17/12/13

"DEFEZA DE PORTUGAL" (1831) - D. Maria não pode ser Rainha de Portugal (VI parte b)

(continuação da parte a)

D. Pedro, Imperador do Brasil
Mas, dizem os pedreiros, o Senhor D. Pedro abdicou. Bem: se abdicou, no momento antes de abdicar, e no momento da abdicação, acumulou uma com outra Coroa, e tornou a unir, e a fazer dependente uma da outra a duas nações, que ficaram para sempre separadas, e independentes: é isso mesmo o que ele não pode fazer por virtude dos princípios, que hoje formam o Direito público da Europa; a respeito de Portugal, e do Brasil; logo a Senhora D. Maria da Glória não pode ser Rainha de Portugal pela nulidade da abdicação. Eu quero supor momentaneamente com os pedreiros que o Senhor D. Pedro seja Rei de Portugal, e ao mesmo tempo Imperador do Brasil: digo pois que nem nessa mesma hipótese pode abdicar; e o povo: primeiramente, porque um soberano qualquer não pode abdicar sem consentimento da nação, em que reina, ou dos grandes conselheiros, e Corporações, que representam a nação portuguesa, nem seus legítimos representantes, não pediram ao Senhor D. Pedro que abdicasse, nem consentiram na sua abdicação. Segundo, porque ou o Senhor D. Pedro abdicou por sua incapacidade perpétua de reinar em Portugal, ou tinha capacidade para reinar: se o primeiro, ele devia abdicar em pessoa capaz de reinar a contentamento da nação; e porque o não fez assim, não só a abdicação é nula, mas perdeu o direito de abdicar: se o segundo, a nação pode dizer que não consente na abdicação, porque o Rei foi feito para os povos. Terceiro, porque o Senhor D. Pedro alterou a ordem regular da sucessão à Coroa portuguesa, abdicando-a numa filha, quando, a poder abdicar, era obrigado a preferir entre os seus legítimos descendentes do sexo masculino ao feminino. Quarto, porque o Senhor D. Pedro, se é Rei de Portugal, ou herdeiro da Coroa portuguesa, o é como primogénito; e então, ou o seu primogénito é também herdeiro presumptivo da mesma Coroa, ou é por seu pai despojado desta herança; e em qualquer dos casos vem a restabelecer-se a guerra, e discórdia entre Portugal, e o Brasil, ficando sempre mal seguros os destinos futuros duma, e de outra nação, que é o que se quis evitar no célebre tratado de paz, e aliança entre o Rei de Portugal, e o Imperador do Brasil. Quinto, porque a Senhora D. Maria da Glória, sendo coacta por seu pai a aceitar a transferência, e cessam da Coroa portuguesa, ficava por isso mesmo despojada da Coroa brasileira, de que é herdeira, e legítima sucessora; e como seu pai, Imperador do Brasil, a não pode deserdar daquela Coroa, ela, digo, a menina, no caso de morrer o menino seu irmão sem sucessão, resumiria seus direitos à Coroa brasileira, que em Direito se lhe não pode negar; e sendo, na hipótese dos constitucionais, Rainha de Portugal, viria acumular uma com outra nação, e conseguinte a renovar a guerra, e discórdia entre nação, e nação, a perturbar a prosperidade das duas, e a fazer perigosos seus destinos futuros. Sexto, e no sexto fazem pé os constitucionais, porque a Senhora D. Maria da Glória não pode ser Rainha realmente de Portugal enquanto não cumprir certa idade, e se não preencherem certas condições; e por isso mesmo vem o Senhor D. Pedro a ser o Rei Reinante Perpétuo de Portugal, acumulando uma com outra Coroa, fazendo uma dependente da outra, amalgamando os destinos das duas, e servindo-se de cada uma para escravizar a outra. E depois de tudo isto ainda há portugueses, que possam persuadir-se de que a Senhora D. Maria da Glória pode ser Rainha de Portugal? Eu não acredito que possa haver nascido em Portugal, e que pertença a Portugal alguém, que não olhe com mofa, zombaria, e escárnio para um rei, que diz que o não quer ser, e reina, e para uma rainha, que diz que o é, e não reina. Outro mais modesto, ou moderado dirá que o Rei Abdicante, e Reinante, e a Rainha Abdicante, e não Reinante, devem ser olhados com os lhos de compaixão, e de misericórdia, porque os pedreiros os meteram nestas desgraças, e nestas poucas vergonhas. Mas eu olho para Portugal, e as lágrimas correm, considerando que a toda a Família Real de Portugal foi roubado o Brasil, e agora lhe querem roubar Portugal. Respeito muito ao Senhor D. Pedro, e a toda a sua legítima, e augusta família, porque descende dos Reis de Portugal, e porque é Soberano de uma nação; mas na qualidade, ou categoria de Rei de Portugal eu não amo, eu lhe não obedeço; nem amo, nem obedeço à Senhora D. Maria da Glória, porque ele abdicando, e ela aceitando, mesmo pueril, e inocentemente, a abdicação, renovam a guerra, a discórdia, e o ódio entre povos irmãos, fazem a ruína geral, a desgraça, a pobreza, a miséria, a consumpção de Portugal, e do Brasil.

(continuação, parte c)

Sem comentários:

TEXTOS ANTERIORES