25/11/14

DO CONDE D. HENRIQUE - por D. Fr. Fortunato de S. Boaventura (V)

(continuação da IV parte)

D. Henrique
XVI

Já se ponderou a necessidade, que tiveram os genealógicos franceses, de verificarem, mas a poder de conjecturas, que de argumentos sólidos, esse parentesco entre os dois condes; e por isso também da nossa parte convinha, que se tivessem feito iguais diligências, vista a importância do caso, de que estava pendente o crédito dos nossos antigos historiadores. Assim procedeu Fr. Bernardo de Brito, ainda moço, de 23 anos de idade, e mui longe das suas posteriores comunicações literárias com o português Luzada e com o espanhol Romano de la Higuera. Escrevendo pois a Terceira parte da Monarchia Lusitana, que está inédita pelas razões ponderadas na introdução da quarta parte da mesma obra (em que todavia cumpre notarmos, que o próprio Fr. António Brandão confessa, que as memórias de mão, que ele cita, merecem confiança) propõe a genealogia do Conde D. Henrique por este modo: "Da geração e antiga prosápia do qual contendem os autores com tanta variedade, que não faria pouco quem se livrasse neste lugar da confusão, que sua inconstância causa no entendimento." Passa uma revista de diferentes opiniões, e continua: "Das quais todas nos salva a memória de Alcobaça, escrita quase em seu tempo, que brevemente nos desengana da sua nobreza, dizendo ser filho de Pedro, Rei de Hungria, sucessor do santo Rei Estêvão, que primeiro divulgou e aumentou naquele reino a fé católica." Tendo-se espraiado na genealogia dos reis da Hungria, para o que revolveu, o ainda hoje dos melhores historiadores das coisas da Hungria, António Bonfinio, prossegue até ao Rei Toxo, e diz: "Este Toxo teve um filho chamado Geysa, que foi o primeiro húngaro que aceitou a fé católica por meio de D. Adalberto. Geysa teve por mulher uma grande senhora chamada Sarolta, filha de um grande capitão chamado Giula, de quem nasceu S. Estêvão, Rei da Hungria, e uma filha casou com o Duque Guilherme, irmão de Segismundo, Reis de Borgonha, que foi havido por santo. Este Guilherme foi primeiro casado com Getrude, irmão do Imperador Henrique II, e a qual houve uma filha chamada Gisela, que casou, com ElRei Estêvão, e morrendo-lhe a primeira mulher se casou, como dissemos, com a irmão de seu genro Estêvão, de quem houve um filho chamado Pedro, que sucedeu no Reino da Hungria por morte de Emerico, seu primo, filho de Estêvão, e casando-se com uma irmão de Alberto, Duque de Áustria, houve dela um filho chamado Guilhelmo, e outro chamado Henrique, que é o de quem procedem os reis da Lusitânia cuja ventura acabou com a vida de seu pai, que feneceu em mãos de ElRei Andrés, que ficou absoluto senhor da terra, salvando-se os meninos com a mãe em casa de seu tio Alberto, Duque de Áustria, no ano do Redentor Jesus Cristo de 1047. Não faltaram pretensões para tornar a entronizar os órfãos em seu reino, mas tudo foi em vão, porque, como diz Spoleto, autor húngaro de nação (liv. 4º, cap. 19) a má vontade que os húngaros tinham à memória das coisas que ElRei Pedro fizera os não deixava admitir a reinar gente, que tivessem nome de sua. O menino Henrique foi levado a Borgonha a seu avô Gulhelmo, onde esteve até à idade perfeita, não sem lástima de ver-se em alheia fortuna da em que nascera; mas ao fim compunha a grandeza do seu ânimo com esperanças futuras, que não enganaram seu pensamento. O que fez em este meio tempo não consta de autor fidedigno, salvo que sendo já homem partiu para a Hespanha etc."

XVII

Ao menos Fr. Bernardo de Brito soube forcejar pela conservação do antigo parecer dos nossos historiadores; e a própria, como deserção, que ele fez para se acolher às bandeiras de outro campeão destas genealogias, nos certifica de que ele obrou de muito boa fé; que se os seus trabalhos em defesa do historiador Galvão fossem nascidos em defesa do historiador Galvão fossem nascidos de algum princípio de tenacidade, ou facção (que também a costuma haver nestas matérias) nunca abraçaria os dictames de Duarte Nunes de leão. Cumprindo-me agora fazer da minha parte o melhor exame, que me fosse possível, dos historiadores húngaros, confesso que não tive a mão (porque faltam absolutamente nas melhores bibliotecas deste reino) as obras mais críticas e apuradas, que me seria necessário consultar; e por isso tive de me limitar somente a dois, isto é, a Bonifácio e a João Pistório, ambos de crédito não vulgar, e tidos geralmente na boa conta de exactos e fidedignos, que a muitos respeitos merecem. Confessa o primeiro, que D. Pedro da Hungria fôra casado com uma irmã de Alberto, duque de Áustria, o que desde logo faz cair um dos principais argumentos do licenciado Nunes de Leão contra a antiga, e pelo menos a mais provável genealogia do Conde D. Henrique, pois vai muito de ser filha a ser irmão de Alberto, Duque de Áustria; e por outra parte a sucessão por fêmeas não era tão segura nos tempos da meia-idade, como se tornou nos séculos posteriores, o que tudo se deve tomar em consideração quando se fazem tais argumentos. João Pistório Niddano deu à luz em 1600 a obra intitulada "Rerum Ungaricarum Scriptores Varii. Francfort, 1600" e por fim apresentou a genealogia dos reisda Hungria tirada de óptimos escritores, onde lemos a página 551:

"D. Stephani... Uxor altera Gisela filia Guilielmi Burgundi.
N. Soror S. Stephani... maritus Guilielmus Burgundus. UngariciAnnales fratrem Sigismundi regis fuisse volunt, sed falsissime.
Petrus rex secundus Hungaride a Gisela regina factus...
Uxor Juditha vidua Bresbilai ducis Bohemiae filia Othonis III.
Uxor secunda... Alberti ducis Austriae soror."

Aqui vemos a opinião de Fr. Bernardo de Brito, não só corroborada pelas investigações de um historiador, cujos trabalhos mereceram ao douto Struvio uma edição publicada nos princípios do séc. XVIII (1), porém emendada no horrível anacronismo de nos dar S. Sigismundo por contemporâneo dos príncipes borgonheses do séc. XI.

(continuação, VI parte)

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