24/05/16

D. JOÃO V, O SALOMÃO E O DAVID

No séc. XVIII, Luís Paulino da Silva e Azevedo traduziu uma obra de Royaumont, a qual é uma explicação do Novo e Velho testamento ao Delfim de França, e oferecida a Luís XIV. Da mesma forma, a tradução de Luís Paulino da Silva, foi oferecida a D. João V..

Transcrevo aqui a dedicatória do tradutor ao Rei, porque é muito significativa, e a seu tempo farei alguns comentários no texto:

"SENHOR

Com o mais profundo respeito chego aos Reais pés de V. Majestade, e ponho na sua Real presença (traduzida no nosso idioma) a História Sagrada do velho e novo Testamento, que Luís XIV Rei de França mandou compor para instrução de seu filho o Delfim.

Parecerá vaidade o procurar eu para Obra tão pequena protecção tão grande como a de V. Majestade; porém considerando por outra parte a grandeza da mesma Obra, o seu Autor o mesmo Deus, a verdade, dela a Suma verdade, e que toda a pequenez lhe provêm somente da forma, ficando ilesa a grandeza da matéria; ficou logo sem arbítrio a minha eleição, mas não sem merecimento: porque se os Monarcas são os Deuses da terra, pedir a Deus a sua protecção, é já de alguma sorte merecê-la.

É certo que com grande impropriedade, e violência, buscaria outra protecção, que não fosse a de V. Majestade; pois uma História de todos os Mistérios da Fé, que professamos, a quem havia de ser dedicada, senão a um Monarca defensor da mesma Fé, que professamos, a quem havia de ser dedicada, senão a um Monarca defensor da mesma Fé? Diga-o o mesmo Príncipe da Igreja, quando a viu ameaçada do formidável poder das armas Turcas. Digam-no os Mares da Moreia ainda medrosos e alterados com o estrondo das Armas Portuguesas [batalha de Matapão]. Digam-no as Luas Otomanas eclipsadas pelas Lusitanas bandeiras. E finalmente diga-o tanto cadáver maometano, a quem, por falta de terra, serviram as ondas de sepultura.

Toda é de V. Majestade esta História, pois desde os seus primeiros anos foi a lição dela o seu primeiro intuito; conhecendo V. Majestade com a sua altíssima compreensão, que esta era a fonte da verdadeira política, onde se deviam buscar e aprender as verdadeiras máximas do governo; pois aqui se vêem corridas as cortinas aos segredos da Divindade. Aqui vemos as razões, porque Deus exalta, ou a ruína das Monarquias, umas vezes dividindo-as, e outras acabando-as: e finalmente aqui vemos clara e expressamente o castigo dos pecados, e o prémio das virtudes; e nesta sagrada fonte bebeu V. Majestade aquelas santíssimas máximas, com que tão gloriosamente tem governado esta Monarquia.

Daqui se derivou em V. Majestade aquela grande e excelente virtude do culto Divino, a qual resplandece entre as muitas de V. Majestade como o sol entre as estrelas. Quem deixará de admirar em V. Majestade a excelência desta virtude, origem certa de todas as felicidades do feliz reinado de V. Majestade? Por esta virtude exclamou Deus tanto a Salomão, que o fez o mais sábio e o mais rico de todos os homens: e por esta mesma virtude tem feito a V. Majestade o Salomão dos nossos tempos, não lhe faltando as misteriosas circunstâncias do novo Ofir [ouro de Ofir] da nossa América, e de ter erigido um magnífico Templo à Divindade. Ah Senhor, muito deve V. Majestade a Deus em o fazer como Salomão, mas muito mais lhe deve em lhe dar um coração como o de David. Porém as ciências, e as abundâncias fazer um homem tão grande como Salomão; porém um coração semelhante ao de Deus só pode fazer um Príncipe tão santo como David. Todas as felicidades desejo a V. Majestade; e esta mais que todas, e que Deus dê a V. Majestade tantos séculos de vida, quantos o seu Augusto Nome merece de Fama."

3 comentários:

Unknown disse...

Acrescento ainda, já que o própria transcrição fala da Batalha de Matapão, que o Papa Clemente XII em 1716 compara D. João V a São João Baptista, no seu último pedido de socorro contra a invasão turca nas seguintes palavras: "Houve um homem chamado por Deus, que se chamava João".

Unknown disse...

Acrescento ainda, já que o própria transcrição fala da Batalha de Matapão, que o Papa Clemente XII em 1716 compara D. João V a São João Baptista, no seu último pedido de socorro contra a invasão turca nas seguintes palavras: "Houve um homem enviado por Deus, que se chamava João".

*Correcção

anónimo disse...

Caro Telmo Pereira,

obrigado por comentar, e dar tal informação.

Aproveitando a sua deixa, também a famosa capela de S. João Baptista foi iniciada muito depois de 1716.

Infelizmente, este "... homem enviado por Deus, que se chamava João", na comparação do Papa, é hoje cuspido pelos que se dizem mais católicos... pois os efeitos da propaganda liberal e estrangeira têm nisto os seus efeitos (por mais que se lhes diga, tendem a teima no erro, como se fosse católico bater aos pais...).

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