22/02/17

CONTRA-MINA Nº 21: O Clero Constitucional de França (II)

(continuação do I parte)
 
Pondo agora de parte os casos lastimosos, e terríveis, já de um Fauché intruso de Calvados, desatinado pregador da Lei agrária, e até da indiferença em matérias de Religião, e blasfemo transtornador das Sagradas Letras; já de um Expilli intruso de Finisterae, sagrado pelo Bispo de Autun, sem licença do Ordinário, sem instituição Canónica, sem confissão, ou protestação de Fé, sem os juramentos do estilo, etc., etc., que foi o primeiro Pároco, que desertando de sua Ordem, passou a unir-se com o Braço Popular nos Estados Gerais, e depois de milhares mesmo, que tinham poste sobre as nuvens o seu raro Patriotismo, teve de sofrer a mesma pena; já de um Saives intruso de Poitiers, servido de morte súbita em o próprio acto de subscrever um interdito contra os Sacerdotes fiéis à voz de suas consciências; já de uma Jales, Pároco no Poitou, que fora dos mais ardentes Procuradores da observância da Constituição Civil do Clero, e que morreu de repente, e de um modo pavoroso; já de um Manjard, Paroco de Barajols, um dos que primeiro juraram aquela Jansenística, herética, cismática, e detestável Constituição, e que se deitou em Paris de uma janela abaixo; já de outros muitos, que por brevidade omitiu, demorar-me-hei um pouco, segundo as minhas promessas, com um dos mais façanhosos Bispos Constitucionais, a saber, Mr. Torné, que tinha adquirido seu nome em a República Literária, como se pode ver no Curso de Literatura de Mr. de la Harpe, e de que facilmente podem julgar muitos, dos que têm lido, e pode ser que aproveitado as suas Orações Sagradas, que se encontram em todas as Livrarias deste Reino. Deixarei falar a este propósito o já citado Bispo de Troyes, que é sem controvérsia um dos mais eloquentes Oradores deste Século XIX:
Já que nos ocupamos (diz ele) em remexer o lodo da Igreja Constitucional, digamos uma palavra a respeito de Pedro Torné, Bispo Constitucional, e chamado da parte de Camus (Letrado Jansenista, que fez a Constituição do Clero), Metropolita do Centro, a quem acharam morto na cama há poucos meses. De todos os fenómenos de perversidade, que nos oferece a Revolução, Torné é um dos mais incompreensíveis. Viu-se um homem, que fôra bem criado, fazer-se um tigre; e viu-se igualmente um Sacerdote, que vivera largo tempo em uma Congregação acreditada, arrastar-se vilmente por todas as cloacas do Sans-cultotismo; e um homem, que anunciará o Evangelho com tanta dignidade, fazer-se o pregador de assassínios, e do Ateísmo; um velho quase octogenário prostituir-se aos mais vergonhosos extremos de devassidão; e já com os pés na cova fazer grandes crimes em ar de brincadeira. Desde que apareceu a Constituição Civil, tão pouco se persuadiu, de que ela havia de regenerar a Igreja, que se aprontou logo para a defender, como que achava nela mais um meio para sinalar a sua impiedade, até aí reprimida pelo receio, e pejo. Casou muitos Sacerdotes, e ordenou de Sacerdotes muitos homens casados. Foi o primeiro, que na Assembleia Legislativa despiu o Traje Sacerdotal, e que à imitação de Caifás rasgou os vestidos, que não merecia trajar; foi o mais empenhado na profanação dos Templos, o mais desenvolto em abjurar o Sacerdócio, o mais ardente em perseguir os Sacerdotes, querendo ao mesmos servir-lhes de carcereiro, quando não podia exercer para com eles o mister de carrasco. É para confundir, e humilhar a vista de tal abatimento da natureza humana, e a certeza de que estamos todos sujeitos a cair em tão deplorável estado. É todavia necessário, que tudo isto se descubra para ensaio das idades futuras; é necessário, que se diga, para que o seu nome exarado no pelourinho da infâmia seja execrado, assim como a sua memória, até à mais remota posteridade. Debalde quererão objectar-nos a glória da Igreja, e o decoro da Religião... Que podem fazer contra a glória da Igreja as abominações de um homem, que tinha deixado a Igreja? Que perigo pode ter o decoro da Religião, se contarmos o opróbrio de um Sacrílego, que pôs de parte a Religião, ao passo que também se punha de parte a si mesmo? Ah! Só a Filosofia é que periga nestes lances, pois este miserável era Filósofo, e por isso é que saiu assim; que nem ele seria tão abominável, se nunca tivesse jurado as Bandeiras da Razão; e por certo, que nunca se abalançaria a tão horrendos excessos, se a Moral dominante, e os princípios monstruosos da Filantropia da moda, o não tivessem contaminado, e estragado. Prodígio de maldade, Pedro Torné foi também um prodígio assombroso da vingança Celestial. E quem deixará de conhecer, nesse género de morte, a Mão de Deus, que por efeitos de um juízo terrível não lhe deu tempo de cair em si? Muitas vezes se há de tornado, que os principais autores da Revolução na Ordem Política morreram desgraçadamente quase todos, e outro tanto se pode afirmar dos que figuram especialmente na História do Cisma... Ainda há certamente alguns Constitucionais mui criminosos, e que o Senhor ainda não castigou... mas tremam! O raio, que não cai hoje, pode estalar amanhã... tremerão, ou para melhor dizer, cheguem a cair em si, e a meditar seriamente na desgraça, que os espera, caso não se aproveitem de tão grandes, e terríveis exemplos."
Aqui têm os meus Leitores o belo ideal de uma Igreja construída, e governada pelos Jansenistas, e Pedreiros.  Da rebelião contra o Sumo Pontífice nasceu o desprezo das Leis mais santas, e respeitáveis, e das mais acertadas Providências do Chefe, e Pastor Supremo da Igreja Católica. O Jansenismo, que tinha ensinado, que a Bula Unigenitus não tinha força de Lei, que obrigasse as consciências dos fiéis, iludido facilmente os sábios, e fortíssimos Decretos do Santo Padre Pio VI, que proscrevera solenemente, como obra do engano e das trevas, a Constituição Civil do Clero Francês; o Jansenismo, digo, precipitou a Nação Francesa em todos os horrores da Anarquia Civil, e Eclesiástica; os Jansenistas  são campeões de toda a inovação Política, e Religiosa, nem eles vieram ao mundo para outra coisa; e possuídos de um orgulho próprio de Satanás cuidam, que só eles têm juízo, que só eles sabem revolver os Anais da História do Cristianismo; e tão ansiosos, como os seus bons camaradas, os Pedreiros Livres, acastelaram-se na mesma Praça, buscaram iguais meios para a sua defesa; e assim como estes disseram em Portugal por mais de trinta anos, que não havia Pedreiros, e que este nome era um espantalho para meter medo às crenças, assim também nada há mais vulgar neste Reino (e eu já o tenho ouvido a conspícuos, e abalizados Mestres) com o dizer-se, que os Jansenismo é um mero fantasma sonhado pelos Jesuítas... Sentido com os tais heróis... Nem um só desses Bispos, e Sacerdotes, até agora mencionados, deixou de ser a princípio Jansenista, que este é sempre o vestíbulo do alcáçar, ou masmorra da impiedade... Que tremendas explosões de Jansenismo foram vistas no Salão das NECESSIDADES!!... Quantos Impressos correram, e se divulgaram por Autores Jansenistas contra a Soberania Eclesiástica do Vigário de Jesus Cristo! Já se deitavam os alicerces de uma Igreja Constitucional Francesa, e que fosse o seu melhor, e mais fiel retrato... Não houve descuido em favorecer os impugnadores do Celibato Eclesiástico, que até saíram do próprio seio das chamadas Constituintes!! Um simples Bacharel Repetente Coimbrão ousou publicar em 1822, e nos prelos da Universidade, uma célebre Memória contra o Celibato Eclesiástico, oferecida a um Bispo da Igreja Lusitana, e que pela maior parte não era outra coisa mais, que uma quase servil cópia da Obra Francesa de Mr. Gaudin (Les inconveniens du Pelibat des Pretres). Acrescentou-lhe porém várias espécies, como, por exemplo, uma larga passagem do seu Gmeiner contra aquele Celibato, e outras que tais galantarias por extremo curiosas, e agradáveis aos que ainda hoje guardam em caixa de cedro, e o que ainda é mais, em seu próprio coração os sofismas, e embustes do sobredito, e nunca censurado Livrinho... Chamo-lhe nunca censurado, porque me não consta, que um tão desmedido arrojo fizesse dar um grito às sentinelas da Fé... O caso é que a edição gastou-se, a ponto de que me foi necessário suar, e trabalhar muito para haver à mão este documento irrefragável da íntima aliança dos Constitucionais Franceses, e Portugueses. Tenho para mim que um só Pároco amancebado causa mais graves danos à Igreja Lusitana, do que uma loja inteira, e bem recheada de Pedreiros; e sabendo como sei, que o sobredito Livro, ou Memória é uma espécie de broquel para muitos, que chamam verdade a tudo quanto possa lisonjear as suas paixões, lembro-me de contra-minar os principais fundamentos, em que se estribou aquele estouvado reformador; e apareceram juntamente com eles os Bemvindos, e os façanhosos Medrões, para reforçarem a prova, de que o silenciamento do Clero, e a destruição do Catolicismo são os fins principais, a que se endereçam as fadigas Literárias destes adeptos do Maçonismo, ou do Jansenismo.

Não me foge, que vou incorrer na mais agra, e mais violenta indignação, até dos próprios, que se alcunham defensores do Trono Português... Já estou ameaçado de gravíssimas perdas, e danos... Assim mesmo hei de expor-me de bom grado às incertezas de uma Campanha, em que um silêncio forçado poderá ser o menor castigo da minha temerária ousadia... Desenganem-se por uma vez os Zoilos emissários do grande Oriente de Lisboa, que ainda está em sessão permanente, e que ainda influi pelo menos indirectamente nos destinos de Portugal... Já consegui a maior felicidade, que podia ter neste mundo... Conservo a própria mortalha, de que me vesti na Profissão Religiosa, e com ela desejo, e espero descer à sepultura...

Colégio do Espírito Santo em Coimbra 7 de Maio de 1831

Fr. Fortunato de S. Boaventura

1 comentário:

anónimo disse...

Soubemos ontem de umas certas "movimentações" na França... Para evitar desagrados, informamos que este artigo foi publicado tom TOTAL ignorância dessas "movimentações". Assim é, e não é de outra forma.

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