07/04/14

EVANGELIZAÇÃO NA SERRA LEOA

Serra Leoa
CAPÍTULO XXIII

"Parte da Serra leoa para a Ilha de Santiago, arriba à costa da Guiné, e do que obrou até chegar à dita Ilha.

1. Depois de ter o Padre Baltazar Barreira como um novo Sol alumiando as espessas trevas da Serra Leoa, feito laboriosas peregrinações naqueles Reinos, das quais recolheu copiosos frutos, lhe foi necessário voltar à Ilha, como para outras muitas coisas do serviço de Deus, que dependiam de sua presença. No caminho se lhe deram cartas de seus Superiores, que o mandavam voltar a Cabo Verde; com isto se consolou muito, por entender ser esta jornada toda de Deus, por apenas disposição sua, mas da santa obediência, que é o norte dos homens Religiosos. Ao terceiro dia depois de sair do porto, se tornou a recolher a ele, por lhe quebrar o mastro grande com a força do vento. Concertado o mastro, se fez na mesma viagem; e posto que os ventos eram pouco favoráveis, e as águas os encaminhavam para uns baixos perigosos, foi Deus servido, que se livrassem.

2. Oito dias depois lhe sobreveio um acidente repentino, durou-lhe poucos dias, mas com grandes febres, e fastio. Não lhe aplicou remédio humano, porque ali só havia o da confiança em Deus; esta lhe assistiu, e por ela o livrou Deus de um inchaço de estranha grandeza, que lhe tinha causado o acidente. Dezanove dias gastou em chegar até à altura da Ilha; mas nem a de Santiago, nem alguma outra encontravam; porque a corrente das águas os fez descair para a parte do levante, ficando-lhe as ilhas atrás para a parte do Poente. Vendo os marinheiros, serem os ventos contrários, e ir-se acabando a matalotagem, puseram proa na terra firme, que corre do rito Cenega para Cacheo. Em menos de vinte e quatro horas chegaram à vista dela. Depois quando o Padre dali a tempos chegou à Ilha, contando este desvio da jornada, lhe disseram, que fôra uma grande Providência de Deus; por quanto naquele tempo andava um corsário á vista da Ilha, e se o Padre chegara, sem dúvida lhe cairia nas mãos. isto sentiram os naturais da Ilha; porém ao Padre lhe pareceu, que Deus o levara à terra firme, para bem de muitas almas, como se viu no futuro, que nelas fez. Assim o diziam também os Portugueses, depois que viram os proveitos, que se seguiam nas vidas, e costumes dos que negociavam na terra firme. Aquela costa é habitada de gente infectada com a maldita seita de Mafoma [Maomé]. Tem dois portos principais, um se chama Ale, outro Joala. neles comerciavam Ingleses, Holandeses, Franceses, e Portugueses. Em Joala saíram em terra. Festejaram muito os Portugueses a vinda do Padre. Deram-lhe casas junto a uma como Igreja, que ali tinham. Um deles tomou à sua conta prover o Padre; e o fez com tanta largueza, que lhe não custou pouco ao moderar.

3. Os dias que ai esteve, se ocupou em confessar, pregar, e fazer doutrinas. Depois sabendo o Visitador do Bispado, que era um Cónego de Cabo Verde, e estava em Aler, ter chegado o Padre àquela costa, o mandou convidar, e pedir, se viesse a Ale, porque se achava indisposto, e necessitava de sua ajuda para o bem dos Cristãos. Saiu a recebê-lo com os Portugueses, e também o Governador Mouro. Ao passar na praia por uma Cruz grande, que nela estava arvorada, ajoelhou, o mesmo fizeram os Cristãos. Para maior glória da Santa Cruz, ali costumou daí por diante ir fazer as doutrinas. Também por ser paragem muito frequentada de toda a sorte de gente. os hereges, e Mouros, que concorriam, eram mais, que os Cristãos. Dizia o Padre muitas coisas na doutrina dos erros, assim dos Hereges, como dos Mouros. Todos estavam com tanta atenção, como se fossem Cristãos devotos. Desejava o Padre formar procissão da santa Doutrina com solenidade; e isto disse o Visitador, e os mais Cristãos, que como o Rei, e naturais eram mouros, e havia na terra muitos Cassizes, podia isto ter algum efeito em contrário aos seus desejos. Todavia assentiram, que a fizessem uma vez, e esta os ensinaria.

4. Saiu pois um Domingo de tarde com a procissão da santa doutrina pela rua principal da povoação, levando diante a campainha, e depois um Crucifixo de vulto acompanhado dos Portugueses com suas luminárias em duas ordens. Cantavam dois meninos a doutrina, e todos os mais respondiam. Ia por fora das fileiras grande multidão de Mouros; e passando pela praça, as negras que estavam vendo, recolheram em suas gigas, tudo o que nelas trouxeram, e pondo-as à cabeça, foram seguindo a procissão.. Fez a sua doutrina, e voltou com a mesma solenidade, como se a terra fora de Cristãos. Alegraram-se muito os Portugueses com o bom sucesso contra os seu receio. Depois falou o Padre por vezes com os Mouros principais. Estes lhe diziam, que só a lei de Cristo era verdadeira, que tudo quanto os seus Cassizes diziam, era embuste. Acrescentavam, que se não temeram perder as rendas, que ElRei lhes dava, todos se baptizariam."

[...]

("Imagem da Virtude, em o Noviciado da Companhia de Jesus do Real Colégio do Espírito Santo de Évora do Reino de Portugal...", Pe. António Franco. Lisboa, M.DCC.XIV)

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