01/09/15

OS NOTÁVEIS DESACATOS OCORRIDOS EM PORTUGAL (VI)

(continuação da V parte)

Custódia da Santa Igreja Patriarcal de Lisboa
Ó Fé Divina! Fé Augusta! Autoridade infalível do meu Deus, exercita sobre mim todo o teu império, desvanece, dissipa toda a viva impressão que em mim fazem tais sucessos! Ou de outro modo, tirai deles, Senhor, a justa vingança que merecem! As mãos sacrílegas, que vos tocaram, sêcas, áridas, nunca mais se movam! A terra as trague, como a Coré, e Abirão! E então, Senhor, mais, e até visivelmente vos reconhecerei nesse Sacramento de Amor; porque então de outro modo os vossos mesmos inimigos, insultando a minha crença, poderão perguntar-me: onde, ó simples, onde está aqui o teu Deus neste Sacramento, se eu dele mesmo zombo, e escarneço? Ubi est Deus tuus?


Porém, C. O., não se assuste, nem vacile por isso a vossa Fé, nem o escândalo, que vos dão os vossos inimigos, chegue a pôr em dúvida a vossa crença àcerca da Real presença de Jesus Cristo no Augusto Sacramento dos nossos Altares. Não permitiu ele que os pérfidos Judeus o insultassem por mil nodos, até tirar-lhe inocentemente a vida sobre uma Cruz infame? Não lhe disse ele mesmo, que somente o poder, ou permissão do Alto é que o sujeitava ao seu bárbaro poder? Non haberes in me potestatem, nisi tibi datum esset desuper?


Ali pois, C. O., naquele Augusto Sacramento, Jesus Cristo, e só diferente no diferente modo de existir, ele conserva a mesma paciência no meio dos mais vivos ultrajes que lhe fazem; reduzido à humilde fórma de alimento do mesmo homem, despojado de toda a sua glória, e grandeza, não ostenta de alguma fórma o seu poder, permite não só estes, mas outros quaisquer ultrajes, que lhe façam os seus inimigos, de que ele tirará uma severa, e eterna vingança.


Estes ultrajes, ainda que excitem vivamente a sua cólera, e justiça, atacam menos a sua Divina Majestade, do que nos preparam a nossa desgraça. Jesus Cristo firme, imóvel, e imperturbável no centro da sua mesma felicidade, a qual nada pode nem levemente alterar, ele olha nestes ultrajes, ainda mais a fatal cegueira e desgraça, que o homem com eles se prepara a si mesmo, do que a sua mesma ofensa; por isso as tolera, sofre, e até mesmo chega a perdoar, quando se lhe dá a digna e competente reparação.

Não vos inquieteis pois, ó almas pouco firmes, não vos inquiete o silêncio, e sofrimento, com que o mesmo Deus se há no meio da indignidade, com que o tratam: ali existe, e existia então mesmo, que tão sacrílegamente o tratavam. Tanto é o seu Amor para com os homens, e tanto quer ostentá-lo naquele Adorável Sacramento! os mesmos pérfidos, e bárbaros, que assim o ultrajam, entrarão ainda em sua amizade, se a graça obrar neles, o que obrar pode.

Não vacile pois, ó Fiéis de Jesus Cristo, a vossa Fé, fazei-lhe antes repetidos sacrifícios das vossas luzes, e razão, para reconhecê-lo ali existente, apesar da mesma indignidade com que o vedes profanado. nem por isso também, ó ímpios, triunfa a vossa incredulidade!

Seria este, C. O., um novo mal para temer-se, se destas sacrílegas profanações, cometidas contra o Divino Sacramento, pudesse a impiedade dos nossos dias alcançar algum triunfo, como com efeito pretende alcançar.


Ninguém de vós ignora até que ponto se tem estendido o fatal império da irreligião, da impiedade, e da Filosofia do século, e que desde o passado ela parecia ter conseguido o mais assinalado triunfo sobre a Religião do Evangelho. Chegou a atacar-se a existência do mesmo Deus, e a dogmatizar-se em público o mesmo Ateísmo. Admirou-se sim a sublimidade da doutrina do Evangelho, fez-se dela o mais pomposo elogio, fazendo ver a sua superioridade a tudo que a filosofia tem produzido de melhor: mas a sua Divindade tem sido positivamente atacada por infames e nas, que sabem ajuntar a eloquência, e a impiedade, e que se tem servido de toda a espécie de argumentos para destruírem o Evangelho, e o seu Autor. Os Mistérios tratam-se de fábulas, as práticas mais edificantes do Cristianismo de superstição, as suas Leis de impraticáveis, e até opostas às Leis da decantada natureza, e enfim, Senhores, a filosofia do século tenta, e esforça-se em reduzir o homem ao estado dos brutos, e das feras, sem relações algumas com Deus, nem a algum fim eterno, para que o homem houvesse sido criado.

Ora; neste estado de furor, e quase frenética raiva contra a Religião, sobretudo porque ela põe um estreito freio à liberdade, e licença dos costumes; no estado de perseguição, e pavor, a que se acha reduzida a Esposa de Jesus Cristo nas suas mesmas Verdades, e Moral, quando a impiedade pretende já contar victória sobre ela; que maior ocasião para seus triunfos, do que estas profanações e insultos, livremente, e com tanta frequência, cometidos contra aquilo, que a Religião nos oferece de mais Santo, que é o Divino e Augusto Sacramento dos nossos Altares?

Esta espécie de pretendidos filósofos, guiados somente pelos sentidos, e pela sua razão, e querendo sujeitar a ela todas as demonstrações, nos desafiam muitas vezes para esta sorte de combates; e tratam de convencer-nos de loucos, ou de fanáticos, quando acreditamos verdades, que ou a razão não compreende, ou os sentidos contradizem. É para eles uma destas verdades aquela, que fielmente acreditamos: a existência Real de Jesus Cristo no Augusto Sacramento dos nossos Altares.

(continuação, VII parte)

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