22/03/17

"A VERDADE" - II - O Ignorante Avilta, e Não Define o Homem

II
 
O Ignorante Avilta o Homem, Porque o Não Sabe Definir
 
Muitos génios, para se mostrarem Filósofos [Iluminismo], no século que expirou, com a mira de apagarem a ideia de Deus, que é por si mesma indelével, procuraram degradar o homem, aviltá-lo, e confundi-lo com os animais tão diversos da sua espécie. Disseram que era uma pura quimera a liberdade [verdadeira liberdade], a espiritualidade, e a imortalidade da alma. Aos olhos destes orgulhosos o homem não é, mais que uma porção de matéria organizada, a qual vive, sente, e pensa em virtude de sua mesma organização. Entre o homem e o bruto, que os distinga mais, do que o do maior, ou menos instinto. Quando a organização se desconcerta, e destrói, e cessa sua actividade, cessam então as operações do homem. Então deixa o homem de existir, e depois dele não fica mais, que um confuso resto de matéria. Quem se não sente abrasar de indignação, e cólera escutando máximas tão extravagantes? Eis-aqui a nova Filosofia empenhada em fazer que o homem seja um bruto, a despeito de íntimo sentimento, que a todos faz conhecer a própria imortalidade. Filósofos rivais de Circe: sonharam os Poetas que esta Fada, filha de Jove, mudara a Scylla num monstro marinho, e os companheiros de Ulisses em várias espécies de animais imundos. Antes sofrermos esta metamorfose, observemos se naturalmente conste que a alma seja livre, seja espiritual, e seja imortal. Para chegarmos à demonstração mais fácil desta verdade, não abusando da razão, examinemos como se haja definido o homem em estado natural. O homem nasceu para a sociedade, e não para os bosques, e foi destinado a viver com os seus semelhantes, não de qualquer maneira, mas em ordem, em tranquilidade, em comércio: todos os socorrem em suas precisões, como ele tem também a índole, e a tendência de socorrer os outros.

Se a sociedade foi sempre um caracter essencial à humanidade, com razão se devem chamar desumanos pensadores aqueles, que se fingiram o homem material, e só superior aos brutos pela capacidade, e sociável por conveniência, ou por convenção de encontrar um repouso ideal! Imaginar homens selvagens, é supor seres degenerados do natural instinto de homem, que vivem contra a sua destinação; homens, que são a ruina, e degradação da espécie humana, mas que o simulacro vivente de sua infância. Séneca, indignado contra os que loucamente filosofando sobre a natureza do homem o aviltavam para o definir, e o comparavam ao bruto; Tirai, lhe diz, a sociedade, vós destruireis a ideia que temos da sapiência, e santidade do Criador, nem se podem combinar de modo algum com a ideia que temos da sua bondade. Que deverá pois dizer a Revelação para satisfazer o humano entendimento? Eis aqui como se explica: Se o homem é tão infeliz, é preciso dizer que há algum delito, que o torna culpado desde seu nascimento, e que haja viciado sua mesma origem, e pelo qual seja condenado aos diferentes géneros de penas, e misérias, a que se chora sujeito. Sem isto não se conheceria a bondade do Criador. Não é mais que o Dogma do pecado original, que nos subministre o meio de resolver tão grande dificuldade. A razão nos subministra luzes para presumimos este dogma, e a revelação o desenvolve clarissimamente. Deus criou o homem recto, e num estado de natureza sublimada pela graça; a inocência, justiça, e isenção de todos os males teriam sido suas propriedades: este homem assim enobrecido desobedeceu a Deus pelo pecado, e nenhum instante se corrompeu a natureza. Fica envolto na ignorância, fica assaltado da fraqueza, e enfermidade; teve nele preponderância a inclinação ao vício, e foi estipêndio de seu pecado a mesma morte, a que ficou irrevogavelmente sujeito. Desta arte a Fé instrue a razão, e amestrando o Filósofo, lhe ensina a resolver as dificuldades, que em vão com o próprio entendimento procuraria destruir.

(índice da obra)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES