23/01/14

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - Que Pretendem os Pedreiros com a Chegada de D. Pedro à Europa ... (VIII parte a)


Que Pretendem os Pedreiros de Portugal com a Ocasião da Chegada do Senhor D. Pedro à Europa?

Quererão eles dar o Reino a este desgraçado Filho do Senhor D. João VI, a esse Príncipe digno de melhor sorte, a esse ex-Imperador do Brasil, que cingiu aquela Coroa desmembrada, e desunida de Portugal, seduzido por enganosos cálculos, e osdiscursos cheios de loucura, e de insolência, e que acaba de a perder por maus conselhos, e por vis estratagemas do maçonismo? Quem há que acredita que a Hircânia, em vez de sua natural produção de carnívoros tigres, seja agora fecunda em mansos cordeiros? Quem há que experimentasse caridade no leão, benignidade no lobo, mansidão no urso, bondade na raposa, ou simplicidade na serpente? Pois é mais factível que a Hircânia abunde em cordeiros, que o leão seja sofredor benigno o lobo, compassivo o urso, indulgente a raposa, e sincera a serpente, do que os pedreiros compadecerem-se do filho de um Rei, de um Príncipe infeliz, de um Soberano destronado. Para esses monstros um Rei é o alvo de sua vingança; um Príncipe o objecto do seu rancor; qualquer filho, ou parente de Rei o incentivo da sua desesperada raiva; um Rei, um Príncipe, ou um seu filho desgraçado ou ídolo das suas complacências, para mais o deprimirem, e insultarem. Mas de quem receberam esses mentecaptos os poderes para fazerem Rei o Senhor D. Pedro? Não dos portugueses, porque esses disseram em bem altas vozes que o não querem Rei, e isto repetem todos os dias, e repetirão em quanto eles viverem, e viver o Senhor D. Pedro; nem a ele, nem a seus filhos, nem os seus filhos dos seus filhos, nem os netos dos seus netos. Contente-se o Senhor D. Pedro com o que lá tem, e com o que tomou a Portugal; e se o não soube conservar, chamasse para o seu lado o sapientíssimo Palmela, ou o Partido dos Tronos, e dos Impérios, que esse lhe faria de cada Cidade do Brasil um Império, de cada vila um Reino, de cada aldeia um Principado, e por essa forma conservaria ao menos o título de Imperador, de Rei, e de Príncipe, sem perder jamais o de Defensor: e se o Senhor D. Pedro o não pôde conservar, ali tem esse grosso Exercito reunido nas Ilhas dos Açores, com o qual não só pode reconquistar o Brasil, mas avançar as suas Conquistas além das terras, em que domina o Tauro, e o Geminis. O Saldanha, esse Cipião do nosso século, basta aparecer para vencer; é embarcá-lo no vapor como seu Secretário Pisarro, e com os seus Ajudantes Taipa, e Villa Flor, e tudo está feito. o Senhor D. Pedro disse muitas vezes que nada queria dos portugueses; pois os portugueses; depois que ele assim o disse, também dizem que nada querem do Senhor D. Pero, senão que passe muito bem lá pelo seu Brasil; lá se avenha com os seus brasileiros; e uma vez que se constituiu Defensor Prepétuo da sua ingratidão. Peça auxílio inglês, que lhe restitua o Trono; mas leve também vinho cá do Porto, porque soldado inglês, sem beber, não faz fogo. A França por agora não tem que pedir, porque as suas tropas actualmente não se ocupam em dar, senão em tirar Tronos; além de que, tem de acudir à Bélgica, que lhe fica vizinha, e vai empregar-se num grande cordão sanitário para prevenir a entrada no seu país da colera morbus, de que se teme muito pela aproximação dos exércitos da Rússia com a ocupação de Varsóvia: é moléstia terrível; faz arrojar pela boca os bofes em postas; e se o doente está atacado de mal francês, pior que pior; na Primavera é quando faz mais estragos.


Mas eu deixo-me agora desses empestados para vir outra vez ao Senhor D. Pedro. Ele não achará em Nação alguma um soldado, uma real, nem um socorro para reconquistar o Brasil: eu não sou diplomático, nem político, porque nunca andei na companhia do Palmela; mas tenho os meus barruntos de que assim lhe há-de suceder, porque assim sucedeu a Carlos X, e a outros muitos; isto de auxiliar a um Soberano destronado foi moda, que acabou, antigualhas de outros séculos, usanças góticas; agora a moda é auxiliar as revoluções, dar favor aos povos contra os Soberanos; em frase espanhola, comoer a dos carrilhos. As razões, e as sem razões, que há para não ajudar ao Senhor D. Pedro a reconquistar a Coroa, eu as direi algum dia, se me lembrar. Mas quer-me parecer que se o Senhor D. Pedro, logo que teve a notícia do falecimento de seu Pai, houvesse declarado que ele não podia reinar em Portugal, e que esta Coroa pertencia ao Senhor D. Miguel, de certo o Senhor D. Miguel havia de socorrê-lo com todas as suas forças, que são bastantes para reconquistar o Brasil, não digo eu, do poder dos revolucionários, mas de todos os brasileiros. Esta não é uma fanfarronada. Pudera mesmo o Senhor D. Pedro, no acto, em que foi obrigado a abdicar a Coroa do Brasil, haver dito aos brasileiros: "Não querendo vós que eu reine, porque dizeis que o não mereço, e Deus sabe a verdade, havendo vós renunciado à adopção temporária de mim, que fizestes em vosso Defensor, e não podendo meu Filho, nem algum membro da minha Família defender-vos, no meio, e abdico todos os meus títulos na Pessoa do meu irmão o Senhor D. Miguel, Rei de Portugal, para que governe sobre vós como a Ele, e a vós melhor convier", e veria então os Senhor D. Pedro como o Senhor D. Miguel se fazia Senhor dos brasileiros, e não Senhor adoptivo, ainda que no Brasil há muita gente, que O quer, mas Senhor natural: mas tudo isto com a bem entendida condição de lá não aparecer nenhum desses toleirões, que fugiram vergonhosamente de Portugal no ano de 1828. Bastaria que fossem somente as suas cabeças. Eu compadeço profundamente, assim Deus me ajude, a desgraçada sorte, e situação do Senhor D. Pedro; é filho de um bom Rei, é irmão de um grande Rei, e é parente de muitos Reis; por todas estas considerações, e pelas mais da humanidade, e da Religião, eu o respeito; e se a pena se desliza, como zombando, ou gracejando como seu nome, não é com ele, é por eles, por esses revolucionários, que aproveitaram o seu nome para fazer a sua desgraça, e a desgraça de Portugal, e do Brasil; é por um movimento de indignação, que arrebata, vendo a um Príncipe da respeitável Casa de Bragança ligar-se aos revolucionários, identificar a sua Causa com a Causa deles, dar-lhes favor, e pedir-lhes favor, defendê-los, e procurar que eles o defendam, conferir-lhes postos, e títulos, e aceitar deles títulos, e postos! Revolta-se a razão, perde-se o juízo, e todas as potências intelectuais se transtornam, quando ouço dizer que o Senhor D. Pedro tomou o título de Tutor da sua Filha, e o posto de Generalíssimo dos exércitos da dita Filha. Tal não acreditaria eu, ainda que mil bocas o dissessem, se o não lesse em letra redonda, posto que eu não sou daqueles, que tem uma fé tão viva nas letras de molde, como no Evangelho. Mas assim o escreveu esse grande homem de Portugal, o escritor mais copioso do seu século, o mais abundante em conhecimentos, e em notícias, o segundo Camões em poesia, o ... Eu não teço agora o seu Elogio, mas digo somente uma verdade a honra de todas as letras portuguesas, o Pe. José Agostinho de Macedo, requiescat in pace. Morreu; e é justo chorar por ele, ou antes por nós. Sabia fazer a guerra aos revolucionários, e lha fez por uma verdadeiro triunfo para todos os revolucionários do mundo, e para todos os seus escritores: havia muito tempo que se lhe desejava, e a Natureza fez a vontade a todos os seus inimigos. Morreu quem desenganava os Soberanos, e os povos: ele possuía a arte de desenganar, e os seus desenganos eram tão ouvidos com respeito. Não se lhe permitiu porém dizer tudo o que desejava. Seus escritos inéditos tem um bom Tutor, porque o direito o dá aos filhos menores, quando o pai, e a mãe lhes morrem, ou quando por morte dum o outro não ficou por aquele nomeado. Falando dos Escritos inéditos, que reputo filho do autor, vim de propósito a recair nessa Tutoria, que o Senhor D. Pedro diz exercer sobre sua Filha.

(continuação, parte b)

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