22/10/14

FLORES DE HISPANHA, EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL (VII)

(continuação da VI parte)


FLORES DA HISPANHA,
EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL


CAPÍTULO
I
DO SÍTIO E BOM CLIMA DO REINO DE PORTUGAL

Novo Atelante, se não tão valente, tomo sobre os meus ombros tão pesada carga, como o primeiro: excelências de Portugal pretendo escrever, para o qual eram necessárias mais avantajados livros, Homeros, e Virgílios; pois à sua vista são pequenas as grandezas das antigas Babiónias, Troia, Atenas, Lacedemónia, Roma, e Cartago; limitado o esforço de Hércules, Hector, e Aquiles; humildes as victorias de Alexandre e Trajano, curtas as navegações dos Argonautas, Eneias e Ulisses, e tudo o que está escrito a respeito de deuses e semideuses vãos, heróis e nações insignes. Virtudes escreveu mais levantadas de Cipiões, Aníbais Lusitanos, Césares católicos, varões mais subidos; e sem invocar deidades falsas de Apolos, Minervas, ou Caliopes, espero que o verdadeiro Pai das ciências, fonte da eloquência, autor da sabedoria, pois honrou Portugal com tantos dons, dará entendimento para compreende-los, língua para distraí-los, pena para escrevê-los. (a) "Tuinquam, qui versus fons luminis, et sapientie diceris, atque superaminens principium infundere digneris super intelectus mei tenebras tua radium claritatis duplices, in quas natus sum a me removens tenebras, peccatum scilicet, et ignorantiam; qui linguas infontium facis esse disertas, linguam meam erudios, atque in labiis meis gratiam tuae benedictionis infundas." (b)

É tão grande a obrigação dos reis que, por encarecimento, basta dizer que em todas as virtudes devem exceder aos restantes homens: (c) e assim diz a Sagrada Escritura, (d) que Saúl por divina eleição foi escolhido para Rei porque era bom e não havia outro melhor entre os filhos de Israel; e também Ciro rei dos Persas, que por ser gentio dizia que não era merecedor de ser Rei, senão aquele que fosse melhor que os vassalos, e segundo isto, sendo perguntado a Alexandre na hora da morte a quem deixaria por herdeiro da sua Monarquia, (e) respondeu que ao melhor, e mais digno, e assim a coroa de ouro, que depois da de prata, e da de ferro se costuma colocar no Imperador da Alemanha, não é outra coisas senão significar que a mesma vantagem que aquele leva aos relativamente aos outros metais é a que deve ter o Imperador nos quilates da virtude, e da Fé para com Deus e para com os homens e a todos.

[(a) - Ovidius metam. lib. I, in principio ibi Dii eaepris nam vos murastis, et ipsas, ad spirate meis); (b) - D. Thom. de Aquin. in Orar. ante studium.]
[(c) - Flav. Veget. de remilit. in praefat.;
(d) - I  Reg. cap. 9;
(e) - Quint. Curt. lib. ult. de rebus Alexandi.]

1. Por estes e outros trabalhos, e cargos, que o reinar traz consigo, e tanto exageram os que escrevem materiais (f) de estado, disse Saturnino Augusto aos que lhes vestiam a púrpura imperail: "Nescitis, amici, nescitis, quid mali sit imperare, gladii nostris impendent cervicibus, imminent (hastae?), timentur hostes, comites formidantur." Vós sabeis, amigos, o mal que é reinar; as espadas, e lanças estão pendentes sobre nossas gargantas, tememos os inimigos, e dos nossos próprios companheiros nos acautelamos: (g) e o Rei Antigono advertiu ao seu filho, que o reinar não era outra coisa senão uma explêdida servidão, (h) porque não é o Reino, e posto por causa do Príncipe, e governador, senão o governador por causa da população a quem serve continuamente como pastor ao gado.

[(f) - Plato Dionys. propinquis epist. 7 Xenophon. Lib. I de paedia Cyri. Cornel. Tacitus lib. I Flavius Vopiscus in Aureliano. Simancas de republica lib. 9 C.I.;
(g) - Refert Doctor Valensula de statu, ac belli rat. I p. consider I n 49;
(h) - Lisian. lib. 2 de var. hist. c. 20]


2. Sendo assim, como o homem naturalmente foge àquilo que lhe faz peso, pouquíssimos temos visto que fogem, antes não desejassem o trabalho de reinar, e senão digam-no as histórias se houve batalhas por alguém querer abandonar seus reinos, ou por adquirir outros de novo, ainda que fossem os alheios? O que se sabe é que quando os Imperadores Dioclesiano e Maximiniano renunciaram ao Império, e quando Messala e Cipião o maior deixaram o governo, e o turco Amurates, e os Imperadores Michael Coruplates, Matuel, João Catecuseno, e Locário, os reis Pedro de Inglaterra, Rachis de Longobarda, Dom Bernardo, e D. Afonso o Monge das Astúrias, e os Príncipes Judoco da Bretenha, e Forefo de Hibernia monospresaram os impérios, reinos, e principados; admirou sua resolução ao mundo, e a do grande Imperador Carlos V, foi sua maior bonança.

3. Mas, certamente, os desejos de reinar têm muita desculpa, e há fartas razões para creditá-los; considerando, entre outras, a grande excelência dos reis, muito cobiçável, pois é tal que deles diz Platão, induzindo a Sócrates, (i) que Deus, ao criar os homens, misturou ouro na matéria da qual havia de fazer os Príncipes e prata àquela com que haviam de fazer nascer os Conselheiros, Senhores, e Cavaleiros para ajudar o Príncipe, e ferro à matéria dos lavradores e oficiais. Outro (l) antigo disse que o Rei era um homem mais divino entre todos, muito eminente à comum natureza, porque ainda que em corpo seja semelhante aos demais, como nascido da própria matéria, é contudo fabricado pelo melhor artífice, o qual o fez tomando o traço e o exemplo de si mesmo. Plutarco (m) escreve que os Príncipes são ministros de Deus para o cuidado e saúde dos homens, para distribuir e guardar os bens que Deus lhes deu; e mais abaixo volta a repetir que o Príncipe é simulacro de Deus, que todas as coisas administra; porque assim como Deus no Céu constituiu o Sol e a Lua por simulacro seu, assim na república o Príncipe é imagem e lume que defenda a justiça de Deus; e noutra parte afirma (n) que somente os reis (e não os homens particulares) são discípulos de Deus; Diotogenes afirma (o) que o Rei é uma lei viva que entre os homens representa a figura de Deus; Stobeu chama-lhe obra única (p) e excelente imagem do Soberano Rei, familiar ao seu criador, lume, ou luz resplandecente entre seus súbditos e vassalos: mas todos os renomes, títulos, e louvores com que os autores (q) encarecem a dignidade e grande excelência dos reis, ficam muito atrás do que disse o Apóstolo (r) que os chama ministros de Deus e filhos adoptivos de Deus, e em várias partes das divinas letras são chamados Vice-reis e substitutos de Deus, ou melhor dizendo, ministros seus principais, (s) que é a razão porque S. Pedro encomenda tanto aos homens o respeito, veneração, e obediência, que devem aos reis, (t) o qual tinham já encomendado os autores (u) gentios apenas com o lume natural, sem conhecer a Deus; e o punham aqueles antigos por obra, de tal foram que tendo o Rei da Pérsia mandado açoitar a um, o condenado agradeceu-lhe muito, tendo por grande mercê e favor que o Rei se recordasse dele, ainda que fosse para mandá-lo acoitar. (x)

Havendo então tanta razão para estimar o reinado entre os homens, a mesma [razão] existe para ser apreciado entre as terras, porque se houver alguma delas rainha das outras, farto argumento terá para seus louvores, porque se o rei Teodorico disse que não era necessário mais benefício de Artemidoro (y) que tê-lo a ele como privado e estimado seu, antepondo-o aos outros, pois podendo ele buscar o melhor entre milhares de homens o tinha escolhido a ele, com mais justa causa se pode afirmar que, quando Deus constitui alguém por rei e superior de outros, o julgaremos por melhor e mais digno para aquela alta dignidade; como de Saúl se dá a entender na Escritura. E conforme a isto, falava Leónidas, Rei dos Espartanos, ao dizer (z) que se não fosse melhor que os outros não teria chegado a rei. Não nego que algumas vezes sucede ao contrário, mas falo do que é ordinariamente e segundo boa razão deve ser. E assim meu intento é provar nesta primeira excelência, ou capítulo, que Portugal está na melhor parte do mundo e de tal modo colocado que parece rei e senhor de todo ele, que pois reinar sobre outros para tantos fundamentos é coisa para estimar, justo é começar por aqui os louvores de Portugal; para o qual digo desta maneira.

[(i) - Plato do I pub. 3;
(l) - Ecphates apud Stobaeum serm 47;
(m) - Plutarch. in lib. de doctrina Principis;
(n) - Plutarch. Lib. de disput. Philos;
(o) - Diotog. in lib. de Regno;
(p) - Stobaeus in admonition. de Regno serm. 48;
(q) - Refert Simanch. de republ. lib. 3 c. 6;
(r) - Rom. I 3 & 8;
(s) - Refert Belarmin. de officio Principis lib. I c. I;
(t) - D. Petrus prioris Epist. c. 2;
(u) - Taleucus in procemio legu. Carondas in procemiis legu. Plutarch. in Termistoch;
(x) - Stobaeus serm. de legibus;
(y) - Cassiodor. lib. 1 Epist. 43;
(z) - Refert Valens de statu, ac belli rar. 2 p. confid. 11 n.8]


(continuação, VIII parte)

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