26/12/16

COMENTÁRIOS IBÉRICOS (I)

Em certo grupo auto-classificado "hispanófilo" até agora houve 55 comentários trocados entre gente de língua castelhana, portuguesa e italiana. Estes comentários formam um todo interessante, de certa forma resumem certos mitos dos militantes da "hispanidad" e a respectiva correcção. Nada mais didático que traduzir-vos estes diálogos.
 
Antes de mais, transcrevo e traduzo o início do artigo que foi depois comentado:
 
"As Falsas Crenças de Que Éramos Colónias
São muitos, muitíssimos, os académicos, letrados e investigadores que ao longo da Hispanidad assinalaram como erro a denominação "colónia", pelo qual pediram a eliminação desta designação, pois cria ideias equivocadas associadas a sentimentos de inferiorização e derrotismo na nossa Consciência Histórica.
Apesar disso, para estar em conformidade com a ideologia política republicana e oficialista que nos supõe uma liberdade social e nacional que até então nunca existira, nos programas oficiais do ensino continuam-nos a impor a palavra "colónia" ao longo da nossa escolarização.
Para esta reclamação documentarmos, nada melhor que ler a aprovação da Academia Nacional de História da Argentina, a qual fez 2 em Outubro de 1948 uma chamada de atenção para que fosse mudada a palavra "colónia" dos livros e da idiossincrasia popular:
"A investigação histórica moderna colocou em evidência os altos valores da civilização espanhola e sua influência para o Novo Mundo.
Como uma homenagem à verdade histórica, corresponde estabelecer o verdadeiro alcance da qualificação "colónia", em certo período da nossa História. (...)"
 
Passemos aos comentários que aqui foram surgindo já muito despegados do artigo, os quais são de proveito. Apenas passarei os comentários de importância dos dois lados da conversa, e traduzo-os. Usarei de nomes fictícios e colocarei de que língua é cada um dos intervenientes:
 
José, Pt. - Caros senhores, não conhecem a história de Espanha? Colón propôs-se em descobrir o caminho marítimo para a Índia, por Ocidente. As NOVAS terras que descobriu não eram verdadeiramente a Índia, equívoco mantido por bastantes anos. Os europeus sabiam que a Índia era uma região de grande civilização antiga e dizíamos então ter cristãos antigos. "A primeira dessas leis é de 1519, emitida para a ilha Espanhola" [aqui comenta o parágrafo do artigo, que é assim: La Recopilación de Leyes de Indias nunca hablaban de colonias, y en diversas prescripciones se establece expresamente que son Provincias, Reinos, Señoríos, Repúblicas o territorios de Islas y Tierra Firme incorporados a la Corona de Castilla y León, que no podían enajenarse. La primera de esas leyes es de 1519, dictada para la Isla Española, antes de cumplirse treinta años del Descubrimiento, y la de 1520, de carácter general, es para todas Islas e Indias descubiertas y por descubrir.] ...sim, para uma parte do território da Índia [ou seja, da Índia da qual se pensava ter descoberto o caminho, a Índia asiática] ... Seria IMPOSSÍVEL fazer de certa parte da Índia [asiática] uma colónia... Entendem!?

Página, Esp. - Na verdade a palavra índio significa habitante de terras longínquias, e destingua-se entre as Índias Orientais e as Índias Ocidentais. No livro " Los Viajes de Marcopolo" fala-se das índias também como territórios longínquos, mas esses territórios podia estar no oriente como no ocidente, contudo para ocidente era mais difícil chegar porque havia que ir navegando e Marcopolo fez a sua viagem por terra. Por fim há que dizer que o estado da Índia é uma invenção dos ingleses no séc. XX.
 
José, PT. - Ignorância!!! ... A proposta de Colón aos Reis foi a do descobrimento do caminho marítimo para a ÍNDIA, por Ocidente. Não existia o nome de "índia ocidental", portanto. Quando Colón chegou à América deu-se oficialmente como tendo chegado à ÍNDIA (na Ásia). Depois da primeira viagem, Colón informou também os reis de finalmente ter descoberto a ÍNDIA da Ásia.
Não ... em castelhano, até ao séc. XVI "índio" nunca significou mais que morador [nativo] da ÍNDIA da ÁSIA.
O nome "índias ocidentias" é uma forma agradável de não dizer a toda a Cristandade "nós, nossos reis de Castela, fomos enganados relativamente ao descobrimento do caminho ocidental marítimo para a Índia etc." ... mais fácil, mantiveram o nome "Índia", mas com necessidade de acrescentar "ocidental".

Página, Esp. - Procura o contrato que Isabel de Castela fez assinar a Colón antes da sua primeira viagem onde se lê "das terras já descobertas".
 
José, Pt. - "das terras"... "descobertas" ... África era conhecida e as Canárias descobertas depois! ... não!? ...
 
[...]
 
Romão, Esp. - Espanha vinha de 800 anos de reconquista contra os muçulmanos. Os territórios que recuperava incorporava-os aos seus Reinos. O salto à África e o posterior à América não era mais que prolongamento daquele espírito de Cruzada e os territórios também ficariam incorporados, neste caso a Castela, como terras da Coroa, mas não como colónias.
 
José, Pt. - Romão, não não ... reconquista de 800 anos!? ... Espírito de Cruzada em África!? ... O caminho marítimo para a Índia por Ocidentes ... era por espírito de Cruzada!? ......

Romão, Esp. - Reconquista (722, batalha de Covadonga - 1492, reconquista de Granada) = 770 anos. Espírito de Cruzada em África sim, assim o afirmou a Rainha Isabel a Católica quando faz ver aos seus sucessores a necessidade de recuperar o território norte-africano, a antiga Mauritânia romana, para a Cruz. E o caminho marítimo para a Índia não era espírito de Cruzada, mas quando os espanhóis chegam à América não se limitam a explorar e fazer escravos, ensinaram-lhes a religião, evangelizam, debatem sobre a alma do índio [melhor, "índio"], outorgam à Igreja um papel fundamental nas novas terras para denunciar os casos de abusos que se cometam... Sem espírito de cruzada a conquista teria sido igual que a britânica, uma campanha de extermínio contra os índios. [...] Pois se não sei história não sei se continuo a ser licenciado na mesma (em Espanha e México) e tendo mestrado em h. contemporânea de Latinoamérica... Suponho que na guerra de 1808-1814 contra os franceses também se recorreu à cruzada, nem a de 1833-1843, nem a de 1936-1939, não?

José, Pt. - Romão "800 años de reconsistas"!? ... ahah Isabel a Católica teve opiniões nem sempre muito católicas! "no se limitan a explotar y hacer esclavos" ... nem nenhum reino católico o fez! [...]
1 - Cruzadas: cruzadas oficiais da Santa Igreja com nome de "cruzadas" no séc. XIX!? Uhmm...
2 - Reconquista de 800 anos: a reconquista não foi feita durante 800 anos, senão que o seu intento ficou [apenas] completo [na Espanha] somente depois de 800 anos (menos de 100 anos em Portugal).
3 - Isabel a Católica manda roubar algumas vezes a Mina em África, em território português [duas Capitanias, uma de Mem Palha, e outra de Jorge Correia]. Até então [Isabel a Católica] não andava pelo continente africano a fazer apostolado.
4 - A intenção do descobrimento do caminho marítimo para a Índia (ásia) por Ocidente não era o da difusão da fé, porque nesse tempo acreditava-se que entre os nativos da Índia (Ásia) havia cristãos. Isabel a Católica tinha por certo que estes seriam CRISTÃO a ser súbditos iguais aos que tinha em Castela etc..
5 - Escravatura: a escravatura era em muitos casos a única forma justa de transferir a barbárie sem direitos territoriais às terras cristãs, para viver como cristãos, que assim teria de socialmente começar por viver por intermédio e responsabilidade de um Senhor (os filhos menores do Senhor, por exemplo, também não tinham direitos sociais territoriais sem ser por via de seus pais). O problema de como os espanhóis olham a escravidão relaciona-se com a crença de que não a praticaram largamente mas que fora praticada largamente pelos outros. Mas... a documentação recém descoberta mostra que Espanha foi a melhor cliente de Portugal e de Inglaterra na compra de escravos para a América.

(continuação, II parte)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Ascendens

Foi verídica a discussão sobre se o "índio" possuía alma?

Cumprimentos,

anónimo disse...

Caro "anónimo"

obrigado por comentar (se puder identificar-se, melhor... nós aqui não mordemos a quem vem por bem etc.)

A situação em que viviam e se apresentavam os índios nas Américas era de tal forma primitiva que a primeira impressão que davam era a de serem uma outra espécie. Em alguns locais haviam tribus que pelas descrições vemos a forma como viviam e aparentavam... Mulheres que viviam com um autêntico emaranhado de cabelos muito longos, em alguns lugares comiam a carne crua, havia canibalismo, etc... Isto causou logo tanto repúdio aos europeus que lhe pareceu estar a ver bichos e demónios. Aquela imagem do índio dócil, arrumadinho que nos passam nos filmes é a versão mais positiva possível, e mesmo assim adornada.

Volte sempre.

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