24/05/14

O SANTO LENHO DA SÉ DE ÉVORA (III)

(continuação da II parte)

ElRei D. Afonso IV de Portugal
Todos os escritores antigos são unânimes em relevar a importância da participação do Santo Lenho na batalha do Salado e em sublinhar a sua influência decisiva na victoria dos cristãos, que varreu para sempre as ilusórias esperanças muçulmanas de reconquistarem a Península Ibérica e preparou a derrocada do último reino maometano peninsular pela conquista de Granada em 1491.

Encontrava-se a Côrte em Évora em 1340, quando uma grande invasão de beimerines, vindos de Marrocos, a pedido do Rei de Granada, comandados por Abul-Háçan, aliados aos granadinos, chefiados pelos seu soberano Iúçufe-Abul-Agiag, cercaram Tarifa, decididos a recomeçar por ali a reconquista da Península.

Afonso XI de Castela, sentindo-se incapaz de deter a invasão mourisca, mandou sua esposa, filha de D. Afonso IV "a fermosíssima Maria" de Camões (18), pedir socorro ao sogro. O Rei de Portugal, apesar de agravado pelas injúrias feitas à filha pelo genro, que a sequestrada no castelo de Sevilha, trocando-a pela amante, D. Leonor de Gusmão, num gesto de larga generosidade e de visão rasgada, acorre à capital de Andaluzia com um exército de 4000 cavaleiros, em que iam incorporados 100 cavaleiros e 1000 peões eborenses, levando por alferes o eborense Gonçalo Esteves Carvoeiro.

Seguia na hoste lusitana um nobre cavaleiro, sucessor de D. Afonso Pires Farinha no Priorado da Ordem do Hospital, D. Álvaro Gonçalves Pereira, a quem El-Rei mandou levar o Santo Lenho do Marmelar, como se lê na fonte medieva mais antiga da batalha do Salado, o fragmento do Nobiliário do Collegio dos Nobres, publicado primeiramente por Alexandre Herculano (19) e recentemente por Alfredo Pimenta, que o julga escrito por testemunha ocular da célebre peleja (20).

Coube a El-Rei de Portugal defrontar o Rei de Granada, inimigo mais poderoso e temeroso, porque mais perto de casa e apetrechado com tropas frescas.

O cronista Rui de Pina (21) conta que, em tão grave emergência, os Reis de Portugal e de Castela bem como os seus soldados, ouviram Missa, confessaram-se e comungaram, preparando-se cristãmente para uma pugna que era bem de vida ou de morte para os reinos cristãos da Península.

Ouçamos, porém, a saborosa e viva narração do desconhecido autor do Nobiliário do Collegio dos Nobres.

Após a exortação feita pelo soberano português aos seus homens de armas, digna de um Rei profundamente cristão, 

"os Fidalgos portugueses assim responderam: -"Senhor, os que aqui estão hoje neste dia, vos farão vencer ou aí todos prenderemos morte." El-Rei disto se alegrou. Disse D. Álvaro Gonçalves (22) de Pereira Prior da Ordem da Cavalaria de S. João no Reino de Portugal que fosse mostrar a vera Cruz do Marmelar que daí mandara trazer, e o Prior D. Álvaro de Pereira mandou vestir um clérigo de Missa (23) em vestimentas alvas, e a vera Cruz numa haste grande que o pudessem ver de todas as partes e fez o clérigo cavalgar um mulo ["macho"] muito branco, e trouxe a vera Cruz ante o Rei, e disse-lhe o Prior D. Álvaro: - "Senhor, vedes aqui a vera Cruz, rezai-lhe e colocai nela vossa confiança (25) e pedi-lhe que aquele que padeceu morte e Paixão nela para vos salvar, que os vossos naturais que aqui tendes haveis de vencer estas lides, e vós haverei de vencer primeiro". El-Rei e aqueles que com ele estavam contentaram-se com o incentivo destas palavras do Prior D. Álvaro e disseram assim: "assim o compra Jesus Cristo". E fizeram sua oração à vera Cruz muito humildemente" (27).

Rui de Pina (28) conta ainda a devoção com que seguiram o Santo Lenho:

"E depois que a Cruz com muita devoção foi de ElRei, e de todos os que a viram adorada, e pedido a Deus, que pela virtude, e grandes merecimentos dela os ajudasse tomaram diante de si a mesma Cruz por guia, e seguiu logo após ela a bandeira Real de Portugal, que levava o dito Gonçalo Correia de Azevedo, singular cavaleiro, e mui esforçado, que era Neto daquele bom D. Paio Peres Correia, Mestre de Santiago, o qual devotamente ia cantando o Salmo Exurgat Deus, et dissipentur inimici eius".

(Continuação, IV parte)

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