Mas os Grão-mestres, e grandes Dignitários, que desde muitos tempos
assistem aos Conselhos dos Soberanos, e que por detrás da cortina, e em
nome dos mesmos Monarcas têm destruído os diques, que continham a
libertinagem, mais manhosos que uma zorra, buscaram outro caminho para
chegarem aos seus fins, e descobriram outras côrtes para formarem o novo
quadro Constitucional, sendo ele o mesmíssimo na sua essência, já
rejeitada pelo Universo, e maculada com o saque de seus mesmos
apaixonados: disseram no seu tenebroso conselho: "Não busquemos a
Constituição pela revolução dos Povos; porque eles já nos conhecem,
estão escarmentados com as nossas promessas, e quando menos o pensamos
dão-nos com os pratos pela cara, e atiram com a nossa obra, que nos tem
custado tantas vigílias, pelos ares, ou ao meio do chão, ficando talvez
muitos de nós incolvidos em suas ruínas; não será assim daqui para
diante: a Revolução deve começar de cima para baixo, e para isto diremos
aos Reis, que os Povos não estão contentes, que estão inquietos, que
querem Representantes, que advoguem a sua Causa perante as leis, será
fácil convidar Juristas e Publicistas, que escrevam neste sentido, e que
mostrem como Filangieri o Governo Representativo misto como o Paraíso em Política, e se isto não basta, e
se isto não bastar, finjam-se conspirações, e revoltas, umas feitas
pelo Povo contra a Tropa por ser opressora, outras pela Tropa, porque
está disposta a pugnar pela liberdade; atormente-se o espírito do Rei
até o convencermos da necessidade de Reformas na Administração Política,
e será muito fácil achar um Governo, ou Gabinete Estrangeiro, que apoie
as nossas Propostas, e que inste com o Soberano para que acuda, e
concorde, a fim de que não hajam Revoluções Populares, e distúrbios, os
quais são mui prejudiciais ao seu Comércio, etc. etc.; e logo que o Rei
estiver disposto, e tiver caído no laço, diremos aos Nobres, que a
Constituição Democrática, ou feita pelo Povo é inteiramente oposta aos
seus interesses, e representação, que tende a confundir as raças, e a
roubar-lhes os bens; mas que se houver um Governo, em que eles Nobres
sejam não só ouvidos, e consultados, mas até deliberantes, de
cuja vontade penda a maior parte do regímen político, e que reunidos em
Supremo Congresso decidam as grandes questões de Estado, como os antigos
Senadores, e a Ordem Equestre em Roma: esta forma de Governo tão longe
está de degradar a sua grandeza, que ao contrário a eleva e exalta,
porque com um Rei Absoluto não passam de criados, e o mais a que chegam é
a Conselheiros de Estado, mas isso é uma cerimónia, e apenas são
chamados para casos extraordinários; que, ainda que sejam muito sábios, e
eloquentes, nunca têm ocasião de o mostrar em público, o que não
acontece no Governo Representativo; porque ali ostentam uma dignidade
quase, senão maior, que Real; o Rei apenas confirma o que eles
sancionam: ali têm ocasião de mostrar o seu saber, e até advogar os seus
direitos, etc. etc. . Por este modo fascinados os Nobres, o que é
facílimo, porque uma grande porção deles é pouco instruída, e
contentam-se em contar tantos Avós, que fizeram o que eles não são
capazes de fazer; a estes em lhe acenando com as peles estão caídos;
outra porção deles lhe tão ímpia como os mesmos, não têm outro Deus
senão a sua barriga, e esses nada lhes importa senão as suas
comodidades, e todo o Governo para eles é bom, uma vez que os deixem
viver sentados em suas poltronas; outra porção deles há, que são mais
espertos, e alguma coisa entendem, mas estes não nos metem medo; porque
se ordinário lêem pelos nossos livros, tiveram Mestres que nós
inculcámos, e que souberam inspirar-lhes veneração ao nosso Voltaire, e
Rousseau, Raynal, Mabli, e Volnei; o exemplo de um Mirabeau comove-os
muito, e a lição das Ruínas lhes tem inspirado um certo susto, e receio de que é necessário contratar connosco, porque a nossa Ordem
é respeitabilíssima, e que nas nossas mãos está dar volta ao mundo
social quando nos aprouver, e as sua sorte dependente da nossa vontade, e
isto é bastante para os termos da nossa parte, além de que nos nossos
Orientes muitos destes já viram a luz, e estão prontos a ser outros
tantos Cidadãos Manuel; uma parte deles ainda há, que seguem o
fanatismo dos seus Avoegos, mas esses tomam o partido de não aparecerem,
nem aceitarem os Títulos, e desses não temos receio, porque os seus
colegas lá se haverão com eles; e uma vez que a maioria siga a Causa, ou
por fas ou por nefas, está o negócio arranjado, e pode
cuidar-se da organização deste tal Governo. Far-se-há então um extracto
de todas as nossas Constituições, corrigindo ou mudando (em quanto às
palavras, mas conservando sempre a essência) aqueles artigos, em que os
fanáticos têm implicado muito: na parte que tratar do Rei, digam-se mil
bens, desse-lhe o Voto, ou Veto decisivo, diga-se que ele tem autoridade
para dar o que quiser, fazer a paz, declarar a guerra, etc....
dêsse-lhe mais um poder imaginário, a que chamaremos moderador, etc.
etc.; mas logo mais abaixo, na parte que pertence à Câmara estabeleça-se, que o Orçamento da Receita e Despesa pertence a ela, bem como a iniciativa das leis, e que o Ministério é responsável perante as Câmaras, para que ele faça o que elas quiserem, e não o que o Rei disser: na parte que pertence aos Nobres, digam-se-lhes grandes fanfarronadas, que é de que eles gostam, muitos privilégios, etc. porque ao depois eles se lhes tirarão: na parte que diz respeito à Religião, fale-se da Católica, mas não se diga Apostólica, nem única verdadeira; a tolerância de Cultos não deve esquecer, nem a Liberdade da Imprensa; porque uma vez que estes artigos vão no tal compêndio, e uma vez que se consiga haver eleições populares, tudo está concluído, tudo está vendido; porque o mais a seu tempo, e não resta senão um pequeno passo, mui fácil a fazer: depois de assim combinadas as ideias, dispostas as figuras, aplanadas as dificuldades, levar-se-há à assinatura Real, dizendo-se que é a mesma Lei Fundamental da Monarquia na sua essência, com algumas pequenas alterações acidentais, e só revestida daquele colorido político, que o Século das luzes, em que nascemos, nos ministra, e que tem hoje tão fatal império, que nenhum homem ilustrado pode resistir à sua sedutora influência: logo depois far-se-há público à Nação, para lhe mostrar o que S. M. Quer o bem de seus Povos, etc. etc.; nomear-se-hão Comissões, já se sabe dos nossos, para dirigir as eleições pela maneira invariável das nossas leis, e a todo este processo, aliás penoso, e demorado, (mas é necessário assim para ir adiante) chamar-se-há Carta Constitucional, para lhe tirar o odioso; e ainda que alguns fanáticos e absolutistas gritem, pouco nos importa, porque a estes tratamos de rebeldes e revoltosos, e com o mesmo Ceptro de ElRei os esmagaremos; e se alguma Nação Estrangeira, ou vizinha quiser intrometer-se, dir-lhe-emos com toda a paz de espírito, que isto não é um acto revolucionário, produzido pelo espírito democrático, é sim um acto espontâneo do Soberano, que esta é a Legitimidade proclamada pelos Soberanos, que podem dar Cartas, ou Leis a seus súbditos; e por esta forma nem o Diabo, que é nosso mestre, é capaz de lhe dar volta; chamar-lhe-emos a Divinal Carta, porque só Espíritos Angélicos poderiam meditar, e levar a efeito um tão sublime, e transcendente plano". Se esta não é a linguagem da alta Maçonaria quando medita, e prepara os planos de suas empresas, não saibamos que possa ser outra; e o que é certo, é que os factos públicos correspondem exactamente a esta hipótese. Este é um laço armado aos Reis, em que tantos desgraçadamente têm caído: é uma rede estendida, que apanha os Nobres e os plebeus, os ricos e os pobres, os Frades e os Clérigos, ilude a uns, atraiçoa a outros, a estes lisonjeia, àqueles oprime, e por fim a todos tiraniza, rouba, e degrada: eis-aqui o que nós chamamos Constituição Carteira: este segundo parto da Sapiência Maçónica é mil vezes mais monstruoso, mais terrível, e mais nefando do que o primeiro: no primeiro aparecia o Diabo, que é o mestre e autor de todas as obras das trevas, nu e cru, tal, qual ele é; mas no segundo aparece o mesmo Diabo, porém vestido com roupas Majestáticas, e com os enfeites de Anjo: quem não conhece ser mais terrível o inimigo, quanto ele é mais disfarçado? Quem é que não conhece, que um cão que não ladra é mais difícil evitar-se, do que o que primeiro nos avisa com os seus latidos?? É verdade, que nestes últimos tempos tem aparecido uma certa classe de gente, que se chamam moderadores, os quais têm querido ensinar, (o caso é que entre nós tem tido muitos discípulos) que este Sistema Carteiro é o único meio de equilibrar os poderes, concedendo alguma coisa ao Povo, para que ele se não inquiete, e modificando o absolutismo dos Reis, chegando até a dizer com um tom infundado "são as ideias do século, é necessário reconhecer o seu império", os Reis não têm outro remédio para se livrarem das invasões populares, este é preservativo das Revoluções, o país que gozar desta ventura estará isento dos flagelos da guerra democrática. Muito bem discorreis, meus amigos moderadores, mas a vossa lógica tem tanta solidez, como a leve palha, que o vento agita. Vamos a contas: dizei-me: quando um Monarca dá uma Carta Constitucional, cede de alguma qualidade Majestática, que recebeu de seus maiores, e que data com a Lei Fundamental da Monarquia?... Não o podeis negar, e direis que sim, porque se Ele não cedesse de algum privilégio ou prerrogativa, e conservasse a mesma integridade governativa, para que quereis vós semelhante Carta? Logo, por uma forçosa consequência, a que não podeis escapar, este acto é atentatório contra a Suprema Autoridade Real, que é sempre permanente, uma, a mesma, e indivisível, independente das pessoas dos Reis, e da qual se não podem afastar sem serem traidores à lei Fundamental, pela qual imperam, são falsário ao juramento por Eles dado quando sobem ao Trono, e incorrem nas maldições de seus Maiores; e vós, que assim os aconselhais, sois os primeiros traidores, e revolucionários: ainda mais: quando o Rei tem caído na fraqueza de dar essa Carta, e depois, ou se arrepende, ou quer desmanchar o que fez, o que deve ser lícito segundo a regra antiquíssima de Direito "cujus est dare, cujus est tollere" o que fazeis vós?... Gritais "traição; perjúrio!!" Arguis o mesmo Rei, inquietais um Reino inteiro, e fazeis uma reacção, que chamais justa, porque é para manter a ordem estabelecida e jurada: e então porque se não levantaram os homens de bem, honrados, e verdadeiros patriotas, quando virem aparecer uma Carta Constitucional? Porque razão não gritaram "traição! Perjúrio!!". Porque motivo não farão uma reacção, tão justa como a vossa, para manter a ordem estabelecida, e jurada há tantos séculos?! Tereis vós mais direito para sustentar uma ordem de coisas, que ainda está em coeiros, e não haverá direito para sustentar e defender outra ordem de coisas cheias de cãs?! Eis, aqui tendes a vossa lógica convertida contra vós mesmos, e eis a conclusão necessária segundo os vossos princípios "a Carta Constitucional, que devia de facto evitar as Revoluções, é quem as estabelece de direito". Dizei-me ainda mais: já vistes alguma Carta Constitucional, em que deixasse de aparecer aquela tolerância de Cultos, que a Filantropia do nosso século tem descoberto para dar a mão a todos os inimigos da Religião Católica; e em que não visse sancionada a Liberdade de Imprensa??... Sem dúvida que não: logo, a Carta é ímpia, e revolucionária contra Deus; porque, se a pluralidade dos deuses, segundo a linguagem dos mesmos pagãos, é a nulidade de Religião, Deorum pluritas est Deorum nullitas: ela por meio da Imprensa Livre abre a porta ao Ateu, ao Deísta, ao Libertino, ao Judeu, ao Muçulmano, ao Cismático, ao Herege, ao Protestante, ao Indiferentista para que publique os Livros da sua Lei, e as suas costumadas invectivas contra o Catolicismo: abre um caminho franco ao democrata, ao traidor, ao malévolo para despender as suas ideias a respeito de governo, para espalhar a zizania e a discórdia no meio dos Povos, e para derramarem todo o fel e todo o veneno dos áspides oculto debaixo de suas perversas línguas sobre o Cidadão honrado, o Artista pacífico, o Nobre benfazejo, e mais que tudo, sobre os Ministros de J. C.!! E será isto o Código Sublime, Divinal, que arranca pela raiz o gérmen das Revoluções, como vós dizeis?! Não: é ao contrário o pomo da discórdia, e a semente fecunda de contínuas Revoluções, que começando por palavra, e por escrito acabarão por sangue e ruínas!! Dizei-me ainda mais: já apareceu alguma dessas Divinais, sem que aparecessem igualmente eleições populares? Sem dúvida que não; porque nem vós a quereis, sem que trouxesse este tempêro: logo, eis a porta aberta para a venealidade, eis o Povo tomando parte nas Deliberações Governamentais, eis a Câmara baixa reagindo contra a alta, os Nobres odiados, e malquistados perante o Povo, o Rei em colisões, sem saber muitas vezes que partido deve tomar, a maça geral, a que vós chamais Respeitável Público, em contínua fermentação, os terroristas espalhando o alarme, os Periódicos endoidecendo as cabeças, os Oradores assalariados incendiando os ânimos, o espírito de partido tomando a dianteira em todos os negócios, o bem da Nação convertido sempre em interesse pessoa, a Força Armada dividindo-se, os negócios de Estado conhecidos de todo o Mundo, e o que é mais espantoso, a guerra civil incendiando-se, invasões iminentes, e as Câmaras disputando com os Ministros se se deve tomar o partido da guerra ou da paz, se o exército deve ser de guardas cívicas, ou de tropas regulares!!... E achareis vós neste vórtice espantoso a paz, e a tranquilidade?!... Ah! se tal disserdes, é o argumento mais positivo de que sois perfeitos diabos, que só nas chamas vivem satisfeitos. Dizei-me ainda mais: quem faz a festa quando aparece uma dessas Divinais, que vós dizeis partir da Legitimidade?! Não podeis negar que os mesmos que festejaram a primeira, os mesmos bandidos, caixeiros, franxinotes, etc. etc. aparecem a aplaudir a Divinal, levantam-se pirâmides, iluminações, logo aparecem os mesmos Periodistas, os mesmos Deputados, em uma palavra, a mesma fáfila republicana, e mais alguma, que se lhe agregou ejusdem furfuris ac farinae, e nós que o digamos, que até mesmo Frade Bento, que foi o caixa da primeira, aparece o chefe em a segunda; e qual é a consequência, que deve tirar um homem, que não seja pedreiro?! esta, e somente esta "é a mesma obra, tem os mesmos mestres, tende ao mesmo fim" e a razão desta consequência funda-se em um princípio universal de que as mesmas coisas produzem os mesmos efeitos: uma pereira não pode nunca dar maçãs: uma ginjeira não pode dar marmelos: pois seria mais fácil que uma pereira desse maçãs, e um ginjeira marmelos, do que um pedreiro, um ímpio, um revolucionário produzir uma só palavra, que tenda à felicidade de uma Nação.
(continuação, VII parte)
(continuação, VII parte)
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