17/03/17

15 de MARÇO - AGIOLÓGIO LUSITANO (II)

(continuação da I parte)
 
D. João II
f) No Dominicano convento de Azeitão, se perpetua a lembrança do Pe. Fr. Luís da Cunha, irmão do Camareiro mór DelRei D. João II que renunciando às honras, e postos do mundo, se consagrou ao divino serviço na religião dos Pregadores. Este fez tais progressos na virtude, os anos que viveu nela, que chegou a ser um non pusultra de humanidade, exercitando-se sempre nos mais baixos ofícios, e abatidos actos da comunidade, tendo por honra grande, andar de porta em porta, pedindo esmola, e o mais, que era necessário para sustento dos religiosos das casas em que morava, trazendo às costas tudo o que devotos lhe davam, com muita alegria. E posto que era dedicado, e de fraca compleição, por maior, e mais pesada que fosse a carga, e o lugar donde trazia distantíssimo, a ele lhe parecia sempre muito pequena, leve, e o caminho brevíssimo. Morando uma vez em Benfica, sucedeu vir da esmola do vinho mui cansado, a tempo que se achava ali o dito Rei com toda a Corte, que se não quis ir sem o ver. E aquele que dante era dos mais briosos, que entravam em palácio, não no perturbando agora a presença Real, entrou confiado com odre quase cheio aos ombros, de que se edificou muito ElRei, e os fidalgos ficaram todos admirados, seu irmão tão envergonhado, e corrido, que soltou contra ele algumas palavras descompostas, que foram mui estranhadas. Mas o bom Padre com os olhos no chão, e uma paz de alma, lhe respondeu: Irmão meu mais prezo a mercê, que Deus me fez, em chegar a servir humildemente tão santa gente, como nesta casa mora, do que vós podeis estimar, de mais do serviço do Rei da terra, todos os faustos, e grandezas da Côrte, que lograis. Disse então ElRei D. João (como prudente, e santo): Sabeis Pe. Fr. Luís, que obra é esta, que quero que partais comigo do merecimento dela. Chegando logo ao odre, aplicadas suas reais mãos, lho ajudou a levar da Portaria até à Adega. Honrando com este heroico acto de humildade a religião, abatendo a soberba, e vaidade humana. Nestas obras, e noutras semelhantes o achou a morte ocupado, alcançando por tão soberanos meios a salvação, pois esta o trouxe ao seguro porto da religião.
 
- do comentário:
O mosteiro de N. Senhora da Piedade [ver também aqui] de Azeitão da Ordem dos Pregadores, na diocese de Lisboa, fundou-se por ocasião do grande estrago, que fez a peste em Portugal, reinando D. Duarte. Foi o caso, que um vassalo seu, chamado Estêvão Esteves, Cavaleiro rico, e bem herdado, discorrendo pela memória o fim incerto de tantas almas, quantas acabaram ao desamparo na frágoa daquele mal tratou de renunciar as mundanas pompas, e fazer a Deus, e à dita Religião herdeiro de todos seus bens, edificando um convento, em que se consagrasse ao divino serviço. Comunicados tão pios, e generosos intentos com sua mulher, ela como virtuosa, houve mister pouco para a persuadir. Dada conta então ao religioso Pe. Fr. João de St. Estêvão, Confessor da Rainha D. Leonor, lhe pareceu de rosas, o qual fazendo logo saber a ElRei D. Duarte, prometeu o necessário para a obra. E como se não podia efectuar sem pública doação, a fizeram os ditos casados de mão comum a 15 de Setembro de 1434 por virtude da qual tomou logo posse o Prior de Benfica Fr. Mendo. Fez-se a fundação em uma Quinta do Dotador, a que se lançou a primeira pedra, dia de N. Senhora do Ó, do ano seguinte, presentes os mais autorizados Padres da Observância: ficando a obra correndo dali em diante por conta da fazenda real, a que ajudava com particulares esmolas a Rainha, dando-se tal pressa à fábrica, que em breve avultou muito. Os primeiros, noviços foram o dito fundador Estêvão Esteves com dois filhos, e um sobrinho. E sua mulher Maria Lourenço com duas filhas (à sua imitação, e exemplo) entraram no mosteiro do Salvador de Lisboa. Mas enquanto se trabalhava, no que era pedra, e cal, não se descuidava o novo Prior do edifício espiritual, porque não só ia, mas mandava seus frades pelos lugares, e aldeias vizinhas, a doutrinar, e ensinar aos rudes o caminho da salvação. Neste tempo morreu ElRei D. Duarte apressadamente, ficaram filhos meninos, recresceram dúvidas sobre a tutoria deles, e governo do reino, procedeu delas desgastar-se a Rainha, deixar terra, casa, e família, e levar consigo a Fr. João, seu Confessor, sentindo o edifício (por então) o desfavor de tempo. Mas depois seguiu o próprio espírito ElRei D. Afonso V seu filho, que entre outras mercês, que fez a esta casa, foi dar-lhe três moios de renda nos fornos de Palhais, e assim mesmo o dinheiro para os carretos, confirmando as doações, que lhe tinham feito ElRei D. Duarte, e a Rainha D. Leonor, ordinária certa de 40 religiosos.
Teve tão grande opinião esta casa entre todas as da Província na observância de suas Constituições, que no Capítulo, que ela celebrou no ano 1532 se mandou: Que em tal e tal convento se viva como neste de Azeitão, e se guardem as Constituições, como nele se observam. Grande louvor desta casa! E não tenho por menor, provê-la o céu milagrosamente no ano 1556 pois havendo grande fome, assentados à mesa os religiosos, sem terem bocado de pão, confiado o Prior Misericórdia divina, não deixava de orar, quando tangeram à companhia, aberta a porta, acharam dois cestos de pão formosíssimo, sem se saber nunca, quem os trouxera, com que satisfizeram a fome, louvando todos a Deus, que teve cuidado de prover a seus servos. Entre outros muitos, e mui abalizados em virtude, que teve esta casa, achamos feita memória do Pe. Fr. Luís da Cunha, que faleceu em tempo DelRei D. João II de quem escreve Lopes na p.3 das Chr. gerais (l.2 c..37) e Sousa na p.2 das particulares desta Província (l.4 c.5).


g) Em Londres, Côrte de Inglaterra, o término dos gloriosos trabalhos de António Fogaça, Português, homem nobre, e zelador ilustre da Fé Católica, pois na persecução de Henrique VIII não só foi preso por ela no Castelo daquela cidade, padecendo por dois anos rigorosa prisão, com admirável sofrimento, e alegria, mas trateado muitas vezes gravemente, até que próximo à morte, houve ordem para que os Católicos escondidamente o levassem em uma liteira fóra do Castelo; porém como era já muito velho, e as forças totalmente gastadas dos tormentos, em poucos dias debilitado, placidamente exalou o espírito, não perdendo por isto, o feliz mérito, e auréola de Mártir.
 
- do comentário:
O Reverendo Nicolau Sandero no fim do Cisma Anglicano, in Diário rerum gestarum in turri Londinensi, faz ilustre menção de António Fogaça, nosso Português (a quem não sabemos a pátria [lugar do nascimento], e menos o motivo, que o levou àquele reino, onde faleceu a 15 de Março no ano 1587) por estas palavras; Antonius Fugatius Lusitanus nobilis, insignis pro fide Catholica zelator post duorum annorum incarcerationem, et gravíssimos equulei toleratos cruciatos, cum mortii esset propinquus (senex enim erat, et tormentis diffractus) lecticia clam emissus, paucissimis post diebus animam Christo reddidit.

(a continuar)

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