11/02/14

Fr. JOÃO DE NOSSA SENHORA - O TERRAMOTO DE 1755 em LISBOA

Fr. João de Nossa Senhora, o "Poeta de Xabregas"
Trago-vos um texto, retirado de um livro que não vou mencionar (escrito por autor que, como verão, tem tom liberal), para o qual peso o devido desconto: laia-se o há de registo histórico, recordemos que mesmo a transcrição do autor pode não ser ao pé da letra (do texto de Fr. Jerónimo de Belém).

Em segundo lugar quero prestar uma homenagem ao Fr. João de Nossa Senhora. Porque se este frade poeta foi, com algumas justiça, desconsiderado entre os seus, o que diriam os seus HOJE, ao verem o estado nada poético no qual nada o nosso clero!? Que são havia de ser hoje o Padre ou Frade que imitasse Fr. João de Nossa Senhora, sem erro doutrinais, sem má filosofia!...

Fr. João de Nossa Senhora foi o grande difusor e impulsionador da devoção de Nossa Senhora Mãe dos Homens (devoção nascida no Convento de Santa Maria de Jesus, Xabregas, Lisboa), e foi ele quem definiu o seu modelo de imagem. Esta imagem e devoção espalhou-se por Portugal e Brasil.

O convento, depois da extinção das ordens religiosas de "decretada" por D. Pedro I do Brasil,
passou a quartel militar, como está na pintura.
Aclaro ainda que Fr. João não era contra as corridas de touros, mas sim contra os espetáculos que distraiam o Povo da piedade que tinham.

"Uma curiosa figura dessa época é a do célebre e popular frade xabregano, Fr. João de Nossa Senhora, vulgo o poeta de Xabregas. Permita-se-nos a este respeito extractar o que dele nos diz Ribeiro Guimarães no Summario, recomendado porém ao leitor, que mais a fundo quiser conhecer a interessante biografia do célebre Frade poeta, que leia a sua Vida escrita por Fr. Jerónimo de Belém e publicada em Lisboa, em 1743:

Nossa Senhora Mãe dos Homens. Imagem encomendada e
usada por Fr. João de Nossa Senhora
Fr. João de Nossa Senhora todos os dias percorria as ruas de Lisboa com uma imagem da Virgem que ele chamava a Senhora Pequenina, em contraposição de outra que era de mais de tamanho natural. Todos conheciam o frade, uns lhe chamavam o poeta de Xabregas, porque, mesmo nas ruas poetava, e muitas vezes respondia em quadras e décimas às perguntas que lhe faziam. Seguia-o sempre uma turba-multa de rapazes e de mulheres, e, se muitos o ouviam com atenção, outros lhe dirigiam chufas. A cada canto prégava um sermão, e sofria com paciência os dictérios, e às vezes insultos e gargalhadas com que o acompanhavam.

Quando havia grandes reuniões de povo, ou pelo entrudo, saía com a sua Senhora Pequenina a prégar, e, com uma pertinácia digna de melhor causa, vociferava contra os desvairos do tempo, inculcando sempre o culto À Senhora Mãe dos Homens. Onde via uma rixa, logo lá aparecia, procurando distrair os bulhentos com suas prédicas.

Teve dias de prégar doze sermões, nas igrejas e nas ruas, porque era muito procurado, por ter fama de excelente prégador; chamavam-lhe o prégador mariano, porque o culto da Virgem era o principal assunto de todos os seus discursos.

Fr. João era também um agitador. Tinha grandes pensamentos para comover o povo, e atraí-lo por artes engenhosas às suas prédicas. Mandou fazer uma imagem de Santa Bárbara, e no dia em que foi colocada no seu altar, pregou ele; mas antes fez anunciar o sermão por editais públicos, deste modo: "Trovão de Santa Bárbara sobre toda a cidade de Lisboa, na igreja de Xabregas. Causou isto grande agitação, mas doutra vez foi o caso mais sério".

Tinha de prégar o sermão anual da mesma Santa, e assim o fez anunciar por cartazes impressos: "Esmola que se dá no dia de Santa Bárbara no real convento de Santa Maria de Jesus de Xabregas, da Ordem de S. Francisco" e depois concluía assim: "Venha cedo, que das 10h até ao meio-dia, pouco mais ou menos, se hão-de repartir as esmolas".

Isto causou uma revolução em Lisboa. Entendeu o Povo que era esmola pecuniária, e logo começaram os empenhos para a alcançar. O Povo andava alvoroçado, não se falava noutra coisas, e a notícia do caso chegou ao Paço, mas desfigurada. ElRei D. João V, ou os seus Ministros aterraram-se, e persuadiram-se de que o povo, vendo-se logrado, faria alguma desfeita aos frades, a qual quiseram prevenir, e para isso se pôs tropa em armas, e foi colocar-se nas imediações de Xabregas.

Era imenso o borborinho do Povo,e não pouca a vociferação contra o engano que se fizera à pobreza. Mas, enfim, o frade pregou do púlpito, deu satisfação sobre o engano, e os ouvintes aplaudiram-no, excepto uma mulher, a qual procurou o frade para lhe arrancar as barbas.

Se Fr. João para muitos era um entusiasta, um visionário, um [falso]beato [e] ridículo, para muitos era todavia um santo, e piamente acreditavam que o poeta de Xabregas tinha o poder de fazer milagres. Ele era o director espiritual de muitas pessoas de alta categoria, estava relacionando com as famílias mais ilustres, que já neste tempo iam esquecendo as tradições gloriosas dos seus maiores, e entrelaçou-se com ridículas beatices [lembro que é a liberal opinião do autor] e combates de toiros.

Nossa Senhora Mãe dos Homens. Encomendada por Fr. João de Nossa Senhora
Depois da morte de Fr. João, espalhou-se o boato que tinha morrido em cheiro de santidade, e à igreja correu grande multidão, e tanta era a fé que havia em Fr. João, que lhe foram cortando pedaços da mortalha, os quais disputavam com gana, a ponto de o deixarem nu." -//-

Este homem embirrava com as touradas tanto quanto era possível. Numa ocasião já em 1755 houve umas tardes de touros no Rossio: e o frade, querendo desviar o Povo de concorrer a esse divertimento, foi prégar na igreja da Victoria. O Povo, porém, antes quis ir para os touros, do que ir escutar as prédicas de Fr. João, que despeitado, escreveu estas quadras:

No Rossio, se faz festa,
Na Victoria pregação;
Pouca gente assiste nesta,
Mas naquela multidão.

Três meses divertimento
Bem se poderá ecusar;
Tanto rir, tanto folgar,
Pode parar em tristeza.

Na doutrina de Maria,
Tenha Lisboa certeza;
Que toda a sua alegria
Há-de parar em tristeza.

Houve quem visse em tais versos a profecia do terremoto de 1755, e como aconteceu outras vezes que Fr. João se expressasse de modo que os sucessos pareciam tornar proféticos os seus versos e ditos, alguns lhe chamavam profeta, e ele dizia "não sou profeta, mas poeta".

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