13/04/14

ENTREGA DA FORTALEZA DE ORMUZ - EM DIA DE RAMOS

Afonso de Albuquerque
PARTE IV

CAPÍTULO XXXII
De Como o Rei de Ormuz mandou Reis Nordim falar com o grande Afonso de Albuquerque sobre a entrega da fortaleza: e o que sobre isso passaram.

"Chegado Hacem Alé a terra, contou ao Rei, e seus Governadores tudo o que passara com o grande Afonso de Albuquerque, e a resposta que lhe dera, da qual o Rei, e todos ficaram mui agastados por verem sua determinação, e logo tornou a mandar Hacem Alé com recado, pedindo-lhe que se não agastasse, que logo mandaria Reis Nordim seu Governador falar com ele, e assentaria tudo como sua Senhoria quisesse. E porque Reis Nordim era velho, e gotoso, e não podia subir à sua nau, que lhe pedia por mercê se quisesse ver com ele numa galé, e que mandasse reféns para ficarem em terra. Ao outro dia pela manhã se foi Afonso de Albuquerque à galé grande, de que era Capitão Silvestre Corço, acompanhado de todos os Capitães, e chegou-se junto de terra, e mandou Lopo Vaz de Sampaio, Simão de Andrade, Aires da Silva, Pero de Albuquerque, Duarte de Melo, e Vasco Fernandes Coutinho, que fossem nos seus bateis a terra para lho trazerem, e levassem Diogo Fernandes de Beja para ficar por reféns. Chegados os Capitães a terra, foi Diogo Fernandes entregue a um Capitão do Rei de Ormuz, e Reis Nordim entrou no batel de Lopo Vaz de Sampaio, e com ele Reis Mudafar irmão de Reis Hamed, e dois criados de Reis Nordim, e vieram-se assim todos juntos à gale, onde Afonso de Albuquerque estava, o qual quando viu Reis Nordim abraçou-o, e fez-lhe grandes gazalhados, e depois de sentados, falaram um pouco nas coisas passadas da primeira vez que viera a Ormuz. Passada esta prática, perguntou-lhe Reis Nordim se havia de haver Rei em Ormuz. Afonso de Albuquerque lhe respondeu, que sim, estando à obediência DelRei D. Manuel seu Senhor, e guardando-se o contrato que era feito. Reis Nordim lhe disse, que o Rei por tê-lo por pai lhe mandará pedir que lhe pargasse aquela casa, que estaca pegada com os seus Paços, e por lhe fazer merecê lha alargara. E porque as achegas necessárias para se fazer outra seriam trabalhosas de ajuntar em tão breve tempo como ele queria, que Rei era contente de lhe alargar a sua fortaleza que tinha começado, e que a acabasse muito embora, porque Ormuz, e todo o Reino era DelRei de Portugal, e ambos usaram neste negócio de manha; porque o Reis Nordim com o receio que tinha de Afonso de Albuquerque pedir o Esprital, que era uma casa de muita veneração entre eles, quis antes dar a nossa fortaleza, que estaca começada, que os reféns que lhe pediam. E Afonso de Albuquerque pedia o Esprital, para que lhe dessem a fortaleza, por estar no melhor lugar da Cidade, e sobre dois portos principais dela, um de Levante, e outro de Poente. Assentado isto, disse-lhe Reis Nordim, que ElRei de Portugal na resposta das cartas de sua embaixada remetia tudo a ele: que lhe pedia por merecê pois assim era, que em nome DelRei de Portugal quisesse jurar o contrato que estava feito, e que ele também o juraria em nome do Rei de Ormuz. Afonso de Albuquerque pôs a mão num livro, e jurou de cumprir todas aquelas coisas que estavam no contrato, e Reis Nordim tirou outro do seio pequeno, escrito em letras mouriscas, dourado por cima, e em nome do Rei jurou de estar sempre à obediência DelRei de Portugal, e de seus Governadores.

No forte de Nossa Senhora da Conceição, em Ormuz (Irão)
Feitos estes juramento, mandou Afonso de Albuquerque dar a Reis Nordim uma cadeira de braçado com botões de ouro, e um ramal de contas de ouro muito grossas, e a Reis Mudafar outra de cetim carmesim com botões de ouro, e por Nicolau Ferreira mandou um colar de ouro esmaltado muito rico ao Rei, mandando-lhe pedir muitos perdões, por não ser coisa como sua pessoa merecia, e fez mercê a Hacem Alé de cinquenta cruzados, e cinco covados de escarlata: e disse a Reis Nordim, que dissesse ao Rei, que lhe pedia por mercê, que mandasse logo cerrar a porta da fortaleza, que ia para os seus paços, e abrir outra, que dava para a praia, e que lhe desse aposentamentos na Cidade para a gente até se acabar de construir a fortaleza; e que em sinal de paz, e amizade, mandasse arvorar aquela bandeira sobre os seus Paços, que lhe logo deu, das Armas de Portugal, para que fosse notório a todos que estava à obediência DelRei de Portugal. Reis Nordim lhe disse, que tudo se faria como ele mandava, e pediu-lhe seguro para virem os Mouros da terra firme com mantimentos, e mercadorias à Cidade, e ele lho deu, desde que não viesses à mistura com eles gente de guerra, porque achando-se não havia de dar vida a nenhum; e despedindo-se Reis Nordim, quisera-lhe Afonso de Albuquerque perguntar pelo negócio de Reis Hamed como passava, e nunca pode, porque Reis Mudafar nunca o deixou falar com ele só. Reis Nordim se foi para terra acompanhado de todos os Capitães como viera, e Diogo Fernandes se veio para as naus. E o Rei mandou logo arvorar a bandeira no mais alto corucheu dos seus Paços; e como foi vista das naus, disparou toda a artilharia. Acabado Reis Nordim de dar conta ao Rei do que passara com Afonso de Albuquerque, mandou logo fechar a porta que ia para os seus Paços, e abrir a outra, que vinha para a ribeira. Feito isto, mandou dizer a Afonso de Albuquerque, que a porta da fortaleza estava aberta, que podia mandar tomar posse dela cada vez que quisesse; e ele mandou logo D. Álvaro de Castro, e Lopo de Azevedo com a gente da Ordenança, que fossem tomar posse da fortaleza, que foi Domingo de Ramos, derradeiro dia do mês de Março do ano de 1515, com grande prazer, e muito tirar de artilharia; e como foi noite, com D. Garcia seu sobrinho, e alguns Capitães foi ver a fortaleza, e à entrada da porta se sentou em joelhos, e com muitas lágrimas deu graças a Nosso Senhor por lhe dar a sua casa sem guerra, nem morte de gente; e ao outro dia mandou fazer uma paliçada ao longo da praia de cestos cheio de terra, e entre eles assentar a artilharia, e ordenou dentro da paliçada algumas coisas de madeira, para se nelas recolherem os bombardeiros, e oficiais da obra, e alguma gente da Ordenança. Acabado isto, que durou poucos dias, veio-se Afonso de Albuquerque aposentar na torre de menagem, que estava meio feita, e mandou alojar a gente da Ordenança no Esprital." ("Commentários do Grande Afonso Dalboquerque Capitão Geral que Foi Das Índias Orientais em Tempo do Muito Poderoso Rei D. Manuel o Primeiro deste Nome". Parte IV. Lisboa M.DCC.LXXIV)

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