11/06/14

Sto. ANTÓNIO DE LISBOA - Sexta-feira, 13 de Junho de 1231

CAPÍTULO I
DO TRÂNSITO DE Sto. ANTÓNIO
 
Sto. António vestido de menino de coro da Sé
(Sé Patriarcal de Lisboa)
No ano da Incarnação do Senhor de 1231, indicação IV, a 13 de Junho e numa sexta-feira o mui bem-aventurado Pai, e nosso Irmão Sto. António, Hispanhol [não confundir com "espanhol"] de nascimento, entrou no caminho de toda a carne, trasladando-se felizmente para as moradas dos espíritos celestiais, desde uma cela do Oratório de frades, que ficava a pouca distância da cidade de Pádua, na qual o Altíssimo engrandeceu o seu nome pelos merecimentos deste santo. Deixara Sto. António por algum tempo a concorrência de gentes, que de toda a parte acudiam para o ver; e para estar em sossego, tinha-se recolhido ao Campo Sampiero, e aí começou de tratar só com Deus, querendo limpar com as lágrimas de devoção, ou com os cabelos da sagrada meditação tudo aquilo, que fosse pó da terra, se porventura algum se lhe houvesse pegado, como é ordinário em trato secular. Tendo uma vez descido de sua nogueira ao toque do sino, que o chamara para o refeitório, estaca ai sentado com os outros religiosos na forma do costume. Porém carregou sobre ele a mão de Deus, e de súbito lhe faleceram todas as forças corporais, e engrandecendo a moléstia, levantou-se da mesa já em braços de seus Irmãos, e não podendo absolutamente consigo, deitou-se numas palhas, que lhe serviam de cama, e o fez a instâncias de um dos presentes. Sentindo pois o servo de Deus, que era chegado o termo de seus dias, chamou à parte Fr. Rogério, que era um dos seus Irmãos e companheiros, e disse-lhe: Se te parece, Irmão, para evitar todo o incómodo a estes Padres, vou-me daqui para a cidade de Pádua ao convento de Sta. Maria. Parecendo isto bem a Fr. Rogério, preparou-se um carro, onde puseram o santo, não sem grande renitência dos frades daquele Oratório, que por modo nenhum queriam consentir, que ele saísse para outra parte; mas vendo que o santo estava firme em seu propósito, cederam da instância, posto que muito contra vontade. Já perto da cidade lhe veio ao encontro um Frade muito seu conhecido, que o ia visitar, e vendo-o assim gravado de moléstia, começou de pedir-lhe, que se recolhesse à cela, ou a um oratório de frades, que ali estava próximo; os quais se ocupavam em administrar os Sacramentos a umas Sorores pobres, como é estilo da Ordem Seráfica; e alegava para o resolver, que no Convento da cidade seria grande o barulho de visitas, e o incómodo dos frades, que não podiam atalhar o enfadonho concurso de pessoas seculares. Tendo ouvido estas coisas, anuiu o santo aos rogos, que se lhe faziam, e seguindo o parecer do seu amigo, deixou-se conduzir ao tal Oratório.

Sto. António de Lisboa
(pormenor de uma gravura do Livro de Horas do Rei D. Manuel I de Portugal)
Aí recrescendo mais a doença, e carregando cada vez mais sobre ele a mão de Deus, mostrou-se muio ansiado, e repousando por breve tempo, recebeu o Sacramento da Penitência, e começou de entoar o hino de N. Senhora: "Ó gloriosa Senhora, exaltada, etc.". e esteve com eles mui fixos olhando para cima; e perguntando-lhe um frade, que o sustinha nos braços, que via. Respondeu: "Vejo o meu Senhor. Conhecendo pois os religiosos presente, que não tardaria o seu feliz trânsito, determinam administrar-lhe o Sacramento da Extrema-Unção, e chegando-se para ele o Padre, que trazia os Santos Óleos, Sto. António voltando-se para ele disse: "Não é necessário, Irmão, que me faças isto, pois tenho em meu interior essa Unção; porém sempre é bom que eu a receba, o que muito me agrada (guarde-se o leitor, que não seja exercitado em avaliar a força das palavras dos Santos, guarde-se, torno a dizer, de que as derradeiras palavras de Sto. António lhe pareçam dar azos para se impugnar a doutrina da igreja sobre o Sacramento da Extrema-Unção. O santo queria dar a entender, que no meio das agonias da morte se via banhado do Óleo da espiritual alegria, como quem declarava, que o Senhor já lhe tinha lavado as mais ligeiras nódoas de pecado: porém quando ele acrescenta, que a Unção é boa para ele, e que muito lhe agrada, fechou de antemão a porta a qualquer inteligência herética, que se queira dar ás suas palavras). Estando pois as mãos, e ungidas as palmas, levou ao fim os salmos penitenciais, que principiara a cantar com os Irmãos. E tendo quietado consigo quase meia hora, aquela alma santíssima desligando-se dos grilhões da carne, engolfou-se no abismo de eterna claridade; mostrava o seu corpo a feição de quem dormia, e as suas mãos, tornando-se muito alvas, sobrepojavam a sua antiga formosura, e as mais partes do seu corpo se fizeram sobre modo flexíveis. Oh verdadeiro santo e servo do Altíssimo, que ainda no tempo, em que vivia, conseguiu ver a Deus! e como que uniu esta vida mortal com a visão bem-aventurada! Oh alma santíssima, que posto não fosses separada do corpo a impulsos de crueldade dos perseguidores, com tudo mil vezes foste atravessada pelos desejos do martírio, e pela espada de compaixão? Digno Pai, acolhe benignamente as vítimas da sincera devoção, com que te honram os teus devotos, e como ainda não podemos gozar a vista clara de Deus, sê tu o nosso medianeiro para com este Senhor. Ámen. (Vida e Milagres de Santo António de Lisboa... . Fr. Fortunato de São Boaventura, 1830)

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