04/02/14

O DESENGANO (Nº 25) - Agostinho de Macedo (IV)

(continuação da III parte)

O Rei D. Miguel I no exílio.
Aqui me dizem, com a autoridade que tem, e crédito que merecem, os papeis dos transfugas escritores em Inglaterra, como o Chaveco, e o Paquete de Lisboa, que o Senhor D. Pedro recebera de sua augusta filha uma patente Carta, em que o nomeia Generalíssimo dos seus Exércitos de mar, e terra para a conquista da Lusitânia, e que o Senhor D. Pedro pedia para esta obra de caridade, e de misericórdia aos nossos aliados dinheiro aos milhões, não dos nossos pequenos cruzados, mas das suas esplêndidas esterlinas, e homens aos milhares, e que não são menos de cem mil, e dizem muito boas línguas que os mutantes responderam, como verdadeiros bretões, o que respondeu um galego a quem à falta de homens pediram que pegasse numa tocha para acompanhar o SS. Viático a um enfermo: "Quem é que me há-de pagar?". E isto quando asseveram que o Senhor D. Pedro trouxera no brigue mercante, que conduzia as bagagens da família do Marquês de Loulé, toda a riqueza do Brasil;efeito das poupas, e frugalidade do Senhor Ex-Imperador; não duvido, mas o Senhor Ex-Imperador aprendeu no Brasil a ter mão de macaco, que nunca larga da mão o coco, que com a mão filára; e como o Senhor D. Pedro é prudente, e não sabe os dias que há de viver (poucos, se se entregasse no comando dos Exércitos de mar, e terra aos pedreiros livres) não há ver-lhe um só real; também não basta para um empréstimo deste lote a hipoteca da sua augusta, e Imperial palavra, porque o homem é criatura mudável, também ele disse que havia de ser, se o deixassem, Defensor Perpétuo do Brasil, mas ele está cá na Europa por estalagens, e o Brasil estará a estas horas em mãos não sei de quem, e talvez que nem haja por lá uma caritativa mão que acuda com uma cuia de tapioca para fazer um caldinho para as crianças que ele lá deixou em casa do Mestre Bonifácio, que talvez tenham morrido à mingua. Estes empréstimos, estes exércitos, este salto retrógrado que se faz dar ao Imperador da coroa fechada do Império para Comandante das Forças da sua filha, tão ludibriada, que até a fazem num colégio, ou casa de uma mestra de meninas, formam um entremezão tão destampado que parece de bêbados em dia de S. Martinho. No actual momento toda a Europa me parece um entremezão; os russos sempre ao pé de Varsóvia, e nunca em Varsóvia! Gelo, degelo, colera-morbus,lituanos hoje, lituanos amanhã; os Belgas sempre em cena, como os helenos algum dia: dois cambistas ocupando todo o periodismo europeu, Pierre, e La Fitte, e um Ministro, como já disse um francês, que se não pode ver sem a gente se rir; um Wellington falando como um militar, valoroso, e franco; um Grey ladeado como um caloteiro; um Bill, que custa a passar, como beco de Alfama enlameado: amanhã, ou qualquer dia, o exército da Terceira faz o seu desembarque  no cais da forca. Isto cansa a paciência, desvanece as esperanças dos homens de bem amantes do sossego, e tranquilidade social; e os portugueses naturalmente amantes da paz, aborrecidos de tantos anos de perturbações domésticas, e estranhas, sem lhe verem o fim, não fazem mais que passar de um sobressalto a outro sobressalto; a sua marcha civil sempre alternada, o soldado sem sossego, e o pacífico artista, o magistrado grave, o empregado respeitável, com as espingardas às costas, e mãos invisíveis a meterem mais lenha no incêndio, fazendo perder o equilíbrio a tudo o que em todos os estados, e condições se chama ordem; e tudo isto porque? São muitas as fontes donde podemos receber a resposta, eu atenho-me a uma só, que abrange todas. A Seita é dominadora, dominar é o seu fim, e para ele põe em obra todos os meios, e se serve de todos os instrumentos; e o que parece que com um assopro se desfaria, tem sido entre nós o mais poderoso. O Pgumeu Calhariz, pérfido Ministro, Vassalo traidor, teimoso anglómano, sacrílego Beleguim do mais honrado dos homens, do mais bem intencionado dos Príncipes em todas as suas acções, em todos os seus passos, o mais amante dos portugueses em todas as suas soberanas determinações, e isto manifestado sempre, como homem, como Infante, como Rei, tomou uma justa, mas muito ligeira vingança do traidor, e preparado assassino de seu país, algumas horas de prisão, porque, pretendo pedreiros, como poderia este demónio inquietador ficar de fora? Todo o mundo, disse o malvado, será o instrumento da minha vingança. A sua parentela toda será como um Estado maior da mais prosseguida, e contumaz conspiração... . O resto é sabido, e já repisado, enjoa... .

Em quanto o oceano não engolir a ilha Terceira, que de seu seio foi vomitado, permanecerá um padrão de perfídia, e da impotente vingança, os seus bons portugueses, como o antigo foi as delícias do governo humano. Nenhum Rei subiu ainda ao Trono cercado daquelas qualidades, e acidentes que constituem um monarca legítimo, nas circunstâncias em que o Reino se achava, como acima disse, pela morte de seu pai, e desnaturalização, e reconhecida independência de seu irmão. Ora, que maior injúria se pode fazer, ou que maior vingança se pode tomar de um monarca legítimo que arrancar-lhe o diadema, e derrubá-lo do seu Trono? Isto é o que se quis, e o que se quer pela infame chusma dos conspiradores, para isto se inventou até o pueril estratagema de um Monarca estrangeiro abdicar numa filha de tenra idade um Trono, do qual pelas leis com que se fundou o Reino, e que ainda não foram abrogadas, são excluídas as fêmeas, quando existe sucessor varonil; e um segundo génito não é uma segunda linha. Não querem nem ouvir estas verdades, nem reconhecer estes direitos os Gabinetes da Europa, e porquê? Porque os pedreiros penetram as paredes dos Gabinetes, e o Monarca Lusitano é um inimigo invencível dos pedreiros. Esta é a chave deste enigma incompreensível; vendo-nos sempre ameaçados com o nome da Senhora D. Maria da Glória, que veio acabar a sua educação em Inglaterra, que devia começar na Alemanha. Ela deve conquistar o Reino: nos discursos parlamentares, no arrozado do Demostnenes Aberdeen, clara, e elegantemente se nos diz, que o Senhor D. Pedro, solicitando empréstimos, a quem nem a mesma avareza, e sórdido interesse dão ouvidos, porque as fianças têm a sua segurança no ar, e em hipotéticas victorias sobre um Reino, que antes quer ser cinza que ter outro Monarca, que não seja aquele que declarará legítimo. É Rei, é Pai, é Senhor, e onde há o perigo esse é o seu posto. Faça o Senhor D. podre a Imperateria Quixotesca de recrutar pelo mundo um exército de mercenários, que quantos mais forem, menos valem, ache transportes, munições, apetrechos, reservas, vá fazendo depósitos necessários de tudo isso, para que não bastam só, nem palavras, nem promessas no covil de ladrões, e de cobardes assassinos, que é a ilha Terceira, prepare o seu desembarque para maior glória sua, e das suas lesmas, seja nas praias do Tejo, mas venha desenganado (*) que o Povo português não se servirá para repelir essas hordas, com que ele intenta (sonhando) impor o jugo aos portugueses, nem do canhão, nem do fuzil, mas daquela arma, com que se enxotam cães, e com que soube sufocar uma revolução, não menos que apoiada, ou especada por uma formidável Esquadra francesa, cujo objecto foi tão vil em suas escondidas intenções, como são vilíssimos os dois cambistas, que a enviaram para cobrar a lançada condenação pecuniária, que a sordidez nos impôs, porque o verdugo enxotou as moscas dos lombos do Senhor Bonhomme, réu de um nefando, e abominável sacrilégio, que como domiciliado neste país se devia sujeitar às suas leis, como o país caritativamente lhe dava o seu pão a comer. E não caiu a cara com vergonha a toda a Nação francesa, declararem por motivo de uma invasão tão bárbara, como injusta, o mais que ridículo pretexto de uma cobrança miserável!! Que juízo fará de tantas violências a imparcial posterioridade se com efeito se não chegarem a barbarizar as nações, que hoje chamamos cultas?

(* nota: Creio já o está: bastava o que disse Lord Aberdeen dele no Parlamento em 5 de Agosto para abalar daquele país, donde saiu para a França com sua mulher, e sua filha no dia 16 deste mês.)

(a continuar)

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