02/04/14

O ASSALTO CASTELHANO À MINA, e outras coisas mais.

CAPÍTULO CIII
No qual sumariamente se trata das pazes, que se fizeram entre Castela, e Portugal, e do que depois de serem feitas se trata nestes Reinos até ao falecimento de ElRei D. Afonso.

D. João II
"Em nenhuma das Crónicas que li, nem em quantas memórias juntei para coligir esta, se acha que o Papa Sisto [IV], que então presidia na Igreja de Roma, mandasse Núncios, nem Legados, nem outros mensageiros a ElRei D. Afonso, nem a ElRei D. Fernando, para darem algum remédio a tantos males, mortes, e roubos, quantos de um Reino ao outro se cada dia faziam, o que na verdade se não deve crer, nem é de cuidar que tamanho negócio passasse por descuido a um tal Pontífice, e ao Colégio dos Cardeais, e se assim foi, seria por oculto mistério Divino: mas Deus que por sua suma bondade após os castigos que nos dá, manda o remédio dele, não se quis de todo esquecer das suas ovelhas, e no tempo em que as coisas estavam mais turvadas, e em que quase de novo se começavam a revolver tratos, e inteligências entre ElRei D. Afonso, e alguns Senhores de Castela, contra ElRei D. Fernando, do que se a guerra houvera de atear com maior chama de fogo, neste tempo houve por seu serviço, por meio, e exortação de pessoas virtuosas, e principalmente da Infanta D. Beatriz tia da Rainha D. Isabel, mandar a santa paz, dom que ele só pode dar, a qual foi assentada, e concluída no lugar das Alcáçovas, mandando-se logo apregoar por todos os lugares, Vilas, e Cidades de ambos os reinos, nas capitulações das quais se trataram casamentos do Infante D. Afonso filho do Príncipe D. João, com a Infanta D. Isabel filha mais velha de ElRei D. Fernando, e da Rainha D. Isabel, que depois sendo eles em idade, foram celebrados, e consumados na Cidade de Évora, e porque o Cronista que fez a Crónica de ElRei D. Afonso escreve assaz por extenso os concertos destas pazes, e casamentos, me pareceu escusado de referir aqui mais deles, que a triste mudança da Rainha D. Joana, de seu Real, estado a Freira Professa do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra, vida que ela tomou com tanta paciência, quanto foi o desgosto que ElRei D. Afonso seu esposo teve de lhe ver forçadamente fazer tamanha mudança, da qual o autor foi o Príncipe D. João, pelo que se pôde crer que lhe pôs Deus termo à vida com tanta tristeza, quanta teve por carecer à hora de sua morte de filho legítimo herdeiro destes Reinos, por cujo respeito ordenou esta profissão, constrangendo ElRei D. Afonso a consentir em coisa, de que manifestamente se conheceu lhe antecipar a paixão que disso tomou os limites da vida. Esta profissão da Rainha D. Joana se fez em Novembro do ano do Senhor de 1480 no qual tempo a maior parte do Reino era tocada de peste, com tudo depois que o Príncipe D. João reinou lhe permitiu que viesse fora da Religião, e teve nestes Reinos, até que morreu, casa, e Estado de Rainha. Neste ano mandaram ElRei D. Afonso, e o Príncipe, Jorge Correia Comendador do Pinheiro, e Mem Palha, bons, e esforçados Cavaleiros correr a costa da Guiné, cada um em sua Capitania, os quais juntos na paragem da Mina desbarataram trinta e cinco naus, e navios de Castela, de que era Capitão Pedro de Covides, que do tempo da guerra lá andava refregado por mandado de ElRei D. Fernando, e da Rainha D. Isabel, e trouxeram todas estas naus, e gente a este Reino com muito ouro, que já tinham resgatado, mas por respeito das capitulações das pazes foram logo soltos, e as naus, e navios entregues, da maior parte do qual ouro fez o Príncipe mercê aos Embaixadores de Castela, e a outros Senhores, que então andavam na Côrte. No mesmo ano mandou ElRei D. Afonso o Bispo de Évora D. Garcia de Menezes socorrer a Cidade de Hotrento, que os Turcos então tomaram, situada na Província da Apulha, mas pela grande detença que fez em Roma, e todos os portos da Itália, não chegou a esta Cidade, porque no caminho lhe deram recado certo que D. Afonso Duque de Calábria, filho de ElRei D. Fernando de Nápoles, a tinha cobrada por partido que fez com os Turcos,  pelo que se tornou ao Reino, sem fazer coisa digna de memória, nem que de contar seja." (Chroninca do Príncipe D. Joam, Rei que foi destes Regnos segundo do nome, etc.. Damião de Goes, Lisboa Ocidental, M.DCC.XXIV)

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