25/01/18

O PUNHAL DOS CORCUNDAS Nº 6

O PUNHAL DOS CORCUNDAS

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Nº. 6
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Ostendam gentibus nuditatem tuam

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O SIGILISMO

Quem zomba e escarnece das próprias armas, que só de vista afugentam o Demónio, é certamente pior que o Demónio.

Atqui od Liberais e Pedreiros zombam e escarnecem das próprias armas que afugentam o Demónio, isto é, do sacrossanto e adorável Estandarte da Cruz...

Ergo

Os Liberais e Pedreiros são piores que o Demónio

Da proposição maior ninguém duvida, excepto os que sobranceiros à crença do vulgo, não admitem coisa alguma que cheire a substância espiritual, e que se dariam por envergonhados se fizessem o sinal da Cruz, a que os tais meus Senhores têm substituído um gestozinho de enxota moscas, por certo o mais galante e o mais expressivo da sua íntima, cordial, e fervorosa devoção.

Temos em Portugal uma cidade, antiga Côrte dos nossos Reis, e ilustrada para todo sempre, não só pelo grande nome do imortal Capitão e Alcaide Mór Martim de Freitas, mas também pelos seus leais habitantes, que se o não fossem, que poderia concluir o Freitas, vendo-se em aperto, e sozinho contra os soldados de ElRei D. Afonso III! Berço de indignes Varões em todas as idades da nossa Monarquia, também o foi da gloriosíssima revindicação da nossa independência em 1385.... Assento de uma Universidade das mais célebres da Europa, e que à maior parte delas há cedido alguns dos seus conspícuos e egrégios Professores.... Coimbra finalmente é quem há de acudir-me com as mais terminantes e decisivas provas da menor; mas importa fazer primeiro uma separação mui essencial a quem não se propõe fazer ataques directos e pessoais... que só eram lícitos, e sancionados em o primeiro Diário do Governo, durante o regime constitucional!!

O Corpo Docente, ou dos Lentes da Universidade, é por ventura o mais aferrado às instituições antigas, o mais adido à Casa Reinante, herança esta dos abalizados Mestres, que em 1580 no meio do estrondo das armas sustentaram quase firmes e inabaláveis colunas o direito da Sereníssima Senhora D. Catarina, e o mais oposto às novas instituições, que lhes ofereciam manifestamente o cunho da mais descarada e insolente democracia....

Nessa parte eu folgo de o tratar com a imparcialidade e justiça, de que ele se faz credor; e seria o cume da sandice e da maldade, se um corpo incessantemente favorecido por ElRei Nosso Senhor se tivesse mostrado ingrato e rebelde. Fiquemos nisto para sempre. Todas as vezes que eu censurar ou estranhar alguma coisa pertencente à Universidade, terei somente em vista as doutrinas, e raríssimas vezes os homens; pois dos que seguiram com ardor e entusiasmo a causa liberal posso dizer com toda a verdade:

Apparent rari nantes in gurgite vasto.

Ora em Coimbra há meses a esta parte declarou-se uma febre ou febrão constitucional, que logo no primeiro dia chegava os enfermos a uma completa indiferença para tudo o que mais deve interessar um Cristão, e um maníaco e insanável furor de atacar as superstições, que na linguagem Pedeiral soam largamente, e compeendem desde as genuflexões e sinal da Cruz até ao Mistério da Santíssima Trindade, e da Redenção do homem feita por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Surdio como por encanto neste recém-passado Maio (tempo bem azado e próprio!!!) uma cáfila de excelentes Periódicos, Liberais, onde sobressaiam as redundâncias do talento por ventura capaz de segurar na queda o grão sistema, se o pobrezinho depois que se lhe aplicaram esses malditos cáusticos de Verona (caso triste, e miserando!!) não prometesse a toda a hora favorecer-nos com a sua ausência, ou precipício nos quintos infernos....

Tem a mesma data o sucesso horroroso, e nunca visto em Portugal desde que é Reino livre e independente, e que só teria lugar sob a dominação Mouresca, e então mesmo seria despido dos graus de malícia, de estudada e sistemática perversidade, que marcaram e distinguiram a coroa, e o remate das obras constitucionais, ou tenebrosas, posto em Coimbra a três de Maio....

Nenhum Cristão ignora que esse dia é especialmente consagrado à Invenção da preciosa Cruz do Salvador, feita por mandado, e diligência da Imperatriz Mãe do grande Constantino.... Já houve na mesma Cidade exemplos de insulto e desacato a várias Cruzes de pedra, que nesse tempo se julgaram efeitos de loucura ou bebedice.... porém nunca houve nem se temia que houvesse uma inteira demolição e destruição de todas as Cruzes existentes na Cidade e suas mais próximas cercanias. Era uma glória justamente reservada para os tempos constitucionais! É de advertir que uma pessoa temente a Deus, e mui devota das Almas do Purgatório, fizera erigir muitos Calvários de pedra nas diferentes saídas de Coimbra, e por sinal que importou cada um em 4:800 réis de despesa, que não faltará em Coimbra quem os tivesse por mais bem empregados em algum destruidor de Cruzes; mas o certo é que a obra se concluiu à medida dos desejos de quem podia gastar com quisesse o quera seu, e que não foi roubado à Nação.

Já por vezes a impiedade rangera os dentes... e muito duraram as Cruzes para a vontade que lhes tinham estes seus endiabrados inimigos. Não é nada, aprontar-se a falange infernal, por ventura ao mesmo ponto em que saía das lojas.. desesperada e sedenta de estragos... repartem-se os vigilantes, e mais quadrilha, poem mãos à obra... e na manhã seguinte fica a Cidade tão pasmada como estremecida de que os raios do Céu não caíssem imediatamente sobre ela, para lhe infligirem o castigo, que por muito menos tiveram de padecer as cidades enterradas no Lago Asphalites!!! Foi tal a consternação, que dificultosamente poderia caber em linguagem; e só quem a viu de perto, quem examinou o próprio teatro de tão inaudita como nefanda perversidade, é que poderia, mais à força de lágrimas que de vozes, expor dignamente o susto que se apoderou dos habitantes de Coimbra, apenas viram o que nunca imaginaram ver!!

Logo se viu que falhara a Tentativa Maçónica para desapegar os povos da sua confiança nos Mistérios e prerrogativas da Cruz; e mais de um juízo atilado prévio que era chegado o prazo final da audácia, ou da impiedade Maçónica.. E se o povo de Coimbra se limitou a bramir contra o execrável atentado, e não rompeu logo em outras demonstrações do seu ódio figadal ao Liberalismo, é por ser Cristão.. Sobejava-lhe o valor para esmagar os tão débeis como impuros sustentáculos do Maçonismo; porém sobejando-lhe igualmente a discrição para ver que a espada da Lei é a única, que sem perigo de se ultrajar o Senhor da vida e da morte, ou de se perturbar o sossego público, se desembainhará oportunamente contra os fautores, e instigadores de tais excessos.

Creio que não há mais que desejar para que fiquemos certos, e mui certos de pedra e cal (certeza bem própria de quanto se trata de Mações), que estes, e só estes monstros, por extremo fiéis ao antigo decreto de esmagar o infame (Esmagar o infame - é a divisa dos veneráveis Mestres Voltaire, Alambert, Rei da Prússia, etc., etc., etc. Um campanudo Mestre da Universidade entende por este infame, não a J. Cristo, porém o fanatismo.... Para perto se mudou. Aqui fanatismo em linguagem corrente de toda a correspondência de Voltaire é a Superstição Cristícula ou Religião Católica... Ergo... Fique para outra vez a conclusão, que será de levar couro e cabelo, quando se lhe juntarem as provas da Teologia de Voltaire), traçaram e executaram o plano de atirar ao chão, e destruir todas as Cruzes.... que se fazem o terror, e o espanto dos demónios, acharam desta vez outros piores, que levaram uma noite de fio a pavio só para darem cabo de tantas Cruzes.

Se algum Campeão dessa ainda há poucos dias formosa Dulcineia me quisesse argumentar que eu uso do sofisma - non causae pro causa - que misturo alhos com bugalhos, e que confundo com a Divina Constituição os abusos que se fizeram dela.. respondo facilmente.. Onde só há erros e abusos inumeráveis de tal porte como esses que acabo de referir, e nenhum bem que valha trinta réis, está demonstrado invencivelmente que a causa, de que tanto se abusa, não só é má, porém abominável e péssima....

Não resmungueis; senão empurro-vos a infalível autoridade do vosso Evangelista Rousseau, e ficais aí de queixo caído.

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LISBOA: NA IMPRESSÃO RÉGIA. 1823
Com licença da Real Comissão de Censura.

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