III
O Costume de Pecado Enfraquece as Nossas Forças
10. Despedaçou-me com feridas sobre feridas, lançou-se a Mim como um um gigante (Job 16. 15). São Gregório parafraseia assim este texto: O primeiro golpe que recebe um homem assaltado por um inimigo, não o põe fora de combate, mas se recebe um segundo golpe, um terceiro, perderá as suas forças e enfim a sua vida. Tal é o efeito do pecado; na primeira ou na segunda vez que a alma está ferida, ainda lhe ficam algumas forças provenientes da graça Divina; mas se a alma continua a pecar, o mal tornado habitual é então para ela como um gigante ao qual não pode resisti. São Bernardo diz que o pecador de hábito parece um homem deitado debaixo de uma enorme pedra e que, não podendo sublevá-la, muito dificilmente se levantará: Dificilmente se levanta aquele que está debaixo da pedra dos maus hábitos.
11. S. Tomás de Vilanova escreveu que a alma desprovida da graça de Deus não pode ficar longo tempo sem cometer novos pecados (Conc. 4. dom. 4 Quadrag.). E S. Gregório, sobre esta passagem de David: Ó meu Deus, torna-os semelhantes às folhas levadas pelo torvelinho semelhantes à palheira diante do vento (Salm. 82. 14). Vede como a palha é levada pelo menor vento; assim o pecador, que, antes de contrair o costume do pecado podia resistir algum tempo, logo que este mau hábito está tomado, deixa-se arrastar pela menor tentação de pecado e cai em queda após queda. Os pecadores de costume, como escreveu S. João Crisóstomo, estão tão fracos contra os ataques do demónio, que muitas vezes são forçados a pecar mesmo contra a sua própria vontade, arrastados pela força do mau hábito: duro é o costume que obriga a cometer coisas ilícitas aos que nem sempre querem. E isso, porque no sentimento do mesmo Sto. Agostinho, o hábito de pecar torna-se com o tempo uma necessidade de pecar. Quando não se resiste a um costume, torna-se necessidade.
12. S. Bernardo de Siena acrescenta que o costume se torna uma natureza [como que segunda natureza]. E desde então o pecado torna-se, para o pecador de hábito, tão necessário como a respiração para a vida do corpo; e o pecador fica-lhe totalmente escravo. Há servidores que trabalham mas com um salário. Os escravos trabalham sem salário e até forçadamente. A este último grau chegam os pecadores de hábito, porque pecam muitas vezes sem nenhuma satisfação, apenas como escravos do demónio, sem salário. S. Bernardo compara-os aos moinhos de vento, que continuam a fazer girar a mó quando já não há grão para moer, quer, dizer, que os pecadores sem ocasiões presentes continuam a pecar, ao menos por maus pensamentos. Os desgraçados, diz S. João Crisóstomo, desprovidos do auxílio divino, já não agem conforme à sua vontade mas conforme à vontade do demónio: O Homem, perdendo a graça de Deus, não faz o que quer, mas o que o demónio quer.
13. Ouvi, acerca deste assunto, o que um autor narra ter acontecido numa cidade da Itália: Um jovem inclinado a um vício de costume, apesar de ter sido chamado muitas vezes pela voz discreta de Deus, e avisado por outras pessoas para mudar de vida, perseverava no pecado. Um dia o Senhor feriu de morte súbita uma das suas irmãs diante dos seus olhos. Ele foi comovido por algum tempo; mas mal ela foi sepultada, ele esqueceu a lição, e voltou à sua inclinação. Depois meses depois da morte de sua irmão, ele próprio caiu à cama, doente com uma febre lenta: mandou chamar um sacerdote para se confessar, mas apesar de tudo isso, exclamou um dia: ai de mim! Reconheço tarde demais todo o rigor da Justiça Divina! E dirigindo-se ao médico diz-lhe: não vos fatigueis mais com os remédios, porque o meu mal não tem cura e eu sinto que ele me leva ao túmulo. Depois, voltando-se para aqueles que o cercavam disse: Sabei que como não há remédio para o meu corpo, também não há para a minha alma, que está inclinada a uma morte eterna. Deus me abandonou, eu vejo isto ao endurecimento do meu coração. Alguns amigos tentaram reanimar a sua confiança na misericórdia de Deus, mas repetia sempre: Deus abandonou-me. Aquele que narra este facto acrescenta que ficando sozinho com este desgraçado jovem, lhe disse: Tomais coragem, uni-vos a Deus; tomai o Santo Viático, mas o doente respondeu-lhe: Amigo, falai a uma pedra; a confissão já a fiz e foi sem contrição; Não quero agora nem confessor, nem sacramento, não levai o Viático, porque isto seria dar-me uma ocasião de fazer um escândalo. O autor deixou-o todo aflito e pouco depois regressando para o ver, os parentes lhe disseram que morreu na noite precedente, sem nenhum auxílio espiritual, e perto do quarto do doente, se ouviam uivos tremendos.
14. Eis o fim do pecador de hábito. Pecadores, meus irmãos, se vos encontrais nos laços dum hábito culpável, fazei depressa uma confissão geral; porque as vossas até agora não foram boas. Saí rapidamente da escravidão ao demónio. Ouvi o que vos diz o Espírito Santo: Não dês a tua honra a estranhos, nem os teus anos a um cruel (Provérbios 5. 9). Porque quereis continuar a servir um mestre tão cruel como o demónio, o vosso inimigo, que os faz levar uma vida tão miserável, para vos conseguir uma vida ainda pior, no inferno durante toda a eternidade: Lázaro sai fora: sai dessa fossa do pecado; entregai-vos a Deus que vos chama e vos abre os braços para vos abraçar, se voltais aos seus pés: Ah! Tremei, que não seja a última chamada cujo desprezo acarrete a vossa danação.
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