04/04/15

VOCABULÁRIO DEMOCRÁTICO Nº1 - Prólogo do Tradutor (I)

NOVO VOCABULÁRIO
FILOSÓFICO-DEMOCRÁTICO

INDISPENSÁVEL
PARA TODOS OS QUE DESEJEM ENTENDER
A
NOVA LÍNGUA REVOLUCIONARIA.


ESCRITO EM ITALIANO
E
TRADUZIDO EM PORTUGUÊS

TOMO PRIMEIRO

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N.° 1
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LISBOA
1831

É tão fera a perfídia
De hum cruel, e vil Mação,
Que a paz nos apregoa
Quando faz a desolação.

Cum desolationem faciunt,
Pacem appellant.
(Tacito)



PROLOGO DO TRADUTOR

Como um dos maiores empenhos dos Revolucionários seja impedir, como circulem Papeis, e Escritos a favor da Sagrada Causa do Altar, e do Trono, o que se comprova no Art. 12.º da ultima Reunião das Lojas Maçónicas de Espanha em Congresso Geral no ano de 1823; e como se eclipsasse entre nós aquele Astro Luminoso, que no meio do túrbido Horizonte Político sabia marcar o rumo invariável da Opinião Publica, e a morte nos privasse daquele Macedo, que com mais graça do que Juvenal sabia reduzir a pó, e a cinza os mais soberbos Colossos, que a mão inimiga podia contra nós levantar; pareceu acertado e conveniente, que se publicasse pela Prensa um daqueles Livros, que o mesmo José Agostinho de Macedo lia com admiração, e que ele se tinha proposto a traduzir, e que mais de uma vez disse: "é digno que ande nas mãos de todos os Portugueses, uns para que não se enganem, e outros para que se desenganem". É para lamentar que ficássemos privados de uma tradução, que seria escrita na língua dos Sousa, dos Vieiras, e dos Bernardes; e não menos é para sentir, que este Livro não apareça com o nome de Macedo Traductor; porque não só isto daria mais merecimento à Obra, mas faria além disse que chegasse com mais velocidade às mãos dos seus ávidos Leitores, que sendo grandes em número, e não poucos em saber, gozariam desta produção de uma alma fecunda, e previdente, e não resultaria daqui pequena utilidade à Santa Causa, que defendemos. 

Um amigo do P. Macedo, a quem ele muito honrava com a sua costumada franqueza, e que lhe ministrara o presente Vocabulário para ele ver, e que da sua boca escutara, o que acima fica referido, é quem se determina a aprender a sua publicação, não com o fim de se manifestar no Orbe Literário, por isso oculta o seu nome, mais sumamente desejoso que as boas doutrinas, e as verdadeiras ideias realistas se generalizem entre os Portugueses, parte iludidos, parte incautos, e parte menos aptos para folhearem os grandes Livros, em que estas matérias se tratam com toda a profundidade e erudição; começaremos por darmos alguma noticia do Livro, e seu Autor, e da maneira, com que prosseguiremos a sua publicação.  

I. Este Livro foi escrito em Italiano, e impresso em Veneza em o ano de 1799: a forma, que lhe deu seu Autor foi a de Vocabulário; e ainda que parece ser mais razoável a forma de Dicionário, todavia tomou outra vereda, e julgamos ter sido justa; porque o seu fim era classificar os Vocábulos, e como que formar uma genealogia da linguagem Democrática, o que optimamente desempenha começando pelo "Pacto Social": compõe-se de dois Tomos, ainda que mui pouco volumosos; porque apenas chegam a 286 paginas de 8.º [oitava de folha] ambos reunidos: foi traduzido em Espanhol duas vezes, sendo a 2.ª Edição de 1823, Madrid.

II. O autor deste Vocabulário foi incógnito por muito tempo, até que se poderão alcançar noticias verídicas por pessoa, que o conheceu, e são as seguintes, tiradas da 2.ª Edição de Madrid.

No Comboy, em que os desgraçados filhos da extinta Companhia de Jesus saíram de Espanha para a Itália, ia um Navio Sueco, e entre sua tripulação um Mancebo duma família ilustre de Estocolmo. Durante a viagem travou amizade com os Padres; e em pouco tempo lhes ganhou tanta afeição, que resolveu (sem dizer a ninguém sua intenção) ficar com eles. Logo que arribaram à ilha de Córsega, eram todos os dias visitados por D. Lourenço Thiuli, que é o nome do nosso Autor, o qual, apenas soube que seu Navio se fazia de vela, fugiu dele, e foi esconder-se no meio dos montes, por cujo motivo foram baldadas todas as diligências, e pesquisas, que se fizeram para o encontrar. Passados alguns dias apareceu o nosso Mancebo, e apresenta-se aos Padres, lhes descobriu francamente seu desígnio. Alegram-se estes com a vista de quem julgavam perdido, e o acolheram com doçura, carinho, e afabilidade, virtudes, que lhes eram características, e que souberam conservar no meio dos infortúnios, e desgraças.

Não se entristeceram ao ver a nova ajuda de custo, que se agregava à sua curta, e limitada pensão. Ela sufragou também ao sustento, e vestuário do novo hospede, que pouco depois abjurou de boa vontade a heresia, e catequizado pelos Padres nos Mistérios, e Doutrina e nossa Santa Religião, era por sua docilidade, franqueza, e generosidade de seu belo coração as delicias de seus Tutores. Passado algum tempo quis receber a Roupeta, e foi admitido na Companhia, como filho, que já era seu. Durante o curso de seus estudos teve ocasião de manifestar uma grandeza, e generosidade de alma nada vulgar, uma piedade, e pureza de coração, que chamava a atenção de todos, e um talento grande, sólido, e despejado.

Formado já, não menos em a Virtude, que em Ciências, começou a dar ao Publico os frutos de sua assiduidade, e aplicação, conseguindo por todos estes títulos um lugar distinto entre os verdadeiros Sábios.

Nada choca tanto a uma espírito justo, com a hipocrisia, e a traição: e eis aqui a causa verdadeira do ódio, e despique de D. Lourenço contra o moderno Filosofismo. Conhecedor de seus pérfidos, e abomináveis planos, fez patente não poucas vezes a todo o mundo o mistério de iniquidade, que se concebia na Europa, e a horrível tormenta de males, e desgraças, que lhe preparavam os chamados Filósofos. Convencido das pérfidas vistas dos partidários do moderno Democratismo, falava, como de cousa passada e experimentada, de sua imoralidade, de sua libertinagem, do seu latrocínio, e de seus embustes e falsidades. Porém muitíssimos, ou fosse por singeleza, ou pelos poucos conhecimentos, ou (que é o mais comum) porque há homens de certa tempera, que não sabem persuadir-se que seja factível, o que eles não querem que suceda, tiveram por exagerados os avisos do nosso Autor, até que a experiência veio desengana-los.

Expulsos os Franceses da Itália, e conhecendo o nosso D. Lourenço, que a impiedade e tirania eram devedoras de quase todos os seus progressos à traidora falsidade de sua linguagem, determinou escrever o presente Vocabulário, para que instruídos os homens do grande transtorno, que os Filósofos tem feito em o idioma, não se deixem deslumbrar, e lhes entendam a língua. É quanto se sabe do Autor, e objeto da presente Obra.

III. Desejaríamos que este Vocabulário aparecesse logo de uma vez publicado; mas como para isso eram necessárias mais delongas, e despesas, que não podemos adiantar em grande quantidade, preferimos antes publica-lo em Cadernos separados, que irão saindo de 12 a 15 dias; e deverá ser o número destes cadernos de 12, com muito pouca diferença, para mais ou para menos, deste primeiro: seguimos em tudo a mesma forma do Autor; julgámos com tudo conveniente juntar algumas Notas, as quais têm por fim, ou explanar mais a matéria, ou fazer algumas aplicações, do que o Autor diz da sua Itália, aos fatos, que em o nosso Portugal se praticaram pela virtude dos mesmos Filósofos, que são os mesmos em toda a parte, e sempre falando a mesma já ousada linguagem; estar Notas irão imediatas aos artigos do Vocabulário: serão precedidas por este * sinal, e terminarão com este outro  "D. Tr." que vem a dizer "do Tradutor" Far-se-há um Catálogo por forma alfabética de todos os Vocábulos, que se porá no fim do Vocabulário para melhor comodidade dos Leitores quando queiram busca-los.

Esperamos que o Publico receba esta tradução como tendente ao único fim de dar a maior publicidade, que seja possível, ás doutrinas Realistas, de cuja falta muitas vezes ocorrem vários erros, ainda entre pessoas, que amam, e querem o Governo Monárquico; e desejamos que os nossos Leitores desculpem qualquer inexatidão, e menos pureza de linguagem, que nela possam encontrar: e se a falta de uma frase castigada merecer o seu desprezo, ao menos mereça a sua atenção a qualidade da matéria, que sendo útil e necessária, não deixa igualmente de ser jocosa e agradável. 

(continuação, II parte)

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