27/04/15

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (LXXV)

(continuação da LXXIV parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO

Thomas de Kempis

III Livro
A Fonte Das Consolações

Cap. XLVIII 
A Paz do Céu e As Misérias Desta Vida

1. Alma - Ó feliz habitação da cidade celeste! Ó dia claríssimo da eternidade, que não é escurecido por nenhuma noite, mas que brilha sempre com os raios da soberana verdade! Dia sempre alegre, sempre seguro, cuja felicidade não está exposta a mudanças! Quem me dera ver amanhecer esse dia e passarem logo as sombras das coisas perecedouras! Esse ditoso dia já brilha para os santos, no seu eterno esplendor, mas para os peregrinos da Terra apenas se entremostra como as luzes distantes de uma cidade através das sombras nocturnas.

2. Os cidadãos da Jerusalém Celeste sabem quanto ela é resplandecente, mas os filhos de Eva gemem na amargura e no tédio desta vida.
Os dias deste mundo são poucos e maus, cheios de dores e misérias. Neles se mancha o homem com muitos pecados, enreda-se nas paixões, perturba-se pelos temores, distrai-se pelos cuidados, dissipa-se pela curiosidade, cega-se pelo erro, desalenta-se pelo trabalho, oprime-se de tentações, afrouxa-se pelas delícias, atormenta-se pela pobreza. 

3. Oh! Quando virá o fim destes males? Quando me verei livre da infeliz escravidão dos vícios? Quando me lembrarei, Senhor, somente de Vós? Quando me alegrarei completamente em Vós? Quando gozarei da verdadeira liberdade, sem impedimento nem embaraço de corpo e espírito? Quando possuirei a paz imperturbável e segura, a paz interior e exterior, paz, em todos os sentidos invariável e firme? 
Bom Jesus, quando irei à Vossa presença? Quando contemplarei a glória do Vosso reino? Quando sereis para mim tudo em todas as coisas? Quando entrarei nesse reino, que preparaste, desde toda a eternidade, para os que Vos amam? Ai! Como me sinto abandonado, pobre e banido, numa terra cheia de inimigos, onde a guerra é contínua e os males inumeráveis.

4. Consolai o meu desterro, mitigai a minha dor, porque por Vós suspira todo o meu desejo, e toda a consolação que o mundo me oferece é pesada. Desejo unir-me intimamente Convosco, mas não posso conseguir. Desejo apegar-me às coisas do Céu, mas o amor das coisas temporais e as minhas paixões, não mortificadas, arrastam-me para a terra.
Pelo espírito procuro elevar-me acima de tudo, mas sou obrigado, pela fraqueza da carne, a sujeitar-me contra a minha vontade. Deste modo, eu, homem infeliz, pelejo comigo mesmo e a mim mesmo me faço insuportável. Forceja meu espírito sempre para cima; inclina-me a carne sempre para baixo. 

5. Quanto não padeço eu, quando, meditando nas coisas celestes, sinto a minha alma sitiada por uma multidão de pensamentos terrenos!
Meu Deus, não Vos aparteis de mim nem Vos afasteis, irado, do Vosso servo. Lançai os Vossos raios e dissipai todas estas ilusões; despedi as Vossas setas contra os artifícios do meu inimigo; recolhei em Vós todos os meus sentidos; fazei que eu me esqueça de todas as coisas do mundo; que rejeite e despreze as tristes imagens que o pecado imprime em meu espírito. Socorrei-me, Verdade Eterna, para que eu seja insensível a todos os movimentos da vaidade. Descei ao meu coração para que dele fuja toda a impureza. 
Perdoai-me Senhor, e tratai-me segundo a Vossa misericórdia, todas as vezes em que, na oração, eu pense em alguma coisa fora de Vós. Confesso que frequentemente estou distraído quando oro; o espírito afasta-se do corpo, mas é levado pela desordem dos pensamentos. Na verdade, estou onde está o pensamento, mas ele corre para aquilo que funestamente me atrai. O que mais facilmente me atrai é o que naturalmente me deleita, ou que o costume faz mais agradável.

6. Vós, claramente, nos ensinastes esta verdade, dizendo: "Onde está o vosso tesouro, está o vosso coração." Se amo o Céu, de boa vontade penso nas coisas celestes. Se amo o mundo, alegro-me com as suas felicidades e entristeço-me com os seus males. Se amo a carne, a minha imaginação apresenta-me coisas carnais. Se amo o espírito, em coisas do espírito é que me deleito.
Eu sinto em mim uma inclinação a falar e a ouvir falar de tudo aquilo que amo, e conservo no meu coração as imagens dessas coisas. Feliz aquele homem, ó meu Deus, que por amor de Vós desterra da sua lembrança todas as criaturas; que faz violência à natureza; que sacrifica todos os maus desejos da carne pelo fervor do espírito, para oferecer-Vos uma oração pura, elevando-se na serenidade da sua consciência, a fim de que, despojando-se de tudo o que é terrestre, interior e exteriormente, se faça digno de adorar a Deus, em espírito, na companhia dos Seus anjos.

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