Rei David |
(continuação da I parte)
§ 8
A numeração dos ofícios do Pai a respeito os Filhos, é a mesma o Rei, relativamente aos súbditos; ambos são recíprocos, e gerados pela natureza, quando não havia Reis, havia Pais, depositários do sumo poder, que se transferiu aos Soberanos condicionalmente, e com as cláusulas mais expressas, na origem de todas as sociedades do mundo, por mais bárbaras que fossem.
§ 9
"Queremos, e mandamos" é a frase Real, porque se contende que a maior parte da Nação quer, e manda: isto é: os pais de Famílias, cujo direito é o único, que se tem reconhecido sobre a terra, e ainda que transcendente aos Soberanos, nunca é por modo irrevogável; porque os ameaços de Samuel ao povo Israelita supõe só o facto, e não o direito.
§ 10
Eram Reis os Pais de famílias no centro delas: são Pais de famílias os Reis no centro de seus Estados: e a regra de medir, e comparar uns com outros direitos é esta, a mais firme, e mais segura para regular a competência de tão sublime emprego com todas as relações, que exige a sua superioridade inviolável.
§ 11
O nome só pode sujeitar-se à vontade alheia, ou por bem do seu corpo, ou da sua alma: tudo que ofende uma, ou outra coisa, é repugnante à sua existência física de Deus; para remir um homem só, não bastaria a morte de todos os homens.
§ 12
Temos portanto, e por tudo quanto se acha escrito desde o princípio do Mundo, que o Rei é o Pai de famílias, e como tal lhe compete nosso governo, e nossa direcção: quando porém ele esteja doente, ou impedido de outra maneira, lhe compete, como ao Pai de família, substituir quem faça as suas vezes, cujos erros, e descuidos, ou tergiversações lhe devem ser presentes para nomear outros, se a necessidade não insta para se acudir à opressão dos súbditos sem delongas, e sem as participações devidas à Majestade, que é a cabeça do corpo social, cuja vida não pode durar, sendo acéfalo, nem subsistir o seu decoro, e perfeição, sendo monstruoso.
§ 13
A Natureza é um ente criador, que tudo dispõe pela reprodução dos seres para se eternizar: tudo alinha para simetria, e formosura do universo: tudo reduz ao estado primitivo; porque o fazer, e desfazer é o seu maior brasão: criar os homens, que morrendo ressuscitam: cria os poderes que paralisando-se se substituem; tudo em proveito dos imperantes, e dos súbditos.
§ 14
Que prazer, que suma glória para a humanidade! que sendo mortal pode eternizar-se! não só por uma vida nova alimentada de virtudes, mas pelos meios temporais, que restituem dignamente o nada, que somos, ao nada que já fomos! Quero dizer: corrigindo a sociedade, em que vivemos, pelos ditames naturais da isolação, em que nascemos.
§ 15
Nasceu o Pai: nasceu o Rei: mas seguiu-se a orfandade: e que manda a natureza? Obedeceríamos aos seus dignos sucessores, e na falta total de uma Dinastia sagrada, retroloairmos-nos ao estado primitivo, se a mão do Altíssimo não a supre, como fazia ao povo de Israel.
§ 16
O perigo mais fatal entre os homens é a Anarquia; porque martiriza cruelmente por longo tempo, quando a fome e a peste tudo devoram em breves dias. Anarquia, Palavra horrível, e até mesmo infame, vergonhosa, e desonesta, porque desliga, e rompe todos os vínculos da sociedade, que não só se dissolve, mas se confunde, e esteriliza; não podendo distinguir gerações como acontece aos habitantes do centro da América: a Anarquia arvora o seu estandarte à solta concupiscência, como sucedeu à pouco em Pernambuco, até ao extremo, de que um homem vil arrancasse dos braços de um Pai de famílias, riquíssimo, a sua filha, para usar dela, como coisa sua.
§ 17
Assim se conduzem os Anarquistas, e assim é, que se conduz a força armada, quando as Nações se recoltam, ainda mesmo por justas causas; triunfam as paixões, e o seu império se engrossa com o mesmo ímpeto, com que nasceram, desobedecendo a preceitos fáceis, e que só proibiram o simples, e vago apetite.
§ 18
Anarquia! monstro nefando, que rasgas as entranhas, até mesmo daqueles, que te obedecem, e te aplaudem: tu mesma te devoras, e aniquilas, para triunfo do despotismo, outro monstro competidor da Divindade, e da Natureza.
§ 19
Quando os homens admitem suspeitas contra aqueles mesmo, que solicitaram para seu resgate, está muito próxima a ruína da sociedade; porque não há diferença da desconfiança de si mesmo, à dos indivíduos, em cujas mãos depositamos nossos direitos.
§ 20
É verdade que nos podemos enganar na escolha: mas também é certo, que podemos enganar-nos na suspeita: e os resultados deste erro são mais prejudiciais, que os do primeiro: porque o segundo se atribuis ao coração corrompido, e o primeiro à imbecilidade humana.
(continuação, III parte)
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