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D.Miguel I, o Tradicionalista |
Mas eu devo já entrar no exame do ataque maçónico feito a Portugal: não esperem porém os meus leitores que eu lhes fale dessa satisfação, que o governo francês exige do governo de Portugal, satisfação exigida com armas, e com armas recusada; e a final concedida só para poupar o sangue português, reservado para melhor ocasião. Os portugueses são generosos quando se lhes demanda sacrifícios de dinheiro; de tudo se desprendem eles, menos da sua honra, e do seu nome, que realçam sempre, em vencendo, ou morrendo. Não sou eu tão audaz que me atreva a examinar as operações do nosso Governo, nem tão impolítico que ouse repreender a marcha do Governo de outra qualquer nação. Um português sensato escrevendo para o público não se intromete no sistema do Governo de qualquer país, para não provocar o seu ódio, e até a discórdia entre governo e governo: submisso por dever, por honra, e por consciência ao governo do seu país, não move a sua pena contra outro governo, senão quando é mandado, ou quando o seu governo se declara: do contrário seria alarmar as nações, metê-las em guerra, pôr-lhes as armas nas mãos, quando ambas poderiam viver em paz, não obstante a diferença do sistema das suas governanças. Mas tal é a vertigem do século, que tem acometido as partes mais sãs do Corpo do Estado! Algumas vezes os mesmos que clamam pela reforma dos abusos, eles também abusam. Direi com este motivo uma palavra sobre a faculdade de publicar por escrito os pensamentos: esta faculdade não é uma liberdade licenciosa de dizer tudo o que vem à cabeça, seja sobre o que for: os escritores de um país devem ter por limites o mesmo país, em que escrevem, sem ofenderem jamais as instituições do outro. Cada estado, bem, ou mal, segue a sua direcção, e se governa como lhe apraz, ou como pode; se os
regnicolas não devem reprovar a sua marcha por força da obediência, e da sujeição, os estranhos muito menos a devem increpar por amor da paz. Este é o meu parecer; mas como ele temas duas limitações, voltarei a ele em outro número. Direi somente de passo que os estouvados constitucionais da Espanha, de Portugal, e da Itália vomitaram a sua raiva contra as outras potências; e o que conseguiram com este desaforo, foi o seu extermínio. Deixemos pois viver a quem nos não ofende; e se um particular julga que o governo do seu país é ofendido pelo de outro, cale-se, até que o mesmo governo se declare, e então levante a sua voz em seu auxílio, tanto quanto for conveniente ao mesmo governo. Não é outra a razão do meu silêncio depois da Revolução Francesa de Julho de 1830: o Governo não me tinha autorizado para que falasse, nem ainda autorizou, que conste a alguém; pois que a
Gazeta Ministrial não se explicou a este respeito. Eu observei que todas as nações reconheceram o governo actual de França: elas saberão, se obraram bem, ou mal: quando o Governo de Portugal levantar a sua voz, direi quais são os meus sentimentos. A minha pena portanto não se leva contra o Governo Francês, com quem o Governo de Portugal não está actualmente em guerra, nem contra outro qualquer Governo bem, ou mal constituído. Serei nesta parte mais político que os Constitucionais, que apoiam todo e qualquer Governo, que não seja Absoluto, insultando do mesmo passo a todos aqueles Estados, em que o povo não é soberano, nem se julgue destes meus sentimentos, que eu reconheço todo, e qualquer Governo de facto, como tem sido, e presentemente é o sistema da política, não obstante de que o Governo de Portugal ainda não recebeu de todos esta consideração: a mim nem a outro escritor qualquer não é dado o reconhecimento, ou não reconhecimento dos Governos uma vez instalados; eles se passam bem sem estes ductos da pena, e não se importam muito da guerra de tinteiro. Eis uma das mais fortes linhas da
Defeza de Portugal: olhar para si, não se embaraçar com os outros.
Ataco porém o Maçonismo: mas dir-me-hão, que segundo os meus princípios eu reconheceria um qualquer Governo, que fizesse profissão aberta desta seita da impiedade; ao que respondo que é impossível que um Governo, que tivesse por base fazer a guerra a todo o Culto, e a toda a Soberania, fosse reconhecido por outro qualquer Governo: mas se por impossível esse Governo fosse reconhecido, eu seria na sociedade um ente meramente passivo, e preparar-me-ia para o martírio, não pela agressão, que eu lhe fizesse, mas porque jamais anuiria ao ateísmo, nem à rebelião. Vou por tanto debaixo desta salva-guarda seguir o meu intento da satisfação, que o Governo de Portugal exigiu o Governo francês, sem que as vistas do Governo francês fossem abertamente outras, que a dita satisfação, como tem patenteado as transações entre Governo, e Governo: ponho de parte as razões desta satisfação: julgou-se ofendido o Governo francês de o Governo de Portugal haver julgado pelas suas Leis a indivíduos nascidos na França: entendeu o Governo de Portugal que devia julgar pelas suas Leis a quaisquer, que o ofendessem, fosse qual fosse o país do seu nascimento; esta foi a questão: os franceses foram os autores; Portugal foi o demandado; o Tribunal forão as armas; agrediram as tropas francesas, e viu-se que elas são déstras na guerra: defenderam-se as tropas portuguesas, e achou-se o que sempre se achará, que são valorosas, e fiéis: entre a dexteridade, e a fidelidade, para não parecer aquela, nem sacrificar inutilmente esta, meteu-se de permeio um parlamentário francês, e a questão acabou em dois actos: primeiro, anuindo o Governo de Portugal às intânciasdo Governo francês: segundo, reconhecendo as tropas francesas que as portuguesas, longe de terem perdido o valor, e a fidalidade, com que pelejaram na Guerra Peninsular, elas o aumentaram à presença do seu chefe, e seu soberano o Senhor D. Miguel. No ensaio, e prova deste valor,e fidelidade do Exército, e do povo português consiste a agressão, que o maçonismo acaba de fazer a Portugal. Eu me explico em breves termos.
(continuação,
aqui)
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