarem um só rival que chegue a ombrear contigo, e só me daria por vencido quando se pudesse mostrar, o que é impossível, que tu não és como o primeiro delegado da Providência na Cidade que te conhece te respeita, e que te professa um amor tão justo como encendido!!

4ª Ciência

Os Frades não sobressaem em todas, porque os não deixam matricular em todas. - Fossem Canonistas, e Legistas, assim como são Teólogos, e veríamos... Que progressos não fizeram na própria Faculdade de Medicina os Frades de S. João de Deus, enquanto lhe não fecharam a porta!! Se lançarmos uma vista de olhos para a Ciência que menos tolerava admitir Frades no seu grémio (que a dizer a verdade nem Rogério Boschovich era para a indispor contra os Frades, nem ao seu Criador neste Reino se podia tirar a nódoa Jesuítica) veremos que sendo necessário dar-lhe impulso e vida, entram nela um Frade Bento, um Frade Grilo, e um Frade de S. João de Deus.

Não me foge ao concluir, uma certa objecção que algum dos que presumem de oculatíssimos poderá fazer-me, e é que injuriei o Clero Secular no que tenho expendido!!! Olhe, meu tolinho, meu Pedreiro disfarçado, fiz ao Clero onde conheço muitos, e mui virtuosos Membros, e onde conheci e tratei de perto um D. Manuel de Aguiar, a mesma injúria que podia fazer aos Frades, quem ao ver o estado actual das nossas Missões Americanas se pusesse a gritar. Enfim venha quem vier... só Jesuítas faziam aqui milagres.... tudo aqui mostra e confirma, que Deus Nosso Senhor roborou a sua Igreja com o subsídio que lhe trouxe o glorioso S. Inácio.

Sobre Frades essenciais ou não essenciais à Igreja, sobre o não haver Frades na Igreja Primitiva, e sobre a propriedade nacional dos bens Fradescos, ainda se falará conforme a importância do sujeito, mas importa agora combater mais directamente os Pedreiros Livres.

Conclusão

O Despotismo é sempre abominável para mim, que lhe professo aquele horror, para que a razão e o Evangelho de sobejo me autorizam.

Quer ele me apareça vestido de farrapos constitucionais, quer de fardas azuis, ou vermelhas ricamente agaloadas, quer de púrpura, há-de ser o eterno sítio da minha indignação, e do meu desprezo. Nunca hei-de fazer tréguas com ele, ainda que me seja necessário mudar de pátria.... Por dois instantes, que me restam para viver, confio em Deus que me assistirá com os seus dons para nunca desmentir o meu carácter, e os meus princípios. Em França há Monges de S. Bernardo, e é quanto basta para quem não quer mais nada deste mundo.... Ninguém pois se deve ter por mais autorizado que eu para ser um eco da pura verdade.

Quando acabaram de crer os Reis da Europa que sobejas vezes têm sido enganados por seus Ministros, infames adeptos do Maçonismo, que tudo é carregar sobre os Frades, arrancar-lhes até os olhos da cara, enquanto eles se tratam à grande, e levantam casas mui opulentas à causa de uma venalidade, que seria indecorosa nos próprios gabinetes de Nero, e Calígula? Que serviços tem para alegrar as suas respectivas nações, que eles fizeram governar por Ateus, e Pedreiros Livres, dando-lhes os empregos mais honrosos e lucrativos, e porventura assinando a condição sine qua de ser Pedreiro Livre para entrar nos Ministérios Eclesiásticos, e Civis? Homens grimpas, e versáteis como as suas ideias ambiciosas, que só estas fazem a mola real de todos os seus procedimentos, são de ordinário os primeiros, que, fechando as bolsas quando se trata de acudir às necessidades da pátria, tudo é denunciarem os bens dos Frades, que muito embora pereçam de forme, em paga de terem sustentado o peso da indignação maçónica!!

Não é de presumir que entre nestas generalidades o Rei de Portugal, que tem um Soberano cordial amigo dos seus Povos, e sinceramente apegado às instituições antigas, e que (eu o afianço aos bons Portugueses) não ama os Pedreiros Livres, como se irá vendo cada vez melhor pelo decurso dos tempos. Ninguém sabe melhor que ele a que ponto subiram nesta época os sentimentos de lealdade nas Ordens Religiosas.... Quem premeia largamente os que só por breves horas desembainharam a espada a favor da Monarquia, não terá ânimo de castigar as Ordens Religiosas, por lhe terem sido extremamente fiéis, e por terem passado três anos de mortal agonia sempre com o cutelo na garganta, e prontas para o extermínio, para a desolação, e para a morte, o que lhes seria mais doce, que o apostatarem da fidelidade ao Trono. As Ordens Religiosas acham-se de todo exaustas; os povos ou foram exonerados pelas Côrtes de pagarem metade, ou para melhor dizer tacitamente o foram de pagarem um só real que fosse, pois a tanto chegaram os extremos do ódio, e da perseguição! (*) Gravalhas, e oprimi-las de novo será o mesmo que condená-las a um género de morte por ventura mais consumidor e mais tirano, do que esse que ameaçava infligir-nos o Sistema Constitucional; e aliviá-las será dar um devido prémio por sua fidelidade à Religião e ao Trono, e pelas injúrias e perseguições, que resignadamente sofreram: daqui resultaria uma grande utilidade pública, e um grande aumento à defecada agricultura, que assim como tem encontrado nos claustros o seu maior progresso, acharia também agora neles o seu restabelecimento; aliás virá a sentir em muitas Províncias as convulsões de um moribundo, com notável prejuízo do Reino: o que será um tremendo golpe sobre o mais interessante ramo da opulência nacional.

(continuação, VI parte)

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