30/05/17

IMAGEM PEREGRINA - MARAVILHAS NA DIOCESE DA GUARDA - 1950 (II)

(continuação da I parte)
 
Gouveia
Transcrevo do título "O nobre exemplo de Gouveia - Uma procissão de 2 horas, sob uma chuva torrencial":

"Badalaram as onze da noite.
A escuridão é espessa, impenetrável.
Do Céu cai chuva copiosa, que inunda as estradas e os campos.
Que fará Gouveia que se aproxima? De longe, ao subir a rampa que leva de Vinhó a Gouveia, dir-se-ia, que a vila-fábrica, tão agitada sempre no tumulto das suas máquinas, da sua população trabalhadora, dormia calma, alheia à visita que iria receber. Breve se dissipou a ilusão. um grupo de morteiros mostrou que Gouveia velava, e pouco depois, Gouveia surgia, na agitação tumultuosa da sua ansiedade e do seu fervor. Ali, aos balcões, ao limiar do seu casario, Gouveia está em peso, com suas autoridades, com seus patrões, com os seus operários, com o seu comércio, com os seus lares. E lá dentro, apenas luzes, muitas luzes, flores muitas flores, arcos, legendas, uma decoração e uma iluminação eufórica.
A empresa que fornece a luz electrica declarou que ninguém pagaria a luz daquela noite, que podia toda a gente gostar a que quisesse. Essa seria a homenagem da empresa a Nossa Senhora! E Gouveia foi toda uma mancha branca a esgarçar a treva daquela noite tão escura no espaço como branca nas almas. Chovia, chovia sempre. Mas as manifestações continuavam, cheias de ardor, com fé e entusiasmo, como se a luz do luar de uma noite calma e acolhedora, caísse, doce e meiga, sobre Gouveia. E lá vai a Senhora na sua berlinda, para que a chuva copiosa a não molhe. E a chuva não cessa, nem os cantos, nem as aclamações. Cresce a chuva não cessa, nem os cantos, nem as aclamações. Cresce a chuva e cresce o entusiasmo, num desafio dinâmico. Mas um momento, a chuca, como querendo dar ao fervor das almas o último desafio, desatou a cair a potes, em catapultas. Dir-se-ía que as fontes do céu se haviam rompido e uma tromba de água contínua desabava sobre a terra.
A estrada fez-se ribeiro e todos caminhavam encharcando os pés e as cabeças. Quem recua?
Ninguém. Quando a chuva é mais abundante, verdadeira cascata, um grupo de homens, com aplauso da multidão, faz parar a berlinda, arranca dela a imagem, coloca-a sobre os ombros, e, com cânticos mais ardentes e aplausos, prossegue a procissão, sob a mesma fúria da chuva, que logo abrandou ....
E foi assim, sob chuva copiosa, que a Virgem Peregrina prosseguiu durante duas horas, pelas ruas da vila, cuja população a seguir, sem afrouxar no seu ardor e na suas manifestações. Não cremos que prova de Fé, mais viva, mais impressionante se tenha dado ou venha a dar-se no decurso da peregrinação de Nossa Senhora em qualquer outra parte do mundo.
Poderia esperar-se que, chegando à igreja, a turba debandasse a tomar roupa seca, enxuta. Pois não. A igreja encheu-se de lés a lés e, com o padre Marcos no púlpito, a rezar, a pregar, a cantar, a turba ficou a pé firme até de manhã.
Quando o sol começa a espreitar Gouveia por entre nuvens que forravam o céu, Gouveia estava aos pés de Cristo: - uma comunhão, que se avalia feita por mais de um milhar de pessoas. O capuchinho Vilas Boas preparara as almas e as almas responderam ao apelo do Céu. Todos os actos do programa da manhã correram com devoção e brilho. A nota destacante da jornada foi a Missa Campal. Não é fácil descrever essa magnificente manifestação. Umas vinte mil pessoas se juntaram naquele vasto campo, que sobe da avenida para o Senhor do Calvário, ao alto do que se erguia o altar do Sacrifício.
Momento a momento, a turba engrossa e todo o amplíssimo recinto se enche completamente de uma multidão copiosa e ondulante. Erguem-se bandeiras ao céu, trovejam as aclamações, rasgam-se cânticos de piedade. A multidão reza, canta e espera.
Ao lado, um friso comovente de doentinhos: crianças, adultos, velhos - gama impressionante de todas as misérias. Mas a turba não cessa de rezar nem de cantar. E a missa começa, dialogada, através de altos falantes no meio de uma ordem e compostura edificantes. Poucas vezes temos visto a massa da população, que em verdade estava ali Gouveia em peso: uma lição a colher e guardar para tanta coisa que é preciso que se faça com urgência. (...)
E foi depois a consagração da vila e do Concelho a Nossa Senhora, feita pelo ilustre Presidente da Câmara (...), entregando no coração de Nossa Senhora os destinos de todo o Concelho, para quem pediu as melhores graças e bênçãos. E logo se procedeu à bênção dos doentinhos (...)
A meio da piedosa cerimónia, correu um alvoroço pela multidão. Uma criança doente teria recuperado a saúde. Não obtivemos mais notícias do acontecimento.
Mas para tornar grande e histórica aquela jornada gloriosa, não precisava Gouveia de outro milagre que o da sua presença em apoteose aclamadora, naquela montanha sagrada. (...)
Se é verdade que português igual a católico, com igual verdade, português igual a devoto de Maria, até porque, nessa devoção bem compreendida, está toda a economia da Redenção. (...)
O cântico do adeus, com a revoada de lenços que se agitavam em sentimento comunicativo, explica bem as lágrimas que de tantos olhos caiam em catadupas. E já a Senhora descia a rampa para Rio Torto e ainda, lá cima, os lenços, em adejo ardente, se agitavam em saudade.
 
[em continuação veremos com em Celorico Nossa Senhora recebe as Chaves da vila]
(continuação, III parte)

2 comentários:

Cláudia Arruda disse...

Salve Maria.

Todo o texto é um exemplo.Mas a atitude da empresa, comove :"A empresa que fornece a luz electrica declarou que ninguém pagaria a luz daquela noite, que podia toda a gente gostar a que quisesse. Essa seria a homenagem da empresa a Nossa Senhora!"...

anónimo disse...

Cara Cláudia,

obrigado por comentar.

Sim sim ... nesse tempos era assim. Ainda há empresários que em ocasiões idênticas são generosos... o problema é que a Fé nesse tempo, indo com muito balanço emocional, acabou por não se deter perante os subtis erros que lhe foi colocada na frente por meio dos próprios pastores. Ignorância? Mais que isso: engano induzido de alto para baixo.

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