10/10/15

FR. FORTUNATO DE S. BOAVENTURA RESPONDE A JOÃO RIBEIRO (III)

(continuação da II parte)

V

A série dos adversários do Cronista Mor Fr. Bernardo de Brito, com que o meu Censor pretendeu atemorizar-me, não opus eu senão dois modernos, que me pareceram bastante para se desfazer a impressão, que a lista do meu Censor causasse nos menos versados na nossa História Literária. Eu tinha feito um paralelo entre o doutísssimo António Ribeiro dos Santos, e o Cónego Regrante D. António da Visitação Freire, pois disputaram, ou, para melhor dizer, trataram um ponto, em que o primeiro seguiu a opinião de Fr. Bernardo de Brito, que o segundo impugnava; decidiu-se a vitória por António Ribeiro dos Santos (que não foi esta das mais gloriosas, que alcançou durante a sua vida), e por isso produziu a sua autoridade com tanta maior confiança, quanto era certo, que António Ribeiro dos Santos vindicou a existência da Obra de Zacuto, que passava constantemente por ficção do Cronista Mor. Agora sou eu confrontando com o Pe. Freire, assim como António Ribeiro dos Santos o é com o extravasante, e paradoxista Padre Harduino! Pela minha parte só direi, que cedo gostosamente as palmas do triunfo ao meu contendor, que tanto se recomendou à posterioridade pela sua descomedida sátira à pessoa, e obras daquele Cronista Mor. Ambos temos seguido uma estrada totalmente diversa; se ele caminhava para o norte, eu caminhava para o sul, se para o oriente, eu para o ocidente, e por isso nunca deveremos entrar em paralelo. Eu não sei escrever Histórias Filosóficas, ou Romances, nunca saberia dizer, por exemplo, que Fr. Bragança por ter feito versos ao Monarca Espanhol Filipe o Prudente, e menos saberia afirmar, que o Cronista, auxiliado do Pe. Roman de la Higuera, supusera, e fingira os próprios livros, que cobertos de pó jaziam há séculos na famosa Biblioteca Mediolanense... Frei Bernardo de Brito, o Português castiço, como lhe chama, e com assaz razão, o meu Censor, o primeiro, que levantou à sua Pátria o gloriosíssimo Padrão de uma História geral, o que resistiu mais de uma vez a escrever as suas Obras em Castelhano, querendo antes ser menos lido, e admirado, que parecer menos Português do que realmente era; um Varão insigne, e a todas as luzes respeitável, que mereceria, e teria estátuas em Roma, e Atenas.... é arguido de traidor à Real Casa de Bragança, e é arguido pelos meus contemporâneos, como se estes fossem os verdadeiros tipos da lealdade Portuguesa!! Se não fosse agora o parce vivis atque sepultis, que vasto campo se abria ao meu estilo declamatório?

Fr. Bernardo de Brito

VI

António Ribeiro dos Santos nem ainda depois de morto carece de um defensor. Vivem, e hão de viver sempre as suas Obras; e as suas Obras deporão sempre de um modo solene, e terrível contra quem lhe chamar um simples filólogo. Nunca ele será julgado pelo que tiver dito nas suas conversações particulares, mas sim pelo que corre estampado debaixo do seu nome, que por certo há de chegar à mais remota posterioridade, sem as nódoas, ou tachas, que acompanham, e nunca deixam de acompanhar o célebre Harduino. Saiba porém o meu Censor, que por este juízo dos talentos, e mérito literário do seu antigo Colega, não captou a benevolência dos seus, ainda os mais apaixonados, leitores, ao mesmo passo que me deu um funesto exemplo, que em outros lugares das suas Reflexões ele próprio condena, e reprova. Fique certo de que a momentânea celebridade do Pe. Freire nunca ombreou, nem há-de ombrear com a que deixou António Ribeiro dos Santos. Um ódio figadal ao Cronista Mor Fr. Bernardo de Brito nunca foi, nem será jamais um título para merecer bem da posterioridade, o que eu ainda levarei a um grau de evidência, que talvez sirva de espanto, e confusão aos seus inimigos.

VII

Ratifico novamente o que já disse do grande Cenáculo. Pedir melhores, e mais acurados exames do que parece, ou se diz fingindo pelo Cronista Mor, é favorecê-lo abertamente, e condenar a temeridade, com que muitos sábios de nossos dias o acusam de forjador das Actas do primeiro Concílio Bracarense. Não cabe nos limites de uma breve resposta o juízo, que faço, e que sempre fiz deste Concílio; e se o meu Censor não se digna honrar com a sua aprovação os esforços do Lusitano Plínio Patrio, também eu não posso convencer-me de que sejam fortes, ou indestructíveis os argumentos de Manuel pereira da Silva Leal, ou do Pe. Flores, contra a existência de tal Concílio.

VIII

Chama-me outra vez o meu Censor para o Cronista Mor Fr. Manuel dos Santos, a quem eu não perdoei, nem dissimulei faltas notáveis, quando imprimia o seu elogio à frente da minha História Chronologica e Crítica da Real Abbadia de Alcobaça, e nesta parte, assim como em tudo o mais, serei tão ingénuo, que não me recusarei a seguir a opinião do meu Censor. Que faz o Cronista Mor contra a memória do Senhor D. Afonso IV? Copiou algumas passagens do degenerado Manuel de Faria e Sousa, e passagens, que andavam nas mãos de uma infinidade de leitores, visto correrem as suas Obras impressas em Lisboa, com todas as licenças necessárias; e foi por esta razão, que os Censores particulares da minha Ordem não se atreveram a expungir aquelas citações de um Historiador mui aplaudido nestes Reinos. Vejamos agora se o meu Cisterciense carregou de propósito a mão nas negras cores, que Faria e Sousa empregara no quadro daquele Príncipe. a página 175 do lugar citado fez menção da trágica, e violenta morte da formosa Senhor Rainha D. Inês de Castro, em que não absolve o Senhor D. Afonso IV de toda a culpa, e pena; e por mais que se revolva, e folheie o título oitavo não se encontra ou frase, ou expressão, que iguale as mais fortes do degenerado Manuel de Faria e Sousa. Cuidava eu que ou a sua demasiada liberdade de julgar as acções dos Príncipes, ou a sua residência em Castela, depois da aclamação do Senhor D. João IV, foram a causa de ser assim qualificado pelo meu Censor; mas vejo agora que lhe chama degenerado em contraposição a castiço. "Se chamei (diz ele nas novíss. Reflex. pág. 9) degenerado a Manuel de Faria e Sousa foi pela razão contrária, porque chamei a Brito Português castiço. Este cultivou, e soube prezar a sua língua, e aquele preferiu-lhe uma língua estrangeira". Quem tal havia de crer, ou pensar, que fossem Portugueses degenerados quantos escreveram até hoje em Castelhano! Muitos dos nossos Escritores o fizeram, como diz António de Sousa Macedo na Prefação da Obra intitulada Flores de Espanha, Excelência de Portugal, por ser a língua Castelhana mais universal; e o ratifica no cap. 22 da mesma Obra nestas formais palavras: "Me ha parecido mejor medio hazerlo en língua Castellana que a certo ser mas conocida en Europa", e o mais é, que os próprios Escritores estrangeiros, que não costumam ser mais favoráveis, quando tratam das nossas coisas, no fazerem o seu juízo crítico das Obras de Manuel de Faria e de Sousa, o tinham justificado nesse particular, não lhe dando quartel noutros muitos. Bastará citar o erudíssimo Professor de Erlang, corrector, e adicionador da Biblioteca histórica de Struvio, onde (vol 5. pág. 138, edição de Leipsik 1791) se lêem estas palavras: auctor (Emmanuel de Faria) serinone Hispano, qui exteris magis est notus utitur. Não estranhe pois o meu Censor, que eu continue a seguir uma opinião diferente da sua, pois caso fossem degenerados os nossos Portugueses, que, ou vivendo em Castela, ou sujeitos ao domínio Castelhano, escreveram nesta língua, então me veria precisado a ter naquela odiosa conta; o grande Bispo de Coimbra D. Fr. João Soares, que tendo luzido na Côrte, onde foi Mestre dos Príncipes filhos do Senhor D. J..., e no Concílio Geral de Trento, assim como na administração da sua vasta Diocese, nunca esperou, nem sonhou que ainda lhe chamariam degenerado, ou degeneradíssimo, por ter escrito a principal das suas Obras em língua Castelhana.

(a continuar)

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